sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Trabalho escravo está presente em toda cadeia produtiva brasileira

Apesar de o Brasil ser considerado, no âmbito internacional, a vanguarda do combate ao trabalho escravo, a prática está inserida em toda a cadeia produtiva do país. Elemento inerente à reprodução do sistema capitalista, o trabalho escravo é uma das maiores violações de direitos humanos do mundo contemporâneo. Atividade no Fórum Social Mundial discutiu o que falta fazer para erradicar a prática em nosso território.

“Tudo começa com um moço chamado gato, que é um homem que vai a uma cidade com pessoas vulneráveis e chega lá com boas promessas. A pessoa se anima. Eles dizem que o patrão paga a passagem. Quando chega lá, a escravidão já começou. Quando começa o pagamento, vem o desconto da passagem, das ferramentas, do que você precisa comer. Já está tudo no caderno, anotado, e você tem que pagar. Os vigias passam armados na frente do da gente e deixam claro que o ambiente não é tranqüilo.”

O relato acima é de Francisco José dos Santos Oliveira, da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção do Trabalho Escravo em Monsenhor Gil, no Piauí. Escravo liberto, Francisco hoje vive no assentamento Nova Conquista, junto com outras 40 famílias de agricultores. Teve sorte de sobreviver a uma das maiores violações de direitos humanos do mundo contemporâneo, e esteve nesta quarta-feira (27) no Fórum Social Mundial para contar sua experiência, numa atividade que buscou fazer do balanço do caminho que o país ainda precisa percorrer para erradicar o trabalho escravo de sua cadeia produtiva.

Segundo levantamento da ONG Repórter Brasil, que integra a Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, a produção de gado bovino é a campeã em número de propriedades que utilizam mão de obra escrava no Brasil. Metade das fazendas onde a prática foi registrada por operações do Ministério do Trabalho e Emprego era de gado. Já em relação ao número de trabalhadores libertos nessas operações, a produção da cana ocupa o triste primeiro lugar. Muitas vezes, mais de mil trabalhadores são libertos de uma só vez nas ações dos grupos móveis de repressão.

Hoje, cada uma dessas hipóteses corresponde ao trabalho análogo ao escravo no Brasil: o trabalho forçado, onde a pessoa é obrigada a trabalhar pela força das armas; a servidão por dívida; a jornada exaustiva, quando de alguém, para além da jornada legal, é exigida uma produtividade que o corpo não agüenta; e o trabalho degradante, quando são suprimidas as condições básicas de saúde e segurança. Todas elas são encontradas nas cadeias produtivas brasileiras, e seus produtos chegam a toda a rede de varejo nacional.

“O trabalho escravo tem crescido no contexto da globalização. Hoje há mais de 12 milhões de pessoas em situação de trabalho forçado no mundo. Na América Latina, são 1,3 milhão. O lucro obtido por esta forma de trabalho ao ano passa de 30 bilhões de dólares, e o custo para os trabalhadores que estão submetidos a esta situação é de mais de 21 bilhões de dólares. Ou seja, apesar de muito poucos Estados nacionais reconhecerem oficialmente a existência do tema, este é um fenômeno mundial, presente na cadeia produtiva de grandes e modernas empresas multinacionais”, afirma Laís Abramo, diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.

“A sociedade brasileira está acordando para o fato de que o trabalho escravo contemporâneo não é restrito à atividade rudimentar nos rincões do país. Trata-se de uma atividade sistemática, que perpassa toda a cadeia produtiva e está na mesa de todos os brasileiros. É algo central da organização do próprio mercado de trabalho”, explica Marcus Barberino, juiz do trabalho da 15ª região e coordenador das oficinas jurídicas da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. “Ao contrário do que pensam, o trabalho escravo não é exceção. É termômetro do mercado de trabalho brasileiro, que continua a explorar o trabalhador de uma forma bastante excessiva”, acrescenta.

Referência internacional
De acordo com a OIT, o Brasil é uma referência internacional positiva em relação à luta contra este crime, estando na ponta dos esforços mundiais de erradicação. Há 15 anos o Estado desenvolve políticas de combate à prática. De acordo com os números da Secretaria Especial de Direitos Humanos, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foram seis mil trabalhadores resgatados. No governo Lula, foram 30 mil, como resultado do aumento do enfrentamento.

No entanto, muito ainda precisa ser feito para eliminar em definitivo tal violação de direitos. Um dos maiores desafios no campo legislativo é a aprovação da Emenda Constitucional 438/01, que prevê a expropriação de terras, sem direito a indenizações, onde for encontrada mão de obra escrava. Em 2001, a PEC foi aprovada em pelo Senado, mas até hoje espera a aprovação em segundo turno na Câmara dos Deputados, onde se encontram diversos parlamentares que já figuraram na chamada lista suja do trabalho escravo.

“Há anos lutamos pela aprovação prioritária da PEC. Mas apesar dos compromissos manifestados, não conseguimos avançar”, relata o senador José Nery, do PSOL/PA, presidente da subcomissão de combate ao trabalho escravo da Comissão de Direitos Humanos do Senado. “O trabalho escravo nada mais é do que um elemento inerente à reprodução do sistema capitalista vigente em nosso país e as forças degradantes de trabalho são algo que se reproduz historicamente desde a colonização. Aprovar a PEC e garantir o confisco de terras sem indenização aos escravagistas contemporâneos corresponde para nós a uma segunda lei áurea”, acredita.

No dia 13 de maio deste ano, um abaixo assinado que já conta com mais de 200 mil assinaturas será entregue ao presidente da Câmara dos Deputados reivindicando a votação da PEC em segundo turno na Casa. O objetivo é aprovar a emenda constitucional ainda no primeiro semestre de 2010. Em fevereiro, será lançada uma Frente Parlamentar de combate ao trabalho escravo no Congresso Nacional.

No campo jurídico, além de ações de formação e treinamento de juízes, o Ministério Público do Trabalho tem ampliado sua atuação no combate ao crime. Em vez de trabalhar a partir do recebimento de denúncias, como era feito anteriormente, os procuradores agora desenvolvem um trabalho menos reativo, de busca de dados e maior abrangência das ações movidas na Justiça.

“É preciso ir além de uma atuação pontual, em que algumas empresas são acionadas e outras não, já que a violação permeia todo um setor produtivo”, explica Sebastião Caixeta, procurador do trabalho à frente da Coordenação Nacional do Combate ao Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. “Também estamos movendo ações de dano moral coletivo, na construção de uma teoria que vem se firmando, com acolhimento da Justiça do Trabalho, que é a imposição de um pagamento pelo dano genérico já causado por essa violação, com os valores sendo revertidos para a classe trabalhadora. Hoje o trabalho escravo não ataca apenas a liberdade individual, mas também a dignidade da pessoa humana. Por isso, merece a repressão criminal, administrativa, trabalhista e civil do sistema de Justiça”, afirma.

