quarta-feira, 31 de março de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

Crack, pânico moral e a violência maquiada.

Andreza Almeida*
 
 
Recentemente o governo Federal e o Governo do Estado através do ministério da Saúde e da Secretaria de Segurança Pública da Bahia lançaram uma tenebrosa campanha sobre o crack, não bastasse o mau gosto estético das peças publicitárias, elas vêm carregadas de preconceito, estigmatização, reforço negativo para usuários e de dados sem nenhuma fundamentação científica.

Foi com muita surpresa que ao chegar no Engenho Velho da Federação, comunidade fortemente marcada por consumo, tráfico e violência me deparei com o outdoor que diz que 80% das mortes no estado da Bahia estão relacionadas ao crack.

O primeiro impacto vem da informação, que não é fruto de nenhum estudo sério, como pude confirmar após algumas averiguações entre os companheiros, que como eu,  atuam nesta área de drogas e saúde.

O Segundo impacto é a identidade visual adotada, com o pé de um cadáver de um indigente com uma etiqueta, numa releitura anatômica da antiga mãozinha que dizia
“Sou careta, não uso drogas”  adotada pelo mesmo ministério há alguns anos, agredindo as vistas e torturando usuários
 
As questões que campanhas como esta trazem são mais preocupantes se imaginarmos os milhares de usuários de crack que existem pelo estado, boa parte deles com uma experiência de miséria anterior ao uso, que vêem-se na condição de proto - cadáveres ambulantes, prontos para serem assassinados a qualquer momento para dar quorum aos 80% de mortos do governo. 
 
Ou se pensamos  nas famílias que ao invés de visualizarem uma saída para conflitos familiares, decorrentes de usos problemáticos, acabam completamente tomadas pelo medo e pela desesperança de que seus filhos, pais e irmãos tenham novamente uma vida saudável e socialmente produtiva.
 
A estimativa de 80% de homicídios, uma vez advinda da Secretaria de Segurança Pública, sem nenhuma base científica, nem fundamentação que tenha passado pelas mãos de estudioso através de métodos investigativos eficientes, como aplicação de questionários, cruzamento de informações, entrevistas e outras formas de coleta de dados, só podem estar baseadas nas  ocorrências policiais.
 
Isso sim merece alarde! A política de extermínio social e encarceramento da pobreza não é nova, e nem é exclusividade nossa, muitos estudiosos americanos e europeus, como é o caso do professor Loic Waquant , que em seus livros “Punir os Pobres  & Prisões da Miséria” denuncia que milhares de usuários sem envolvimento no comércio de drogas estão presos por conta de uma intensa política de controle social, a diferença é que nos Estados Unidos as prisões são privadas, e de alguma forma há um interesse econômico na prisão dessas pessoas, diferente da realidade brasileira onde mais um preso, é mais uma boca e um corpo a mais onde já não cabem colchões, a solução nós descobrimos: Homicídio.
 
Eu pergunto aos senhores idealizadores, financiadores e propagadores desta campanha: Quem está matando os usuários de crack?  Por que uma coisa é dizer que o crack mata por seus danos inerentes a substância, outra coisa é dizer que homicídios vem sendo cometidos, quanto desses 80% são fruto de violentas ações policiais, se é pra falar de estatísticas assustadoras, apresentem-se as tabelas, as variações, os desvios padrões e dos outros elementos constituintes das porcentagens.
 
A pergunta não é mais quanto, a pergunta é quem, quem é que está morrendo? Quem é o indigente do pezinho etiquetado e quem são os homicidas?
 
 
Entre tantos equívocos, no entanto, nenhum é pior do que fazer uma campanha de pânico, antes de criar um suporte social para minimizar as dores propagadas, a violência anunciada e o medo espalhado aos quatro ventos.
 
A palavra ineficiente por si já seria suficiente para adjetivar ações infrutíferas e irresponsáveis como esta. As perguntas continuam, e entre elas a mais importante o que fazer para transformar a realidade social que permite o agravamento do problema do crack? Afinal sujeito, contexto e substância são as três coisas inseparáveis para analisar este tipo de fenômeno que se apresentem então interligados e indissociáveis, o resto são falácias irresponsáveis.
 
