domingo, 8 de novembro de 2009

O que há por trás dos movimentos pacifistas?


Hugo R C Souza

A cena não é incomum; ao contrário, é tão abundante quanto as bombas de morte e mutilação que o imperialismo faz cair onde quer que seus exércitos tomem a frente dos projetos de dominação: enquanto os chefes das potências e os senhores da guerra se reúnem em público para simular transigência — ou na surdina para arquitetar ataques impiedosos — um sem número de organizações, institutos, fundações e grupos auto-proclamados "independentes" põem na rua o bloco da "paz".

Eles pregam conciliação e entendimento, com a certeza de que seus símbolos alusivos ao "deixa disso" — da pomba a bater asas aos dedos médio e indicador em riste, remetendo ao slogan "paz e amor", passando por camisas manchadas de vermelho que fazem as vezes de bandeiras brancas — ganharão o mundo por meio do apoio e dos registros do monopólio internacional dos meios de comunicação, cujos integrantes estão sempre prontos a aderir às causas identificadas como justas pelo senso comum que ele próprio ajuda a forjar ao mesmo tempo em que se esmera para minar o senso crítico, centelha da chama revolucionária que as classes dominantes tanto temem.

Em lugares como Iraque e Afeganistão, mas sobretudo na Palestina, essas organizações não-governamentais — porém financiadas pelos governos, sobretudo o do USA — e movimentos que vendem a ilusão da possibilidade de paz entre oprimidos e opressores estão longe de representarem a antítese, o confronto às artilharias pesadas dos exércitos que massacram povos inteiros. Na verdade, a turma do "deixa disso" a nível internacional, a que arrota "paz", não passa do complemento óbvio aos esforços de guerra. Sua razão de ser é instrumentalizar, com discurso sedutor, a solidariedade espontânea com os oprimidos que floresce no seio dos povos dos quatro cantos do mundo, direcionando-a para o tipo de paz que interessa ao imperialismo: aquela que se quer alcançar mediante a capitulação das resistências aos invasores e o fim conciliatório das guerras de libertação nacional. Seus cartazes cheiram a pólvora. Seu material de campanha e seu vaivém pelo mundo são custeados pelos mesmos fundos destinados à compra de armas, tanques, caças, helicópteros e munições. Muitas vezes são orientadas pelos mesmos think-thanks* de cujos relatórios e projeções também bebem os oficiais de altas patentes que formulam as táticas de extermínio.

Para que o trabalho de apregoar este tipo de paz alcance a repercussão desejada, existem fundos, subsídios, especialistas, relações públicas e toda sorte de respaldo, assim como a máquina de guerra imperialista e colonial dispõe dos recursos necessários para que possam levar injustiça e morte onde quer que os monopólios tenham interesse em atuar. E assim o discurso da paz capitulacionista e o argumento dos mísseis de última geração caminham juntos onde quer que o coletivo de potências econômico-militares tenham interesses em jogo. É a indústria da paz correndo o mundo de braços dados com a indústria da guerra, ambas atendendo aos interesses do poder econômico internacional, cada uma ao seu modo.

No Brasil, qual paz?
No caso da Palestina, estes grupos pacifistas atuam com especial esmero demagógico, sobretudo após os acordos de Oslo, assinados em 1993 entre a Organização para a Libertação da Palestina, do conciliador Yasser Arafat, e o Estado ilegal e genocida de Israel. Pregam o "diálogo" e falam em "erguer pontes" entre "os dois lados". Sutilmente, escondem assim o fato de que o sionismo roubou o território onde hoje fica Israel, e que as classes dominentes e dos senhores da guerra que se instalaram na Palestina mantém desde sua chegada um projeto de colonização e de limpeza étnica dos verdadeiros donos daquela terra. Tudo com apoio da ONU e do USA. Em suma, advogam uma "paz" absurda entre agredidos e agressores, para que os crimes do sionismo permaneçam impunes, mas não apenas: o objetivo é que os criminosos sejam mesmo premiados com o fim da justa resistência armada à sua presença afrontosa e às suas repetidas agressões. A finalidade do pacifismo que prega a "coexistência" não é outra senão tentar deslegitimar a inquebrantável luta do povo palestino contra os que se apropriaram do seu chão, cerceiam sua liberdade e assassinam sua gente.

Um dos estratagemas prediletos desses que se dedicam a concertações pacifistas é escolher muito bem as palavras e expressões que empregam em seus slogans e comunicados que são reverberados pelo monopólio da imprensa. Um dos seus termos prediletos é "conflito", o que denota uma disputa travada em pé de igualdade moral e militar, como se a maioria dos ditos "conflitos" atuais surgissem de maneira espontânea entre partes iguais e em litígio, como se não fossem desencadeados por agressões imperialistas e ofensivas coloniais que atentam contra a soberania alheia, via de regra com gigantesca desproporcionalidade de poder de fogo. Foi sob esta falsa impressão de pé de igualdade que a organização pacifista Iniciativa de Genebra resolveu mais uma vez sair da toca para brandir sua mais recente versão de uma "receita" para a paz na Palestina. No dia 15 de setembro, esta Ong apresentou em Tel Aviv um novo documento de 400 páginas cujo objetivo é, declaradamente, "colocar fim a décadas de conflito no Oriente Médio". E a tal receita é, mais uma vez, a solução dos dois Estados, o que para o povo palestino significaria entregar os pontos ante o inimigo invasor após décadas de brava resistência.

A lógica que rege as organizações pacifistas que atuam a nível internacional é a mesma que baliza a atuação, por exemplo, das Ongs com foco em segurança pública que atuam no Brasil, desde sua estreita ligação com os monopólios até sua agenda de "inclusão social", que é o complemento óbvio das políticas de repressão por meio das quais se tenta manter os pobres onde as elites acham que é o seu devido lugar: o gueto, a prisão ou a escola de malabares. Certa vez o advogado criminalista Nilo Batista se referiu a uma das mais proeminentes destas Ongs, o Viva Rio, como um verdadeiro partido de direita não registrado no TSE.

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* think tank (expressão inglesa que significa "catalizador de idéias") No USA, há décadas, um exército de pseudo-intelectuais bancados pela nata do patronato e do capital financeiro ianques dita o ritmo das bombas, dos tratados comerciais e do nível da taxa de juros. Quem decide são os interesses do capital financeiro, mas quem elabora teoricamente são estes pensadores de aluguel, com suas fórmulas para multiplicar o grande capital. Estes mercenários dos relatórios, planos e memorandos, estão espalhados pelos poderosos think tanks, grupos cuja fachada é a excelência do pensamento e da pesquisa científica, mas que existem mesmo é para servir ao imperialismo ianque. (veja AND 46).


Retirado do www.anovademocracia.com.br

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