Neste 28 de janeiro, Dia Nacional de combate ao trabalho escravo, a esperança dos ativistas e militantes que participam da décima edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre é acabar com a sensação de impunidade que ainda paira sobre aqueles que praticam o crime, e construir mecanismos que, de fato, erradiquem o trabalho escravo no país.

“E isso só vai acontecer quando o Brasil realizar a reforma agrária. É algo que passa por uma mudança no modelo de desenvolvimento no país, um modelo não exploratório, que não utilize pessoas como bucha de canhão para obter lucro”, concluiu Leonardo Sakamoto, coordenador da Repórter Brasil.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Quando começaremos a nos esquecer do Haiti?



A julgar pelo que já vimos acontecer em outros momentos, logo os meios de comunicação começarão a centrar sua atuação em outros temas. Uma semana depois do terremoto e de suas incontáveis consequências, as histórias sobre o Haiti começam a perder espaço. Hoje, já não ocupam todos os lugares entre as mais lidas ou visitadas nos portais da internet. As chamadas em rádios e TVs começam a refletir uma certa saturação que não é mal intencionada, mas sim resultado quase natural da super exposição midiática que parece não conduzir a nenhum lado. O artigo é de Gabriele Warkentin.
As tragédias têm a dimensão da atenção midiática que conseguem atrair. Já estamos acostumados a isso e temo que volte a acontecer no caso do Haiti. Há pouco mais de uma semana do terremoto devastador, e de suas quase incontáveis réplicas, parece que já vimos tudo. A história renderá mais? As audiências manterão o interesse ou logo virá outra tragédia espetacular que capture a atenção de todos e relegue o Haiti à posição em que estava antes do infeliz 12 de janeiro: o nada informativo? É preciso reconhecer: o Haiti não aparecia no radar de ninguém. E também por isso dói tanto. Não estou sendo cínica, só precavida.

A mobilização dos meios de comunicação internacionais foi extraordinária. Dezenas de jornalistas estadunidenses, mexicanos, espanhóis, canadenses, britânicos, venezuelanos... descobriram a existência profunda desta metade de ilha cujo futuro nos sacode de modo recorrente. Com o entusiasmo próprio de quem é testemunha de uma parte importante da História, assim, com letra maiúscula, muitos repórteres e apresentadores se lançaram a uma aventura complexa, incerta e perigosa. Começaram a chegar relatos, imagens, mais relatos, histórias de horror, imagens de esperança, mais imagens, áudios.

Houve momentos felizes – os relatos de resgates de pessoas -, episódios lamentáveis – o anúncio na televisão nacional, por parte do embaixador do México no Haiti, da morte do funcionário Gerardo Le Chevallier, sem ter a confirmação e sem ter informado previamente a família; a ligação em tempo real do professor Carlos Peralta Valle, resgatado entre os escombros, com a mãe; depois saberíamos que estavam há mais de um ano sem falar, mas não importa, a cena serviu para ilustrar o poder midiático da reunificação – chauvinismos manifestos – no tempo e no espaço, algo ao qual todos os meios de comunicação deram destaque. Porque nada comove mais que identificar entre as mortes anônimas e os escombros ameaçadores, um rosto com o qual se compartilha, ao menos, a origem. Estas e outras situações se repetiram em cada um de nossos países.

Mas é certo que o papel dos meios de comunicação tem sido fundamental para colocar o Haiti no cenário, para incluí-lo nas conversas, para mobilizar a ajuda e ativar a solidariedade. As esplêndidas crônicas e reportagens que recebemos pelo rádio, televisão, meios impressos e digitais, nos permitiram começar a compreender não só a dimensão da tragédia, mas também algo do contexto da mesma. Para quem quiser há um ótimo material circulando por aí: perfis, entrevistas, fotografias, ensaios. Poucas tragédias tiveram este nível imediato de exposição midiática. O problema é que, como espectadores, às vezes, ficamos satisfeitos com uma única história que consumimos, e não buscamos, não confrontamos. Quem gosta de ver o mundo de forma unidimensional, nunca o fará de outra maneira.

Uma semana depois do terremoto e de suas incontáveis consequências, as histórias sobre o Haiti começam a perder espaço. Hoje, já não ocupam todos os lugares entre as mais lidas ou visitadas nos portais da internet. As chamadas em emissoras de rádio começam a refletir uma certa saturação que não é mal intencionada, mas sim resultado quase natural da super exposição midiática que parece não conduzir a nenhum lado: porque o que mais recebemos são as mesmas histórias dramáticas, e a redundância nos traz uma sensação de impotência. Um pouco como no 11 de setembro, quando as televisões repetiam incessantemente a queda das torres gêmeas. “Quantas torres, afinal, caíram?” – perguntaram vozes angustiadas. As reações, as mortes (sobretudo as crianças mortas), o cheiro, a fome...., começam a repetir-se, e quando o drama se torna cotidiano, deixa de ser um drama.

Enquanto escrevo, no portal de um dos maiores jornais do México a notícia mais lida é que Scarlett Johansson faria um leilão para ajudar o Haiti. Sim, com a generosidade de nossos povos – e de alguns artistas – a ajuda segue fluindo de maneira impressionante: os donativos enviados por meio de torpedos de celulares, por exemplo, superaram recordes de arrecadação. As embaixadas não sabem o que fazer com tantas arrecadações, as mãos se multiplicam para ajudar. Mas, insisto, quanto tempo vai durar essa história?

Se tudo seguir o curso daquilo que já vimos em outros momentos, logo os meios de comunicação começarão a centrar sua atenção em outros temas. Uma jornalista argentina, residente na Venezuela, queixava-se de que nas redes sociais desse país predominavam as histórias relacionadas às últimas medidas de Chávez. No México, os meios de comunicação começaram a ceder espaços para a interminável luta contra o narcotráfico, as próximas eleições, o início das festividades do Bicentenário, o início da temporada de futebol e a iminente final de futebol americano. Não há tragédia que aguente tanto tempo. A menos que saibamos contá-la de outra maneira, torná-la importante, sustentar sua duração.

Em uma de suas notas para o El País, Pablo Ordaz relata como foi repreendido por um jovem haitiano que buscava cadáveres: “É verdade que irão contar?” – perguntou com uma boa dose de ceticismo, “ou se irão daqui quando já tiverem fotos suficientes?”. Saberemos manter o interesse nesta nação tão golpeada e tão digna ou encerraremos os despachos, voltaremos a nossos assuntos e abriremos a porta para que, na solidão, as feras sejam soltas. Ruanda é um claro exemplo: quando o interesse diminuiu, começaram as mortes. E não terminaram. A civilização do século XXI, tão rápida para reagir midiaticamente diante das histórias que nos competem, deve encontrar a forma na qual a dor não ceda espaço para o espetáculo seguinte. Essa não é uma tarefa só dos meios de comunicação, mas eles tem uma responsabilidade adicional ao dar visibilidade às histórias em importam, ou que deveriam importar.