 
*  Redutora de Danos da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti- Faculdade de Medicina da UFBA.

domingo, 28 de março de 2010

Krs-One: Obama, o poder, a economía e a revoluçao

A visibilidade dos movimentos negros no Fórum Social Mundial

Com base em entrevistas com integrantes dos movimentos negros no Fórum Social Mundial de Belém (2009) e no Fórum Social Mundial Temático da Bahia (2010) e na análise de documentos, a percepção dos movimentos negros brasileiros é que eles teriam pouca visibilidade neste espaço. Isso significa que eles ocupariam espaços pouco privilegiados se comparados a outros movimentos, tanto em termos quantitativos como qualitativos.
A proposta do Fórum Social Mundial desde sua primeira edição, há 10 anos, é oferecer um espaço em que convergências e alianças possam ser travadas de modo aberto e diversificado por várias organizações e movimentos sociais. Mas mesmo que diversos grupos sejam admitidos formalmente, já que o Fórum conta com um documento básico, a sua Carta de Princípios, há interações sociais que privam os diferentes atores de se inserirem nas discussões e nas várias atividades do Fórum, como é o caso dos movimentos negros.

Com base em entrevistas com integrantes dos movimentos negros no Fórum Social Mundial de Belém (2009) e no Fórum Social Mundial Temático da Bahia (2010) e na análise de documentos, a percepção dos movimentos negros brasileiros é que eles teriam pouca visibilidade neste espaço. Isso significa que eles ocupariam espaços pouco privilegiados se comparados a outros movimentos, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Essa visibilidade estaria relacionada à busca por reconhecimento social, à inserção desses movimentos nas atividades, à existência de atividades que
tratassem da temática do anti-racismo, à entrada em discussões principais, à interação e articulação com outros movimentos dentro do Fórum.

Para se ter uma ideia, das mais de 1300 atividades realizadas por organizações brasileiras, previstas na programação do FSM Belém 2009, apenas 4,2% tratou da temática do anti-racismo. Já quando as atividades eram propostas conjuntamente por movimentos negros com outras
organizações, apenas 31% dessas atividades incorporaram a temática do anti-racismo, sabendo que em atividades desta natureza haveria uma maior possibilidade da temática ser inserida, numa perspectiva racial que dialogasse com temas gerais e estivesse visível a outras organizações.

Partindo desses dados podemos levantar algumas explicações para essa pouca visibilidade.

Em primeiro lugar, é possível questionar em que medida os movimentos negros tiveram dificuldade de inserir as suas questões nos diferentes espaços e discussões do Fórum e assim buscarem uma maior visibilidade. Na tentativa de trazer a temática do anti-racismo, eles acabaram esbarrando na afirmação de suas diferenças. Mesmo entre as atividades propostas diretamente por movimentos negros, em que 97% delas foi sobre a temática anti-racista, os temas foram tratados de modo isolado, em espaços específicos por quilombolas, negros urbanos, afro-religiosos, juventude negra, entre outros. Essas “divisões” dos movimentos negros naquele espaço foi uma opção estratégica que também comprometeu a sua visibilidade.

Uma segunda reflexão que pode ser levantada a partir da dificuldade de inserção desses movimentos e que muitos entrevistados apontaram foi que os movimentos negros falaram para si mesmos. No caso do FSMT-BA 2010, apesar da temática do anti-racismo estar mais visível nas atividades principais, podíamos ver negros falando para um público negro. Isso foi algo que muitos integrantes dos movimentos reconheceram como um problema, visto que a questão racial não se restringe a um grupo específico, mas deveria ser algo pensando e debatido por todos, sejam negros ou não-negros.

Nessas duas edições do Fórum também foi perceptível que muitas restrições se impuseram ao acesso do público aos espaços das atividades do Fórum. Como o público que se interessava pelas discussões feitas pelos movimentos negros brasileiros era majoritariamente negro, é possível que
quanto mais se tivesse a oportunidade de negros estarem presentes, mais esses contribuiriam para maior notoriedade e pressão por mudanças referentes às demandas desses movimentos. Por questões de logística, o acesso ao Fórum foi controlado pela organização, fato este que impediu a
entrada da população residente próxima ao local do Fórum, ajoritariamente negra.

