sábado, 9 de janeiro de 2010

Hip-Hop Santa Marta: Resistência Cultural



No último dia 27 de dezembro a favela Santa Marta pôde prestigiar mais uma edição do "Hip-Hop Santa Marta", produzida pela posse "Visão da Favela Brasil". Neste mês, o evento foi em comemoração aos 12 anos de cultura hip-hop do rapper Fiell. Desde 2007 o evento tem sido realizado na comunidade, na Praça do Cantão e conseguiu a façanha de em poucos meses agregar diversos artistas do hip-hop carioca bem como ativistas de movimentos de direitos humanos.




Retrospectiva



Em 2008 a comunidade sofreu um forte impacto, pois às vésperas de uma Edição Especial, a Polícia Militar ocupou o morro e silenciou todas as suas manifestações culturais: baile funk, forró, samba, pagode e hip-hop. Toda e qualquer manifestação cultural estava sob vigilância do Estado, pois em sua visão as aglomerações de pessoas eram fonte de suspeita. Cogitou-se murar a comunidade e instalar câmeras de segurança pelas suas vielas. Moradores foram contratados por uma ong para mapear toda a comunidade por GPS. A quem servirão essas informações e com que finalidade, ainda é uma interrogação. São projetos que parecem ter inspiração no panóptico de Michel Foucault, ou no Big Brother de George Orwell. Qualquer semelhança com os tempos da ditadura não foi mera coincidência. E para dar mais eficácia à estratégia de silenciamento, houve o confisco do equipamento de som que servia a todas as manifestações citadas.



Com muita negociação, o "Visão da Favela Brasil" conseguiu autorização do batalhão da PM para funcionar, mas com restrição de horário. As primeiras edições pós-ocupação, foram marcadas pelo sentimento de receio dos artistas. Um cenário com PMs armados nas escadarias da quadra onde o evento rolaria, grupos de rap apreensivos de cantar suas músicas e sofrerem represálias pelo seu conteúdo, e DJ's tendo que refazerem seus sets de música pelos mesmos motivos.



A (re)existência da comunidade



E um ano se passou. Com a ocupação o evento perdeu a regularidade mensal e cada edição passou a ser uma vitória, pois deveria ser negociada junto à PM. Aos poucos as outras manifestações voltaram, mesmo que eventualmente hajam denúncias de arbitrariedades por parte de alguns policiais, e a perda da espontaneidade das pessoas que a vigilância permanente causa. Vide o estado de apreensão a que hip-hoppers são submetidos a cada evento, de ter que se apresentar com policiais passando em frente ao palco e prestando atenção a cada faixa tocada nas pick-ups. Pesquisadores da ong "Observatório de Favelas do Rio de Janeiro" acompanham atentamente a esse processo, que agora se repete em outras favelas das Zona Sul e Oeste da cidade do Rio de Janeiro.



Não é objetivo desta matéria realizar uma análise das políticas de segurança púlica do Rio de Janeiro, mas sim mostrar o papel que as manifestações culturais, aí incluído o Hip-Hop, têm na formação da identidade das pessoas e, por isso este ser o primeiro ponto a ser abordado quando da iniciativa de impôr transformações em algum lugar. Não é à toa que as propagandas na TV, da UPP - Unidade de Polícia Pacificadora, mostrarem crianças sentadas em bancos tocando violino no mesmo lugar que ficou conhecido por sediar o baile funk da comunidade. Trate-se de sufocar a cultura do povo, impondo um padrão de "cultura erudita", tal qual na colonização. É o processo de pacificação posto em prática.



Fico pensando alto: até que ponto o que vivemos no dia a dia influencia na arte que produzimos? De que maneira isso acontece? Será que a gente já se deu conta do quanto isso que produzimos tem impacto, mesmo que pensemos ser inócuos? Existe arte pura, descompromissada? Mesmo quando o hip-hop se propõe a não falar das desigualdades, essa neutralidade existe? Isso é estratégia de sobrevivência? Por que o funk, o forró, o pagode e o samba também não foram poupados, se teoricamente não abordam as coisas que o hip-hop aborda?



Nos versos de "Periafricania", do Z'África Brasil:

"É forte o choque, a sua glock

Não destrói meu Hip-Hop"



Sem palavras a todos e todas que têm contribuído para que o evento resista bravamente a todas as intempéries. Sei que posso não lembrar de todos os nomes, mas lá vai: Us Neguim q ñ c kala, Poder Consciente, O Levante, Nego Tema, DJ TR, DJ Saci e Eletrobase, Nando-e, K2, Kapella, Hanna Lima, DJ Boneco, K-lot e o Bonde dos Cria, Marechal, Delírio Black, Funkero, Dão, Migu, Tim, Bandeira Negra, Mc Wiza, DJ Lulinha, Vanone Rappman, Di Função, Candace, Fred Hampton Jr., DJ Dall, DJ Roger Flex, DJ Toni, Descendentes da Ralé, MR Boca, Papo Reto, Vozes do Gueto, Anti-Éticos, Mc Rosendo, Pró-Rap Rua, Tiago El Niño, Mister Roney, Família Kaponne, 4E, Bella Máfia, Negra Rê, Sheep, Sky Dance, Ako Dance, GBCR, Bob X, Pluto, Malone, Kaleo. Salve!



Por: Candace, em 04/01/2010

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