Chegamos, contamos algumas histórias e vamos embora. Adeus Haiti?

Gabriela Warkentin é diretora do Departamento de Comunicação da Universidade Iberoamericana, na Cidade do México, e apresentadora de rádio e TV.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Somos Feias, Mas Estamos Aqui



by Edwidge Danticatð


ð Título original: “We Are Ugly, But We Are Here”, texto extraído da coletânea Women Writing Resistance: Essays on Latin America and the Caribbean (Cambridge, MA: South End Press, 2003, 23-27) editada por Jennifer Browdy de Hernandez, com prefácio de Elizabeth Martinez.


Uma das primeiras pessoas assassinadas em nosso país foi uma rainha. Seu nome era Anacaona e ela era uma índia Arawak. Ela era poeta, dançarina e pintora, também. Ela governava a parte oeste de uma ilha tão exuberante e verde que os Arawaks a chamavam de Ayiti, terra de grandeza. Quando os espanhóis chegaram pelo mar à procura de ouro, Anacaona foi uma de suas primeiras vítimas. Ela foi estuprada e morta e sua aldeia foi saqueada. A terra de Anacaona é agora frequentemente chamada de o país mais pobre do hemisfério ocidental, um lugar de contínua conturbação política. Assim sendo, para alguns, é fácil esquecer que esta nação foi a primeira república negra, terra dos primeiros afrodescendentes a extirparem a escravidão e a criarem uma nação independente, em 1804.

Eu nasci no Haiti durante o regime ditatorial de Duvalier. Quando eu tinha quatro anos, meus pais deixaram o Haiti à procura de uma vida melhor nos Estados Unidos. Eu tenho que admitir que a motivação deles era mais econômica que política, mas como sabem todos que conhecem o Haiti, economia e política estão intrinsecamente relacionadas; em geral, quem está no poder é quem determina se as pessoas terão ou não o que comer.

Eu hoje tenho trinta e quatro anos e já vou vindo mais de dois terços da minha existência nos Estados Unidos. Minhas memórias mais vivas da infância no Haiti envolvem apagões repentinos, os "blakawouts", como dizíamos. Durante os blecautes, eu não tinha como ler, estudar, ou assistir televisão, então eu me sentava perto de uma vela ou de uma lamparina e ouvia histórias contadas pelos mais velhos da casa.

Minha avó era uma senhora da roça que sempre se sentiu deslocada na capital, onde vivíamos. Ela não possuía nada além de suas colchas de retalhos e suas histórias para se consolar. Foi ela quem me contou sobre Anacaona. Eu dividia um quarto com ela, e eu estava no quarto com ela quando ela faleceu. Ela tinha mais de cem anos. Ela morreu com os olhos arregalados; fui eu quem os fechou. Ainda tenho saudades das incontáveis histórias que ela nos contava. Entretanto, não foi difícil aceitar sua morte, porque a morte estava sempre por perto.

Quando menina, eu vivia indo a funerais. Meu tio e tutor era pastor da igreja Batista e esperava-se que sua família fosse a todos os funerais que ele presidisse. Eu fui a todos os funerais com o mesmo vestido de laço branco. Acho que é por ter ido a tantos funerais que eu tenho um forte sentimento de que a morte não é o fim, e que as pessoas que colocamos debaixo da terra estão indo embora viver em algum outro lugar. Mas ao mesmo tempo eu acredito que elas estarão sempre por perto nos protegendo e nos guiando em nossa jornada.

Quando eu tinha oito anos, o cunhado do meu tio passou uma longa temporada trabalhando nos canaviais da Republica Dominicana. Ele voltou mortalmente adoentado. Lembro-me de sua esposa girando penas por dentro de suas narinas e esfregando pimenta do reino na parte superior de seus lábios para fazê-lo espirrar. Ela acreditava piamente que se ele espirrasse, ele sobreviveria. À noite, eu era eu a encarregada de observar o céu acima da casa em busca de vestígios de estrelas cadentes. Diz a sabedora haitiana rural que quando vemos uma estrela cadente é porque alguém vai morrer. Uma estrela caiu do céu e ele morreu.

Lembro-me de na infância ver Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier e sua esposa, Michèle, passarem de Mercedes-Benz atirando dinheiro pela janela para as crianças paupérrimas de nosso bairro. As crianças quase se matavam tentado pegar uma moeda ou ver Baby Doc e Michèle. Em um Natal, deu no rádio que a Primeira Dama distribuiria brinquedos de graça no palácio. Meus primos e eu fomos para o palácio e fomos quase esmagados na multidão de crianças que inundou os jardins do palácio.

Essas histórias e memórias reavivam umas questões que não me saem da cabeça. Qual é o meu lugar agora nisso tudo? Qual era o lugar de minha avó? Qual é o legado das filhas de Anacaona, das filhas do Haiti?

Ao assistir aos telejornais, é sempre difícil dizer se existem mulheres reais vivas e respirando em lugares detonadas por conflitos como o Haiti. Os telejornais da noite só nos fornecem notícias breves sobre golpes presidenciais, imigrantes rejeitados, e sabotagens em eleições. As histórias das mulheres nunca conseguem chegar às primeiras páginas. Mas elas existem, sim.

Ao longo dos anos, eu conheci mulheres que, quando os soldados chegavam em suas casas no Haiti, diziam aos filhos para ficarem deitados paralisados e se fazerem de mortos. Eu conheci uma mulher cuja irmã grávida foi baleada no estômago porque estava vestindo uma camiseta com uma "imagem antimilitar". Eu conheço uma mãe que foi presa e espancada por trabalhar com um grupo pró-democracia. O corpo dela é marcado pelas cicatrizes deixadas pelos cigarros enterrados pelos soldados em sua carne. À noite, essa mulher ainda sente o cheiro das cinzas das guimbas de cigarros que eram enfiadas, acesas, em suas narinas. Na mesma cela, essa mulher viu adidos paramilitares estuprarem sua filha de quatorze anos sob a mira de uma arma. Quando mãe e filha entraram em uma pequena embarcação rumo aos Estados Unidos, a mãe nem desconfiava que a filha estava grávida. Muito menos sabia que sua criança tinha sido infectada pelo vírus HIV contraído de um dos paramilitares que a estupraram. O fruto desse estupro, sua neta, recebeu o nome de Anacaona, como a rainha Arawak, porque essa família de mulheres é de Léogane, a mesma região em que Anacaona foi assassinada, a mesma região em que minha avó nasceu.

A pequena Anacaona possui um rosto que não traz mais qualquer traço de sangue indígena, mas sua história ecoa alguns dos primeiros sanguinários incidentes em uma terra que os tem assistido excessivamente.