Por fim, uma última reflexão que podemos fazer, dentre outras, é se o Fórum continua sendo um espaço legítimo e reconhecido pelos movimentos negros. Se acompanharmos a história da inserção da temática do anti- racismo nesses dez anos de FSM, apontada por alguns entrevistados e organizadores do Fórum, veremos que ela foi pautada como objetivo do encontro somente no ano de 2009. Além disso, muitos encontros importantes para os movimentos negros têm sido realizados concomitantemente com o Fórum, o que desloca as discussões para outras esferas, retirando o foco daquele espaço. Isso reforça o isolamento desses movimentos – visto que o Fórum deveria ser um espaço de troca e convergências – e contribui juntamente com outros fatores para a sua pouca visibilidade.

Diante desses elementos escolhidos para a reflexão sobre a questão da visibilidade dos movimentos negros, com base na pesquisa feita, podemos ver que esses movimentos ainda não conseguiram superar a dificuldade do enfrentamento de suas próprias diferenças, nem tampouco de conquistar mais trocas e fazer alianças com outros tipos de movimentos no FSM. Pela
complexidade da questão e longe de se restringir ao Fórum, a luta dos movimentos negros passa pela resistência da sociedade brasileira, de um modo geral, em assumir-se como um país de desigualdade racial, o que afeta as opções políticas tomadas nos diferentes espaços, sejam nas
instituições ou em espaços que se propõem ao debate diversificado como o Fórum. Além disso, podemos problematizar em que medida as mudanças por maior abertura e acesso aos recursos que os movimentos negros reivindicam poderão ocorrer com base nas estratégias traçadas por eles.

Em que medida os movimentos negros brasileiros poderão ordenar essa ação coletiva inovadora na busca do outro mundo possível das relações raciais nos próximos anos? E será que nos próximos Fóruns?

[*] Aluna de mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília e integrante do grupo de pesquisa “Sociedade Civil e Negociações Internacionais”, coordenado pela professora Marisa von Bülow, que vem desenvolvendo uma pesquisa sobre o Fórum Social Mundial há 2 anos. Contato: juliana_lmaia@yahoo.com.br.

Sobre a Greve dos Professores em SP





sexta-feira, 26 de março de 2010

Na Carne

Uma investigação feita "in loco" em 1.020 fazendas pela própria CNA, a Confederação Nacional da Agricultura, revela que menos de 1% -é isso mesmo, 1%!- dos estabelecimentos rurais visitados por profissionais da entidade cumprem as leis trabalhistas no campo. O relatório, assinado por professores da Universidade Federal de Minas Gerais e da FGV-SP, será divulgado na próxima semana.
DEGRADANTE
A CNA, que é presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), enviou técnicos e professores universitários para as fazendas como se fossem "fiscais" do governo. Entre as falhas encontradas, estão trabalhadores sem carteira assinada, alojamentos inadequados e empregados que costumam almoçar no campo, e não em refeitórios apropriados, o que é considerado "degradante" pelo Ministério do Trabalho.
CARTILHA
As visitas foram feitas em sete estados -Alagoas, Tocantins, Maranhão, Bahia, Mato Grosso do Sul, Goi ás e Pará. Os técnicos da CNA orientaram os fazendeiros e retornaram aos estabelecimentos rurais depois de quase dois meses. Em 18% dos casos, os proprietários tomaram providências para melhorar a situação -o que, na opinião da entidade, mostra que, quando informados, os ruralistas procuram se adequar. Só no Maranhão as coisas continuaram praticamente iguais.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Dia de Luta contra Discriminação Racial

Nesse ano completa-se 50 anos do massacre de Sharpeville. Assim ficou conhecido o episódio em que militares sul-africanos atiraram contra uma multidão que se manifestava no bairro de Sharpeville, em 21 de março de 1960. Eles protestavam contra a exigência de passa-porte para o trânsito de pessoas pretas nas ruas do país. Sessenta e nove pessoas foram mortas e cerca de 180 feridas. A repercussão desse ocorrido fez os olhos do mundo se voltar para a questão racial na África do Sul (ou, Anzania, segundo os nativos) e a ONU escolher o dia 21 de março como o Dia  Internacional de Luta Pela Eliminação da Discriminação Racial. 
Esse foi um entre tantos massacres ocorridos contra @s pret@s durante o regime do Apartheid  na Anzania. Numa 

