segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Equilíbrio II - Pelas futuras gerações



A Semana de Cultura Hip-Hop de São Paulo, evento promovido no final de julho de 2009 pela Ação Educativa, junto com mais de 10 grupos, posses e coletivos de Hip-Hop, teve quatro sessões de diálogo na sua programação. No dia 28 de julho, sob o tema “As Resignificações do Hip Hop. Teorias ou Práticas”, a reunião de pensadores, artistas e pesquisadores do Hip-Hop foi palco de uma discussão mediada por Sueli Chan, militante do Movimento Negro e fundadora da Zulu Nation Brasil, durante a exposição de minhas idéias e do relato do trabalho de Alessandro Buzo, escritor, empresário e apresentador do quadro “Buzão”, do programa Manos e Minas, da TV Cultura.




É necessário pontuar a importância desse espaço para a elaboração e troca de idéias, fruto da cultura de resistência desenvolvida pelo rap e pelo Hip-Hop nos anos 1990. “Vivemos um momento histórico que privilegia o não pensar”, assim definiu Wellington, integrante do Núcleo Força Ativa que participou da Semana de Hip-Hop. É esse momento que gostaria de abordar, afinal, em meio à diversidade estética do Rap, novos discursos são desenvolvidos e novos conflitos são criados. A linha politizada do cenário precisa entender que, como afirma o filósofo Richard Shusterman, decisões artísticas não podem ser resultado da estrita aplicação de regras, e sim produto de uma imaginação crítica e criativa. A ala festeira e pop tem que valorizar as conquistas políticas dos militantes do Hip-Hop, pois a vida, sendo artística ou não, depende e é guiada, na maioria das vezes, por decisões políticas, desprezar esses fatos é burrice.



Desde o seu início, até hoje, a influência da matriz norte-americana se fez forte, até o Rap latino veio para nós via EUA. Sabemos que isso demonstra o poder econômico dos Estados Unidos, é fato. Aceitar a diversidade no Rap não quer dizer despolitização total. Politização não pode significar a condenação ao esquecimento dos que não representam a “revolução”. O Rap brasileiro não tem mercado, não desenvolve uma economia forte, há poucos espaços para shows, fatos também indiscutíveis. Comparando com a matriz norte-americana, estamos muito distante, pois, nos EUA, grupos de vários estilos, com discursos políticos, gírias de cafetões ou rimas pop, conseguem viver de sua arte. “Vocês ignoram e desprezam o rap pop”, disse, no ano passado, o rapper Cabal numa discussão pelo twitter e durante entrevista ao CHH. Foquemos nossa atenção nesse desabafo, pois o problema começa com a definição do que é ser pop no Rap. Em meio aos variados discursos, qual formula pop os grupos brasileiros escolhem?



Não há uma definição exata do que é música pop. Segundo Roy Shuker, autor da obra "Understanding Popular Music" (1994), "culturalmente, toda música pop é uma mistura de tradições, estilos e influências musicais. É também um produto econômico com um significado ideológico atribuído por seu público".



"O pop não hesita em participar do mainstream. Aceita e pretende ser agradável e vender uma bela imagem de si mesmo", sentencia D. Hill, autor do livro "Designer Boys and Material Girls: manufacturing the 80´s Pop Dream". Como falei na mesa da Semana de Cultura Hip-Hop (2009), a afirmação de D. Hill causa indignação numa parte do cenário Rap nacional. A idéia que se tem de uma música feita nos moldes citados pelo autor, é a de que o seu caráter é descartável, pois não possui bases fortes e independência artística, segue a última onda, se enquadra em cada mudança de estação e tendência. Não é preciso ir muito longe para perceber qual a tendência do Rap pop atual, só não queremos que ele se transforme no culto hedonista e consumista transmitido pelos gringões e pelo pancadão (lembrando que nem todos os grupos de funk carioca seguem essa linha). O Rap brasileiro precisa gerar dinheiro para os profissionais da cena, é uma questão de sobrevivência. Isso significa inserir o Rap na lógica do lucro do capitalismo? Sim, significa, mas valores utilizados e assimilados, a idéia do que é ético (ou não) precisam ser repensados. O Rap é pra ser curtido e discutido, é para agradar, é pra causar perigo. Perguntas surgem: Agradar quem? Causar perigo pra quem?



Quem nasce pobre quer sair dessa situação, uma atitude legítima de mudança. Para os rappers dos EUA que são destaque atualmente, o sucesso comercial e suas ostentações podem funcionar essencialmente como sinais de uma independência econômica, a qual possibilita a livre expressão política e artística para uma possível mobilidade social*. Mas não é isso que vemos, a lógica do lucro superou qualquer coisa, o Rap que ajudou na campanha de Barack Obama, também reproduz o preconceito e outras formas de exploração, vide a série de debates "Hip-Hop vs America"**. No Brasil, um país com uma enorme desigualdade social, a adoção irrestrita do discurso vencedor dos norte-americanos pode agradar e ser ameaça. Não se iludam senhores, sabemos o local em que o cordão arrebenta. Só não arrebenta se for aquele de ouro pendurado no pescoço da minoria. Todo artista tem liberdade para ser pop nesses moldes, mas não tem o direito de desdenhar das opiniões contrárias em nome do lucro pessoal. Quando se “tira” a opinião politizada, se “tira” a favela, mesmo que ela não saiba. Os mais antigos precisam criar um link de confiança e respeito com os novos artistas e vice-versa. Se essa ideia não for levada em conta hoje, será totalmente esquecida pelas futuras gerações do Rap brasileiro. Questão de equilíbrio.



*Richard Shusterman, filósofo autor do livro "Vivendo a Arte".

**Programa dividido em 10 partes que debate a situação do Rap norte-americano e aborda questões como machismo, consumismo e ostentação, entre outras (em inglês).



Cortecertu - Central Hip Hop

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