Tem um ditado haitiano que talvez não agrade à sensibilidade estética de algumas mulheres. Nou lèd, nou la, que quer dizer Somos feias, mas estamos aqui. Assim como a modéstia característica da cultura rural haitiana, esse ditado é mais caro às mulheres pobres haitianas do que a manutenção da beleza, seja ela superficial ou não. Para mulheres como minha avó, o que vale à pena ser celebrado é o fato de que estamos aqui, que apesar de todas as adversidades, nós existimos. Para mulheres como minha avó, que cumprimentavam umas às outras com este ditado quando se cruzavam ao longo de um caminho de terra lá na roça, a essência da vida está na sobrevivência. É sempre bom lembrar às nossas irmãs que sobrevivemos a mais um dia para atender ao chamado de uma vida muitas vezes dolorosa e muito difícil. É neste espírito que até hoje uma mulher lembra-se de dar à sua filha o nome de Anacaona, um nome que ressoa tanto o esplendor quanto a agonia de um passado que assombra a tantas mulheres, e homens, hoje.

Quando foram escravizadas, nossas antepassadas acreditavam que quando morressem seus espíritos retornariam à África. Mais especificamente, retornariam para uma terra pacífica, a qual chamamos de Ginen, habitada por deuses e deusas. As mulheres que vieram antes de mim eram mulheres que falavam metade de uma língua e metade de outra. Elas falavam o francês e o espanhol de seus colonizadores misturados às suas próprias línguas africanas. Essas mulheres pareciam estar falando em línguas estranhas quando rezavam para seus velhos deuses, os antigos espíritos africanos. Apesar de temerem não serem mais entendidas por suas antigas divindades, elas inventaram uma nova língua para descrever o local que passaram a habitar, uma língua da qual brotaram frases coloridas para atender a circunstâncias desesperadoras. Quando essas mulheres se cumprimentavam, elas se descobriam falando em códigos.
-- Como vai você hoje, irmã?
-- Eu sou feia, mas eu estou aqui.

Hoje em dia, muitas das minhas irmãs se cumprimentam bem distante das terras onde aprenderam a falar em línguas estranhas. Muitas conseguiram chegar a outras partes, depois de viajarem milhas sem fim em alto mar, em precárias embarcações que quase lhes tiraram a vida. Em 29 de outubro de 2002, uma mulher, debilitada pela longa jornada no oceano, ao avistar terra firme teria se atirado na maré baixa. Outras pessoas a seguiram, inclusive meninas e meninos pequenos que preferiram correr o risco de quebrarem um braço ou uma perna a se separarem de seus pais. Estes são apenas alguns dos milhares que chegam às costas estadunidenses ao longo do ano, apenas para serem cercados, algemados, levados presos, e quase sempre devolvidos para o lugar de onde vieram. Há onze anos, uma mulher pulou no mar quando descobriu que sua bebezinha tinha morrido em seus braços em uma jornada que ela tinha esperanças que as levasse de encontro a um futuro melhor. Mãe e filha foram para o fundo de um oceano que já contém milhões de almas da middle passage, o holocausto do comércio de escravos. O sacrifício da mulher levou muitos de nós às lágrimas, mesmo que o acontecido nos fizesse lembrar de um monte de sacrifícios outros, feitos no passado, em nome de todos nós, para que pudéssemos estar aqui.

O passado está repleto de exemplos de nossas antepassadas mostrando tão profunda confiança no mar a ponto de saltarem de navios negreiros e se deixarem acolher pelas ondas. Elas acreditavam ser o mar o princípio e o fim de todas as coisas, o caminho para a liberdade e a passagem para o Ginen. Essas mulheres, mulheres como minha avó que me ensinou a história de Anacaona, a rainha, têm sido parte da construção do meu próprio ser desde que eu era uma menininha.

Minha avó acreditava que se uma vida é perdida, outra vida brota em algum outro lugar, sendo essa nova vida ainda mais forte que a outra. Ela acreditava que uma pessoa não morre, realmente, desde que alguém se lembre dela, alguém que reconheça que esta pessoa, apesar de tudo, estava aqui. Nós somos parte de um círculo sem fim, somo as filhas de Anacaona. Nós envergamos, mas não quebramos. Não somos atraentes, mas ainda assim resistimos. De vez em quando devemos gritar isso o mais distante que o vento puder levar nossas vozes. Nou lèd, nou la! Somos feias, mas estamos aqui.

E aqui para ficar.













sábado, 23 de janeiro de 2010

Brasil: A Lagoa dos Negros


José Ribamar Bessa Freire 17/01/2010 - Diário do Amazonas



Os índios mapuches e os camponeses que vivem às margens de uma lagoa, ao sul do Chile, juram que, de vez em quando, aparecem boiando no espelho d’água cabeças negras, com cabelo pixaim. Dizem que as cabeças vão surgindo, uma depois da outra. Dizem que ficam de bubuia, flutuando por um instante fugaz e, depois, voltam para o fundo da lagoa, conhecida, por isso, como Laguna de los Negros. Algumas histórias que ainda hoje circulam falam em oito cabeças, outras em vinte e até mais.



Já tentaram fotografar as aparições, mas elas se mostram apenas em uma fração de segundo. Só quem pode vê-las é o morador da região, que sabe das coisas. Para os citadinos desinformados, vindos de fora, elas são invisíveis. Aí, como nada vêem, esses analfabetos da oralidade acham que tais “visagens” e “histórias de assombração” não passam de “fantasia de índio”, “superstição de camponês”, “crendice absurda”, “invenção”, “mentira” ou, no melhor dos casos, “puro folclore”, incompatível com a modernidade, a tecnologia, o pensamento científico, a metrópole, a internet.



Foi aí que um historiador, para quem só vale o que está escrito, vasculhou arquivos em busca de pistas que explicassem o fato. Descobriu na documentação antiga que o colonizador espanhol decapitava os índios ou amarrava uma pedra no pescoço deles, atirando-os no fundo daquela lagoa, que ainda guarda o mistério e o encanto do tempo em que foi mais larga e profunda.



O último registro escrito dá conta de um motim ocorrido em janeiro de 1804 no navio negreiro Prueba, quando 72 escravos trazidos da África em jaulas, como bichos, se revoltaram, mataram 18 marinheiros e exigiram que o capitão, chamado Carreño, voltasse pro Senegal. No retorno, um navio norteamericano atacou o barco e trucidou os revoltosos. Oito sobreviventes presos – um deles de nome Mure - foram condenados à morte e atirados no fundo da lagoa, de onde, de tempos em tempos, emergem.



As aparições O pesquisador uruguaio Nestor Ganduglia, que sabe ler oralidades, considera as aparições como uma estratégia de preservação da memória popular. É assim que as pessoas humildes fazem: não escrevem livros, mas gravam suas experiências, quase sempre amargas e dolorosas, na paisagem, nos costumes, nos rituais, nos cantos, nas vozes que transmitem suas narrativas lendárias, criando redes subterrâneas que mantêm a memória viva em um mundo dominado por versões oficiais – ele diz.