outra manifestação, anos mais tarde, cerca de 700 estudantes foram executad@s quando protestavam contra a obrigatoriedade do ensino da língua Africânder (o idioma dos invasores brancos) nas escolas das comunidades pretas. 
O racismo oficial acabou naquele país com o fim do Apartheid. Porém, ao contrário do que a mídia tenta nos fazer acreditar, o povo da Anzania não lutou mais de 40 anos só para ter o direito de eleger presidentes pretos, mas sim, por justiça social. Os presidentes pretos vem sendo eleitos desde 1994, mas a justiça social parece estar cada vez mais distante. 
Na metade da década atual o desemprego entre os jovens, mulheres e trabalhadores rurais, chegava a 70%. Em boa parte esse desemprego é resultado da onda de privatizações iniciada no governo Mandela. Em outras palavras: o CNA – partido de Nelson Mandela – vende o patrimônio publico construído e mantido na base de muita exploração do povo sul-africano e, ao invés de reparações ele é “indenizado” com demissões. 
O CNA comemora a expansão de serviços como a distribuição de água e energia elétrica. Só que como as tarifas cobradas são altas demais para os baixos salários da população preta empregada, muitas famílias não conseguem pagar suas contas. Assim o fornecimento, tão festejado, é cortado. O caso é tão grave que se fez necessária a criação do Movimento dos Religadores. Os funcionários das distribuidoras cortam o fornecimento e o movimento vai lá e refaz a ligação. 
Com a maior população soropositiva do mundo o governo Mandela cortou o fornecimento do coquetel de remédios que mantém vivas essas pessoas. O Ministério da Saúde chegava a alegar que com tantos curandeiros tribais, o coquetel não era necessário. Na verdade, essa atitude fazia parte de uma política de corte nos gastos do governo para fazer caixa para o pagamento da divida pública contraída durante o governo racista. Boa parte dessa dívida foi feita para equipar os órgãos que reprimiam os movimentos anti-apartheid. E, diga-se de passagem, todos os torturadores e assassinos desse regime foram anistiados pelo governo do CNA. Ou seja, pro CNA chegar à presidência e pro Mandela ganhar o premio Nobel da paz, eles perdoaram todos os que praticaram as mais terríveis brutalidades contra o povo preto da Anzania. 
Além de ter uma população de maioria preta que foi escravizada e segregada por uma minoria branca, a história do Brasil e da Anzania se assemelha por outras razões. Por exemplo, aqui tivemos a lei Áurea e a abertura política dos anos de 1980 – solução encontrada pelas elites brasileiras para frear a reação da classe subalterna. Lá, o Acordo de Kampton Park permitiu, além do fim do apartheid, a subida de Nelson Mandela e seu CNA à presidência sem que os criminosos do antigo regime fossem punidos e que a estrutura econômica fosse alterada – salvo alguns pequenos retoques. Hoje alguns pret@s se tornaram grandes empresári@s e exploram @s trabalhador@s pret@s, exatamente como os brancos racistas sempre o fizeram. 
Para a burguesia não podia ser melhor. Acreditando na possibilidade de mobilidade social @s pret@s vão competir entre si para alcançar a posição de ric@s explorador@s, em vez de se unirem para acabar de vez com essa sociedade dividida entre explorador@s e explorad@s. 
Se temos tantas semelhanças com os sul-africanos, podemos bem aprender com o exemplo que vem de lá. A história recente da Anzania nos ensina que não adianta lutar contra a situação de miséria e opressão do povo preto deixando de pé o capitalismo. Ele é a fortaleza de todos os males sociais dos nossos dias. Lutar para empoderar lideranças pretas que não estejam comprometidas com a transformação radical da nossa sociedade será somente mudar a cor de quem representará a nossa exploração e opressão. O ativista preto sul-africano Steve Biko resumiu a questão em uma frase: “Racismo e capitalismo são duas faces da mesma moeda”. 
Em 21 de março e em todos os outros dias... 
Pelo fim do racismo! 
Pelo fim da sociedade de classes!

Coletivo de Hip Hop LUTARMADA
Movimento Hip Hop Militante
Quilombo Brasil




segunda-feira, 22 de março de 2010

São Paulo - Enchentes, destruição, descaso, rebelião

Antônio Bergoci   

Mais um dia de chuva em São Paulo, mais um capítulo da mesma história: enchentes. Mas para essa história ser contada precisa de algo mais.


