sábado, 25 de julho de 2009

O esforço de Arias e o golpismo da Mídia




Figuras de uma foto amplamente divulgada na mídia, feitas de fibra de vidro, parecem saídas de um desfile de escola de samba. O regime do golpe diz que estavam num jardim da casa presidencial e representam o presidente deposto (Zelaya) ao lado de heróis da independência no século XIX. Um presidente não precisa necessariamente ter bom gosto, mas seria ridículo ver nisso "prova" de que era ditador - estapafúrdia alegação dos golpistas. O artigo é de Argemiro Ferreira.

Argemiro Ferreira

Ainda não é fato consumado o fracasso da mediação de Oscar Arias, presidente da Costa Rica, já que pediu mais 72 horas e sua equipe considera a mediação “bem encaminhada”. O deposto e exilado Manuel (Mel) Zelaya marcou para o dia 24 a volta a Honduras. E Roberto Micheletti, ditador instalado pelo golpe militar, rejeita enfaticamente o retorno do presidente legítimo, eleito pelo voto popular.

Figuras de uma foto amplamente divulgada na mídia, feitas de fibra de vidro, parecem saídas de um desfile de escola de samba. O regime do golpe diz que estavam num jardim da casa presidencial e representam o presidente deposto (Zelaya) ao lado de heróis da independência no século XIX. Um presidente não precisa necessariamente ter bom gosto, mas seria ridículo ver nisso "prova" de que era ditador - estapafúrdia alegação dos golpistas.

Com tais “provas” fica fácil entender porque nenhum país (nem Israel!) reconhece o regime. A diplomacia dos EUA continua ambígua (a secretária Hillary Clinton, da Índia, puxou ontem a orelha de Micheletti pelo telefone); OEA e ONU apoiam a democracia, com a volta do presidente eleito; BID e Banco Mundial suspendem programas; e União Européia congela US$ 65,5 milhões da ajuda a Honduras.

Apesar desse quadro os golpistas conseguem protelar o fim da crise. Na proposta de Árias a volta de Zelaya ao cargo do qual foi retirado à força é o ítem 1, mas os golpistas tentam ganhar tempo. Como na crise dominicana de 1965: ante a resistência popular, o chefe do golpe pediu socorro aos EUA e os fuzileiros vieram (45 mil) - tropa transformada depois em “força de paz da OEA”. A protelação impediu o presidente Juan Bosch de voltar.

O exemplo de Wessin y Wessin
Há 45 anos, claro, a moda era outra: o pretexto da “ameaça comunista” justificava golpes militares e intervenções dos EUA. Na época o Brasil dos generais retribuiu a operação Brother Sam (de apoio ao golpe de 1° de abril no ano anterior, contra o “comunista” João Goulart). Enviou as tropas brasileiras comandadas pelo general Meira Mattos, que se somaram à falsa “força de paz”.

O cinismo do governo do presidente Lyndon Johnson e dos países que o apoiaram (nosso ditador de plantão, Castello Branco, entre eles) tornou aquele episódio página infame da história continental. Do outro lado lutavam pela democracia as forças constitucionalistas lideradas pelo coronel Francisco Caamaño Deño e integradas por oficiais jovens e civis.

Com larga adesão popular, a “revolução constitucionalista” tentava restabelecer a Constituição. Bosch tinha sido o primeiro presidente eleito depois da ditadura Trujillo. O líder do golpe foi o general Elias Wessin y Wessin. Junto com outros chefes militares formados à sombra de Trujillo, tinha respaldo no Pentágono.

É oportuno lembrar Wessin y Wessin - retratado na capa da revista Time, em seguida ao golpe, como herói da luta contra o comunismo Ele morreu há apenas três meses, com 84 anos. Morte serena, na cama. Depois daquela crise o general viveu um tempo no luxo em Miami (como em geral ocorre com ditadores e golpistas) mas voltou para integrar vários governos dominicanos.

Zelaya, um novo Juan Bosch?
A intervenção americana de 1965 foi ainda uma das razões da sobrevivência política de outros filhotes da ditadura Trujillo - como Joaquín Balaguer, outra vocação autoritária, que acabaria ocupando três vezes a presidência dominicana, num total superior a 20 anos. Balaguer só morreria em 2002, com 95 anos.

O equívoco dos constitucionalistas de 1965 foi acreditar na promessa dos EUA, ainda no governo Kennedy, de apoiar reformas democráticas no continente. Como o presidente que prometera foi assassinado em 1963, o sucessor Johnson preferiu aderir aos golpistas. Hoje a situação é parecida. Em Honduras e no resto do hemisfério não se sabe até que ponto é real o compromisso dos EUA com a democracia.

Para Zelaya, a protelação reduz o tempo na presidência e favorece a pregação golpista da mídia. E há mais complicadores: a proposta de Árias anula na prática os poderes do presidente; golpistas do legislativo e judiciário serão anistiados e participarão do governo; e a mídia golpista, impune, manterá seu papel nos complôs, atacando e difamando governantes que não se submetem aos interesses dela.

Vale a pena passar os olhos nas edições online dos diários hondurenhos. Repetem todo dia que Micheletti, instalado pelo golpe, é democrata; e Zelaya, que o povo elegeu, é ditador - “violava a Constituição não uma, mas muitas vezes”, dizem os golpistas. Favorável a estes e tão irresponsável como a do Brasil, a grande mídia de Honduras chama Zelaya de “corrupto”, “golpista”, “chavista”, “comunista”, etc.

Ou um novo Saddam Hussein?
As figuras em fibra de vidro no jardim foram feitas por artista popular em troca de uns trocados. São bregas mas Zelaya é presidente, não crítico de arte. O que elas provam é o baixo a que desce a mídia partidária dos golpes. O jornal El Heraldo achou gravíssimo as "estátuas" estarem na residência presidencial, mas um leitor contestou o relato.

Disse na edição online não ser hoje e nem ter sido antes empregado do governo. E explicou que visitara há algum tempo ateliê no qual são feitas imagens como aquelas. “Soube então que eram dadas de presente a Zelaya, para um evento. O veneno de vocês nesses artigos é incrível. Não sei quem é pior, vocês ou ele”, concluiu.

Os que invadiram a casa presidencial esperaram mais de 20 dias para falar das tais figuras do jardim. El Heraldo, como costuma fazer O Globo, Folha de S.Paulo, Estadão e Veja, ouviu "especialistas". Um deles, psiquiatra, diagnosticou e definiu a “megalomania” de Zelaya: “É um exagero delirante da própria capacidade, um delírio de grandeza”.

Já um analista político viu naquilo “simbologia típica de ditadores”. Lembrou que “Saddam Hussein mandou erigir estátua gigantesca de si mesmo”. E proclamou com eloquência cívica: “Zelaya julga-se no direito de governar (…) pela eternidade”, precisa de “ajuda psiquiátrica”.

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