A História oficial - relato escrito dos vencedores - apaga os crimes hediondos e afoga as atrocidades dos poderosos no lago do olvido. Milhares de ossadas permanecem insepultas nas águas da nossa América. Para serem lembradas é que, de vez em quando, sobem à tona na voz do povo, que resiste ao esquecimento e manifesta seu assombro, ao repassá-las oralmente de uma geração a outra, transpondo as barreiras do tempo.



Eis o que eu queria dizer: o Brasil é uma enorme Lagoa dos Negros. Os horrores da escravidão foram esquecidos e os bandeirantes, que assassinaram índios, transformados em heróis. As narrativas das comunidades quilombolas, dos povos de terreiro e das aldeias indígenas continuam fora da sala de aula, do museu, do monumento e da mídia, apesar de uma lei recente obrigar sua inclusão nas escolas.



O atual debate sobre a ditadura militar revela como a memória é apagada.



Durante vinte anos, a repressão política seqüestrou, prendeu, espancou, torturou e exilou milhares de pessoas, deixando um saldo de 144 mortos sob tortura e 125 desaparecidos, cujos cadáveres não foram localizados, entre eles o do amazonense Thomaz Meirelles, aqui citado no domingo passado.



O ministro da Defesa, Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça no governo FHC, de forma apressada, declarou ontem que os militares brasileiros desaparecidos sob os escombros no terremoto do Haiti não estão mais vivos.



“A expressão desaparecido é técnica. Significa corpo não encontrado” – disse, prometendo localizar os cadáveres. Não quer, porém, igual tratamento aos desaparecidos políticos, que permanecem soterrados nos inacessíveis arquivos dos órgãos de repressão.



As memórias Na disputa pela memória, o presidente Lula assinou decreto, contendo um montão de resoluções aprovadas na 11ª. Conferência Nacional de Direitos Humanos, entre as quais a criação da Comissão da Verdade, encarregada de esclarecer “as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política” durante a ditadura militar.



Lula explicou, anteontem, em entrevista a TV Mirante, no Maranhão, que o decreto manifesta apenas uma intenção: “O governo pode aceitar tudo, pode aceitar 80% ou 30%. Uma parte pode ser transformada em lei, a outra fica no programa”. A proposta pode ou não ser encaminhada como projeto de lei ao Congresso Nacional, onde vai ser analisada, discutida, emendada e votada, podendo ser aprovada ou rejeitada. O que a Comissão da Verdade vai fazer depende disso tudo e dos poderes a ela atribuídos.



Embora a Comissão da Verdade seja apenas uma proposta indicativa, bastante tímida, sem poder legal, mesmo assim os comandantes militares reagiram contra ela como senhores e donos da memória nacional, papel que não lhes cabe constitucionalmente . Não querem sequer que a idéia seja discutida.



Foram intransigentes. Exigiram que a expressão “repressão política” fosse apagada no novo decreto. Foram obedecidos. Os arquivos militares continuam fechados. Só nos resta resistir, mantendo os torturados de bubuia no lago de nossa memória.



A tortura é considerada ilegal até mesmo pela legislação arbitrária de qualquer ditadura. Mas os torturadores só foram julgados – como Pinochet no Chile, depois de preso em Londres - quando os países que praticaram esse crime hediondo foram redemocratizados: Chile, Argentina, Uruguai, Portugal, Espanha, Grécia. Os processos judiciais atestaram a existência da democracia e contribuíram para recuperar a memória.



A Argentina acaba de abrir os arquivos da ditadura. O Chile investiu US $20 milhões para construir o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, um edifício de cinco andares, projetado – oh ironia! – por um escritório paulista de arquitetura. Tem um arquivo no subsolo aberto para consulta, milhares de fotos, cartazes, textos e testemunhos em vídeos com crianças em busca de seus pais e avós, além de um espaço – o velatón – onde o acrílico reproduz as velas que eram acesas nos locais de execução.



Revanchismo? Insensatez? Não, apenas compromisso com a História. Cutucar a onça com vara curta? Pode ser se não sabemos o tamanho da nossa vara. Mas ninguém quer torturar os torturadores, apenas que respondam, dentro da lei, pelos atos que cometeram, assegurando- lhes um direito que eles não concederam às suas vítimas: o de ampla defesa. A impunidade deles contribui para que, ainda hoje, a tortura continue praticada em nosso país contra presos comuns, de origem pobre.



Muitas cabeças ainda vão boiar no lago da memória, até que o Brasil, efetivamente, se redemocratize e tenha consciência de que o futuro só se transforma se encararmos o passado. Por isso é que a memória é tão importante.

Noel Rosa racista?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Brasília Confidencial




Ayrton Centeno

O Brasil tem direito à verdade

— Agora você vai conhecer a sucursal do inferno! – avisa o carrasco.

Inferno talvez seja uma palavra branda para o que veio a seguir: choques nos genitais, na cabeça, socos, pauladas, queimaduras. Sangrando, suspenso no pau-de-arara, o prisioneiro só pensa em desmaiar para se evadir do inferno prometido e cumprido. Mas seu algoz ordena:

 — Abre a boca para receber a hóstia sagrada!, comanda, instantes antes de  enfiar-lhe um fio elétrico entre os dentes…

Após cinco dias de tortura, a prisioneira está destroçada. Estupram-na então, introduzindo-lhe um cassetete na vagina. Arrancam-lhe os seios. Os tiros que se seguem aliviam o insuportável.

As duas cenas (*) pertencem ao Brasil dos porões. Há milhares delas, já relatadas ou não. Vinte mil brasileiros foram submetidos a torturas e cerca de quatrocentos foram mortos ou continuam desaparecidos. Vinte e cinco anos após o ocaso da tirania que imergiu o país nas trevas de 1964 a 1985, a luz ainda não lhe devassou todos os escaninhos. São pedaços do cotidiano das masmorras da Oban e do DOI/CODI. Sua função, aqui, na abertura do texto, não é outra senão clarear o que está em jogo, agora, no momento em que eu escrevo e em que você lê estas linhas.

Sabemos quem morreu. Mas não sabemos quem matou. Sabemos quem pagou com a carne, o sangue e, em alguns casos, até a alma, o preço de peitar a ditadura. Mas não sabemos quem foi canalha ao ponto de chacinar homens e mulheres algemados. Precisamos saber mais dos martirizados. E precisamos saber dos monstros.

Se não soubermos o que precisamos saber – dos lugares, das circunstâncias, das identidades, das ordens, das palavras – pensaremos sempre que as Forças Armadas, como um todo, quem mandava e quem obedecia, foram protagonistas destes açougues soturnos lavados em sangue, fezes, vômito e urina. Se não ficar esclarecido quem foram os canalhas como saberemos se seu exemplo, na caserna, não permanece exemplar? Se não soubermos, como confiaremos, para qualquer coisa, em militares que fazem de covardes seus iguais? Se não soubermos, como saber se, amanhã, tudo não se repetirá?