Moradores incendeiam ônibus em repúdio ao descaso da prefeitura de São Paulo
Quando o povo se rebela, pois literalmente chega a ultima gota d'água, toda malta de serviçais da "administração pública", com todo seu palavrório pseudo-humanista hipócrita lança ao povo a pecha de "vândalos", criminalizando a justa revolta popular.
Com a catástrofe causada pelos últimos temporais, os alagamentos no Jardim Nazaré, bairro Itaim Paulista, as famílias desabrigadas e mutiladas se levantaram em protesto contra o completo descaso da prefeitura de São Paulo.
Na noite do dia 23 de fevereiro, após uma forte chuva que fez transbordar o Córrego Lajeado alagando as casas de centenas de famílias, que foram às ruas e incendiaram dois ônibus e fizeram barricadas na Avenida Dom João Nery com móveis e objetos danificados pelas enchentes.
A tropa de choque da PM foi enviada para reprimir o protesto e agiu com a costumeira brutalidade atirando bombas no interior das residências inundadas.
Os relatos de alguns moradores da Avenida Barão Luis de Arariba, uma das vias mais atingidas, são o testemunho vivo da catástrofe provocada pelo descaso dos sucessivos (des)governos com a população das periferias :
— Veio a policia e o choque. Jogaram bombas dentro de casa de morador, eu tive que ficar em casa porque eu tenho criança pequena, isso aqui virou uma nuvem de fumaça. O meu filho estava dormindo e acordou com os olhos ardendo — disse dona Marta.
— Ali tem uma senhora com problema de saúde, deveriam ter respeito! O meu tio está acamado com câncer. Jogaram uma bomba dentro de casa e meu tio começou a passar mal, ele já esta quase em fase terminal! — protestou dona Terezinha Barbosa da Silva.

O abandono e o descaso


Dona Terezinha e sua mãe, dona Olinda da Silva, nos relataram que moram naquela região há mais de 40 anos e que antes não havia enchentes.
— A partir de 2005/2006 começou o problema, fizeram um asfalto mal feito,"igual o nariz deles" jogaram a caída da água pro lado das casas, abaixaram a rua no nível do córrego. O nível era mais alto e não entrava água, tinham que fazer a limpeza e não fizeram, jogaram a terra no córrego. Hoje se tiver um metro de fundura é muito. Fizeram uma obra mal feita só pra nos enganar.
Dona Terezinha tem uma pequena oficina de costura e presta serviço para uma empresa. É dessa oficina que ela obtém o sustento de sua família. Tudo foi perdido com a enchente.
— O serviço não é meu, é da empresa. E agora, o que vou fazer? Aí a prefeitura reclama porque botaram fogo nos ônibus, mas os ônibus tem seguro, e nós? Ninguém aqui nunca fez isso, foi a primeira vez que protestaram e queimaram os ônibus. Depois disso estão dando atenção pra gente (televisão,prefeitura). Mas e as outras enchentes que aconteceram antes? Aqui na minha rua já teve mulher morta e estuprada ali embaixo, iluminação aqui também não tem, somente os postes. A gente vai até a sub-prefeitura reclamar e o sub-prefeito responde: "vocês pensam que estão falando com quem?" Eles chamam a segurança pra botar a gente pra fora, pra xingar a gente.
Se o pessoal não tivesse queimado os ônibus, ninguém ficaria sabendo de nada, não estariam limpando a rua. — concluiu.
Outra moradora, dona Marta, mostra os seus prejuízos. Seu carro foi tomado pela lama.
— Ali adiante a enxurrada levou outros carros para dentro do córrego. São coisas que tem que ser mostradas. A população não pode ficar sofrendo assim. Eles só vieram aqui por causa da queima dos ônibus.
Dona Terezinha e sua mãe fizeram questão de declarar que "em época de eleição eles vem aqui e enganam o povo com asfalto mal feito. A Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] é outra sem vergonha, se você for ali vai ver o esgoto nas casas dos moradores. Aquela senhora ali [e aponta para o outro lado] não tem mais nada porque a água que cai no rio volta pra dentro de sua casa. Está tudo entupido,isto é um absurdo! A população não devia mais que aceitar colchonetes e cestas básicas. Tem é que fazer um protesto lá na prefeitura."
Outra moradora denuncia:
— Esta rua se chamava Francisco Alves Pereira e constava estar asfaltada e o córrego canalizado desde 1986. Para nos enganar mudaram o nome dela para Avenida Barão Luis de Arariba.
Bem próximo, encontramos outra moradora que também nos mostra sua pequena oficina de costura com todas as máquinas estragadas pela enchente. Ela nos contou que no momento do alagamento ligou para a Defesa Civil:
— Eu falei que estava com água até o umbigo e que tinha 6 crianças e eles perguntaram: "A situação está sob controle?". Como assim? Perguntei. Então eles responderam que só poderiam atender se houvesse risco de morte. Então eu falei: "precisa morrer alguém pra vocês virem?". Eles disseram que iriam enviar uma viatura, mais até agora...
Outra moradora, dona Inês Aquino Oliveira da Silva, moradora da rua Basílio Salazar, relata:
— Nós estamos lutando desde 2006. Antes de vencer as eleições, ele [Kassab] veio aqui e tapeou todos os moradores e fez este asfalto aqui [apontando para a rua]. Nós lutávamos pela canalização deste córrego e ele, o que fez? Passou este asfalto para enganar o povo. Desde que ele foi eleito a prefeitura alega não ter verba pra fazer limpeza no córrego.
Na rua às margens do Córrego Lajeado, próximo ao conjunto habitacional Chácara das Flores, a mesma cena: metade do asfalto mal feito em período eleitoral se perdeu com a chuva.
— Eles fazem um conjunto habitacional num local onde sabem da possibilidade de enchentes. Constroem o conjunto aqui e depois culpam o povo de morar em beira de córrego — se revolta dona Inês.
A situação dos moradores do conjunto é crônica. Os prédios estão, em sua maior parte, com a sua estrutura comprometida pelas enchentes. Dona Térvola, moradora de um apartamento no andar térreo nos conta que, além de ter perdido todos os móveis, ela convive diariamente com medo, do barranco situado atrás da construção, desmoronar sobre seu apartamento.
— Os funcionários do parque da prefeitura retiram o mato todo mês e com isso vai caindo cada vez mais terra. Esses prédios foram construídos em áreas de brejo. Não podiam ter construído aqui e agora nos tratam com esse desrespeito e descaso. — conclui.
 