O passado não pode ser seqüestrado por carniceiros. Tampouco é propriedade privada de qualquer casta. Pertence ao Brasil e aos brasileiros como sua História que é. Produto de 27 conferências estaduais, com a participação direta de 14 mil pessoas, o Plano Nacional de Direitos Humanos III quer iluminar estes calabouços.

Mas as hostes que querem que os mortos continuem insepultos e seus algozes acobertados são muitas, fortes e variadas. Quem orquestra a reação – como ocorreu na memorável quartelada de 1964 – é a mídia. Ao seu lado, outros personagens da Redentora: a cúpula militar, o latifúndio e a parcela conservadora da Igreja. Cada qual com os seus interesses contrariados. Nem os conglomerados midiáticos nem os seus cães de guarda simpatizam com a instituição de uma Comissão Nacional da Verdade. Manifestam-se furibundos com a idéia de abrir os arquivos, desvelar o nome dos assassinos, descobrir os restos dos trucidados e entregá-los às suas famílias para um descanso digno.

É estranho, porque os dramas contidos nas arcas fechadas a sete chaves são, certamente, fonte potencial de muitas e elucidativas matérias. Porém, o Jornalismo, como se sabe, não é exatamente o negócio das grandes empresas jornalísticas. Aliás, verdade, justiça, memória podem ser vocábulos constrangedores para sua avassaladora maioria.

A negativa do direito à verdade, sobretudo seu tom editorializado e altissonante, diz mais a respeito do sujeito que nega do que sobre o objeto negado. Basta ver o comportamento da grande mídia durante aquilo que, hoje, ela mesma gosta de chamar de “anos de chumbo” que, aliás, lhes foram, em regra, bastante leves. Tanto foi assim que muitos impérios da comunicação floresceram à sombra das baionetas.

Enquanto a imprensa internacional denunciava a prática corrente da tortura no Brasil, a mídia nativa defendia o regime dos generais. E acusava os confrades europeus e norte-americanos de estarem a serviço da “esquerda totalitária” (2). Vejamos, por exemplo, O Globo. No editorial “Torturas?”, de 22 de novembro de 1969, o diário da família Marinho reclama que “jornais franceses, alemães, belgas, austríacos, ingleses, holandeses, italianos publicam frequentemente matérias fantasiosas a respeito de “banhos de sangue” que aqui ocorreriam (...)”. A seguir, O Globo pede que o regime realize uma apuração, brandindo logo a ressalva de que “tais denúncias, no passado recente, não tinham qualquer procedência”.

A algaravia da Folha de S. Paulo é similar: vamos viajar a 1970 e passar os olhos pelo editorial do dia 29 de outubro. Nos seus queixumes, o jornal da família Frias lastima que “no exterior, principalmente na Europa fala-se mal é do Brasil”. A Folha enaltece as obras da ditabranda: a Transamazônica, o PIS, o Mobral, a economia revigorada. “Apesar disso – prossegue – insiste-se lá fora em denegrir a imagem do Brasil (...) Não há outra explicação para essa campanha: má-fé mesmo, uma espécie de represália por não termos deixado que deitasse raízes aqui uma ideologia totalitária e materialista (...)”.

Concorrentes, a Folha e o Estadão partilhavam, porém, idêntica certeza. Na mesma data e ainda no dia seguinte, o Estadão busca explicar esta coisa tão esdrúxula – a convicção de que os presos políticos eram torturados e assassinados no Brasil – como produto de segmentos inconformados com a derrota da “conspiração comuno-demo-cristã-nacionalista apadrinhada pelo Sr. João Goulart”. No dia 30 de outubro de 1969, o jornal Zero Hora, do grupo RBS, saúda o advento da era Médici, a mais brutal e sanguinolenta de todas. Seu artigo de fundo (3) trombeteia que “o Terceiro Governo da Revolução (assim mesmo, com maiúsculas) não vem com planos demagógicos, mas para dar sequência natural ao Movimento de 64, institucionalizando-o definitivamente e levando o país pelos caminhos do desenvolvimento”. Na mesma sentença, canta-se a “naturalidade” na ditadura, sua continuidade eterna e apresenta-se o despotismo como rota do progresso. Nenhum dos jornais defende a tortura como método mas fecha-se convenientemente os olhos para sua existência.

Não será a mídia, portanto, que ajudará a eviscerar uma época capaz de assombrá-la. É tão patético que até podemos imaginar sua postura não como uma opção ideológica mas uma fatalidade da biologia, uma determinante genética golpista. Senão vejamos: implorou pelo golpe em 1954, movimento frustrado pelo tiro que, após fulminar o coração de Getúlio, alvejou o núcleo da conspiração. Dez anos depois, sangrou o governo Goulart até a deposição do presidente constitucional. E aplaudiu a entronização da ditadura...

Por estas e outras, é fácil prognosticar que o PNDH III terá uma vida dura pela frente. Seja como for, é ele que aponta o Norte que o Brasil – como sociedade – e os brasileiros – como cidadãos – terão que perseguir em busca da Verdade, da Justiça e da Memória. E do respeito por si próprios.

(1) Cena 1 - Frei Tito de Alencar Lima, Operação Bandeirantes, São Paulo, 1969. Cena 2 - Sonia Moraes Angel, DOI/CODI, São Paulo, 1973;
(2) Os trechos dos editoriais de O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo foram extraídos de Henfil e o Império do Silêncio, artigo de Maurício Maia, no livro Perfis Cruzados/Trajetórias e militância política no Brasil/org. Beatriz Kushnir
(3) Artigo de Zero Hora, reproduzido pela Revista Porém

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

E AGORA? OBAMA ENQUADROU O BRASIL – DEZ MIL SOLDADOS PARA O HAITI



Laerte Braga




E como se não bastasse o controle temporário do aeroporto da capital, Porto

Príncipe. Os vários galpões, acampamentos, escolas, igrejas passíveis e

possíveis de serem usados como depósito de alimentos, água, remédios, nos

pontos atingidos pelo terremoto, ou em setores estratégicos para cobrir toda

a área alcançada pela tragédia, estão cheios. O mundo inteiro mandou

doações.



O governo de Cuba liberou o seu espaço aéreo para encurtar a distância,

permitir que os vôos de socorro cheguem mais rápidos, mas e daí?



Não começou a distribuição regular de alimentos, de remédios, de água, o

país continua um caos absoluto e o presidente da Cervejaria Casa Branca vai

enviar dez mil soldados ao Haiti.



Para que?



É guerra?



O que fazem os militares brasileiros lá? Acreditaram, eles e Lula, até agora

que eram os comandantes de fato da ocupação do Haiti e dos chamados projetos

de reconstrução de um dos países mais pobres do mundo?



Foram enquadrados, os comandantes são os norte-americanos com o uniforme da

ONU. É barato, transferem custos, dividem custos e mantêm o controle do

país segundo seus interesses e conveniências.



O Haiti já teria sido “reconstruído” se essa fosse a intenção dos EUA. Todo

o aparato de socorro às vítimas do terremoto já estaria em pleno

funcionamento se essa fosse a vontade dos norte-americanos. Não é. Não

prestaram socorro adequado e possível às vítimas do furacão Katrina que

destruiu New Orleans. É só olhar os jornais da época e ler as críticas ao

então presidente Bush. A demora em tomar providências só aconteceram debaixo

de forte pressão popular e depois que o presidente da Venezuela Hugo Chávez

mandou vender gasolina mais barata na área atingida pelo furacão e o neto de

John Kennedy disse publicamente que o seu governo, Bush, deveria agradecer a

atitude de Chávez.



Notícia que William Bonner aqui, subalterno, disse que não daria para “não

contrariar nossos amigos americanos”.



O xis da questão para o governo branco de Obama não é a existência de 200

mil, ou um milhão de vitimas. São negros, tanto no Haiti como eram a maioria

em New Orleans e os Estados Unidos são movidos a interesses políticos e

econômicos, não têm a menor preocupação com algo que vá além da população

branca e racista, ideologia implícita ao capitalismo.



Quem acreditou no conto do vigário que Obama é negro, acredita que fada

Sininho vá aparecer por lá com Peter Pan e Wendy e salvar os haitianos da

miséria, da destruição, levando-os para a Terra da Fantasia.



Obama é tão terrorista quanto Bush. O que varia é o estilo.



Mas e aí? Os militares brasileiros, tão pressurosos de sua integridade na

questão da tortura, da barbárie nos porões da ditadura militar vão engolir

esse chega pra lá dos norte-americanos? O “patriotismo” e o “nacionalismo”

dessa gente entram onde?



Não existe. São força auxiliar do império. São comandados de fora. Na

prática a tal fusão de forças armadas que Clinton propôs a FHC e FHC disse

que era para “esperar um pouco”, é a realidade, como é a realidade desde o

golpe de 1964. O general Vernon Walthers era o comandante militar e o

embaixador Lincoln Gordon o comandante civil.



Dez mil soldados no Haiti, o que Obama pensa que aconteceu por lá? Uma

jornalista da tevê BANDEIRANTES, dessas que acham que além dos tucanos não

existe nada, está no tempo em que achavam que a Terra fosse plana,

manifestou espanto pela atitude do governo de Cuba de liberar o espaço

aéreo. E ainda falam em exigir diploma.



O que há por trás dessa sórdida e traiçoeira manobra dos EUA, danem-se os

haitianos, afinal são haitianos, não integram nenhuma raça superior, a deles

e os de Israel, é exatamente isso. Não importa o número de vítimas, importa

manter o país sobre o controle de Washington seja através de elites

submissas (como as nossas), seja através das tais forças da ONU que o Brasil

vivia dizendo que tinha o comando, por onda o tal general Heleno comandante

em chefe das forças da VALE?



Andou por lá e bebeu toda a ideologia do império, que veio despejar por aqui

falando em “patriotismo” e “nacionalismo”. Só que a bandeira é outra.



E Lula? Que no afã de não criar problemas no início do seu governo,

acreditou que Bush era vacinado e se deixou morder?



Voltar com o rabo entre as pernas, já está, aliás?



Morreram catorze militares brasileiros lá e aí? Catorze cidadãos brasileiros

iludidos na tal história de cumprir o dever da pátria amada.



O ex-presidente do Haiti, deposto por Bush, Jean Bertrand Aristides, exilado

na África do Sul, disse que pretendia voltar ao país. Sabe quem definiu o

assunto? Obama via Hilary Clinton. A veneranda senhora disse que “esse é um

problema do Haiti, mas Aristides não deve voltar”.



Pronto.



Manda quem pode e obedece quem tem juízo. É a lógica das elites haitianas

(brasileiras também), é a capitulação do tal “patriotismo acendrado” dos

militares brasileiros.



Já na hora de resguardar a turma da barbárie, da boçalidade, da tortura, aí

a valentia é impar. Aí a coragem é única. Os torturados e assassinados pela

ditadura estavam presos e indefesos.



Qualquer dia Obama manda dez mil soldados aqui para o Brasil. Manda para São

Paulo para ajudar o governador e funcionário norte-americano José Collor

Serra e mostrar a Lula o que ele de fato quis dizer com esse negócio de “ele

é o cara”.



O Brasil tem o dever de ajudar o Haiti. Os haitianos. Mas muito mais que

isso, tem o dever de participar do processo de luta dos latinos americanos

contra o terrorismo da Cervejaria Casa Branca.



Terminada essa etapa crucial, se restar dignidade a essa gente, deve fazer

as malas e compreender que não foram nada além de instrumento do império.



Os dez mil norte-americanos vão para lá com o tarefa de assentar o porrete

se a coisa sair do controle.



É a “democracia” sem máscara do terrorismo capitalista.



E esse monte de terra aqui é BRASIL ou é BRAZIL?


Os pecados do Haiti



Publicado em 15 de Janeiro de 2010 por Eduardo Galeano




(tradução livre de Antonio Folquito Verona)







A democracia haitiana nasceu há muito pouco. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e enferma não recebeu nada, além de bofetadas. Estava ainda recém nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de terem colocado e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos pegaram e impuseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que havia tido a louca aspiração de querer um país menos injusto.







O voto e o veto







Para apagar as nódoas da participação norte-americana na ditadura carniceira do general Cedras, os infantes de marinha levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para retomar o governo, mas o proibiram exercer o poder. Seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, porém mais poder que Préval tem qualquer burocrata de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha sequer eleito com um voto apenas.





Mais que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum de seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, instrução aos analfabetos o terra aos camponeses, não recebe resposta, ou o contradizem ordenando-lhe: - Faça a lição! E como o governo haitiano nunca aprende que deve desmantelar os poucos serviços públicos que ainda permanecem, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores acabam sempre por reprová-lo.







O álibi demográfico







No final do ano passado quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Assim que chegaram, a miséria do povo os atingiu frontalmente. Então o embaixador de Alemanha lhes explicou, em Porto Príncipe , qual é o problema: - Este é um país demasiadamente povoado - disse-. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.





E riu. Os deputados se calaram. Essa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou as cifras. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, tanto quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilometro quadrado. Em sua passagem pelo Haiti, o deputado Wolf não apenas foi atingido pela miséria: também ficou deslumbrado pela capacidade de expressar a beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado… de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais o menos recente. Até a alguns anos, as potências ocidentais falaram bem mais claro.







A tradição racista







Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando alcançaram seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e revogar o artigo constitucional que proibia a venda de terras aos estrangeiros. Robert Lansing, então secretário de Estado, justificou a prolongada e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de se governar por si mesma, que possui “uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização”. Uno dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia elaborado anteriormente a sagaz idéia: “Esse é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que tinham deixado os franceses”.





O Haiti havia sido a pérola da corona, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com força de trabalho escrava. No espírito das leis, Montesquieu o havia explicado sem travas na língua: “O açúcar seria demasiado caro se não trabalhassem os escravos para sua produção. Esses escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão esmagado que é quase impossível ter deles alguma pena. Resulta impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma e sobretudo uma alma boa num corpo inteiramente negro”.





Em troca, Deus havia colocado um chicote na mão do feitor. Os escravos não se distinguiam por sua vontade de trabalho. Os negros eram escravos por natureza e vadios também por natureza; e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir ao amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrasse o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: “Vagabundo, desocupado, negligente, indolente e de costumes dissolutos”. Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro “pode desenvolver certas habilidades humanas, como o papagaio que fala algumas palavras”.







A humilhação imperdoável







Em 1803, os negros do Haiti ocasionaram uma tremenda derrota às tropas de Napoleão Bonaparte e Europa não perdoou jamais essa humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes sua própria independência, porém conservava ainda meio milhão de escravos trabalhando nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era senhor de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.





A bandeira dos livres se içou sobre as ruínas. A terra haitiana havia sido devastada pele monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França.. Uma terça parte da população havia caído em combate. Então , começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava dela, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.







O delito da dignidade







Nem mesmo Simão Bolívar, que soube ser tão valente, teve a coragem de assinar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar poderia ter reiniciado sua luta pela independência americana, quando já havia derrotado a Espanha, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano lhe havia entregado sete navios, muitas armas e soldados, com a única condição que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que ao Libertador não lhe passava pela cabeça. Bolívar cumpriu com esse compromisso, porém depois de sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvado. E quando convocou as nações americanas para a reunião do Panamá, não convidou o Haiti, mas sim a Inglaterra.





Os Estados Unidos reconheceram o Haiti depois de sessenta anos do final da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque possuem pouca distância entre o umbigo e o pênis. Naquele instante, o Haiti já estava nas mãos de carniceiras ditaduras militares, que destinavam os famélicos recursos do país para pagar a dívida com ex-metrópole: a Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à Francia una indenização gigantesca, como modo de ver-se perdoado por ter cometido o delito da dignidade.







A história do assédio contra o Haiti, que em nossos dias tem dimensões de tragédia, é também una história do racismo na civilização ocidental.



segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

As Lições do Haiti



Os textos de esquerda sobre o Haiti têm sido o fruto, azedo e podre, da ignorância política. Marx teria vergonha de ser de esquerda hoje, pois a inteligência parecia ser para ele, antes de tudo, o valor que deveria ser levado em conta em qualquer disputa sobre o ideal de organização de um movimento político e de pensamento. Marx iniciou-se na história do movimento de esquerda, pelas idéias, inicialmente, e apenas depois, só depois de prestar contas com os seus mestres, ele se alinhou a possibilidade de organização pratico-revolucionário. Mas, foi na analise da realidade concreta que nasce o marxismo inteligente, vigoroso e critico.


O fio condutor hoje que caracteriza a critica de esquerda vai da vagueza de concepções de mundo para a realidade, e não o contrário. Os textos são vagos antes de serem realistas, não contribuem com a tendencia rumo a realidade por que mascaram, tanto quanto o pensamento de direita, os aspectos fundamentais que envolvem os conflitos mundiais da contemporaneidade, a saber? a luta pelos direitos humanos. E a vagueza é preenchida por antigos bordões, já démodé.

Ser de esquerda é ser defensor absoluto dos direitos humanos pois todo o programa da esquerda moderna, tudo aquilo que vale apena lutar sem medo, está contido na cultura dos direitos humanos. Acho, essa é a minha modesta opinião, que o socialismo moderno, o verbo socialista, se faz carne nas batalhas heróicas do pós-guerra na defesa dos direitos humanos. Sendo assim, o socialismo deixou de ser propriedade de partidos políticos ou de organizações paramilitares, para se tornar a cultura dos direitos humanos, da liberdade e da defesa da dignidade humana. O socialismo deve então se voltar ao tipo de humanidade que queremos ser. Nas condições atuais, o internacionalismo socialista se metamorfoseia em direitos humanos em escala mundial.

As analises de esquerda são, portanto, tudo, menos o fruto de inteligencia cultivada e apreciada por Marx. Vincular a situação econômica, politico e social do Haiti ao imperialismo dos governos capitalistas, juntamente com a ganancia das multinacionais, como tem sido usual é não apenas estúpido e idiota, é um desserviço as tentativas contemporâneas mais promissoras de reerguer a critica de esquerda, regrando-a com um saber competente e conseqüente

E pode-se dizer que a forma como a critica tem sido praticada, que ela vale mais para os gananciosos mercantilistas do que para o esclarecimento da opinião pública. A principal função da critica de esquerda é tornar a realidade compreensível evidenciando as lutas e conflitos que a delimitam. Se a direita retrógrada atribui a miséria Haitiana a aspectos culturais, raciais e religiosos, a esquerda tenta jogar para fora do país tudo o que não consegue digerir em termos de seu velho e carcomido maniqueísmo. Logo, a doença do socialismo não é mais o esquerdismo, mas o maniqueísmo infantil. E o Haiti, como tantos outros casos de dissensos políticos, não cabe numa moldura cinematográfico do velho mocinho e do bandido. O Haiti é o desrespeito total aos direitos humanos, aos direitos básicos da pessoa humana, das crianças e dos idosos. A população é privada dos bens e serviços elementares. Nesse contexto, não se pode, levianamente, entrar com analises de cunho religioso. Mas, paradoxalmente o maniqueísmo de fundo pode assumir qualquer forma, indo do preconceito ao ideal dicotômico entre bons e maus na história.

O imperialismo e os vodus servem apenas para deixar à margem aquilo que realmente interessa: a critica dos grupos paramilitares internos e a ineexistência de organizações internacionais capazes de oferecerem suportes efetivos de ajuda mútua entre as nações. Para a tarefa do estabelecimento de uma logística mundial de circulação de mercadorias e de capital, o Haiti é carta fora do baralho. Como é nula qualquer possibilidade de reação interna do país: Ou se muda a lógica política internacionais, ou veremos o Haiti afundar na mais abjeta barbárie. E toda ajuda internacional deve gerar um ambiente de auto-sustentabilidade sócio-econômico, sem o qual o país se tornará apenas um bolsão de miséria incrustada entre as Américas. A má noticia é que a destruição ambiental do planeta irá jogar na desorganização político-administrativo uma boa parte dos países mundiais. Só que, no plano internacional, os Estados etssão apenas defensores de suas fortalezas mercantis.



Sergio Fonseca

Historiador