"Utopia e barbárie" chega aos cinemas em abril

Documentário de Silvio Tendler reconstrói o mundo a partir da II Guerra Mundial. O filme, que percorreu 15 países, faz uma revisão nos eventos políticos e econômicos, que desde a metade do século XX elevaram ao risco e até ao desaparecimento dos sonhos de igualdade, de justiça e harmonia, em busca de entender as questões que mobilizam esses dias tumultuados: a utopia e a barbárie. Ao longo de quase duas décadas de trabalho, Silvio Tendler fez uma minuciosa pesquisa e reconstruiu parte da história mundial, através do olhar de diferentes personagens.
No dia 23 de abril, chega aos cinemas de todo o país o filme “Utopia e Barbárie”, mais novo trabalho do cineasta Silvio Tendler, que se debruçou nos últimos 20 anos sobre o projeto. Partindo da II Guerra Mundial, o filme faz uma revisão nos eventos políticos e econômicos, que desde a metade do século XX elevaram ao risco e até ao desaparecimento dos sonhos de igualdade, de justiça e harmonia, em busca de entender as questões que mobilizam esses dias tumultuados: a utopia e a barbárie.

“Utopia e Barbárie” é um road movie histórico que percorreu ao todo 15 países: França, Itália, Espanha, Canadá, EUA, Cuba, Vietnã, Israel, Palestina, Argentina, Chile, México, Uruguai, Venezuela e Brasil. Em cada um desses lugares, Tendler documentou os protagonistas e testemunhas da história, os apresentando de forma apartidária, mas sem deixar de trazer um pouco do olhar do cineasta, que completa 60 anos em 12 de março de 2010.

Nas telas, Silvio Tendler trafega por alguns dos episódios mais polêmicos dos últimos séculos, como as bombas de Hiroshima e Nagasaki, o Holocausto, a Revolução de Outubro, o ano de 1968 no mundo (Brasil, França, Chile, Argentina, Uruguai, dentre outros), a Operação Condor, a queda do Muro de Berlim e a explosão do neoliberalismo mais canibal que a História já conheceu.

O cineasta foi à procura dos sonhos que balizaram o século XX e inauguram o século XXI. Ao longo de quase duas décadas de trabalho, Silvio Tendler fez uma minuciosa pesquisa e reconstruiu parte da história mundial, através do olhar de personagens com abordagens e trajetórias distintas, que ajudaram a compor um rico painel de nossa época. O diretor entrevistou inúmeros intelectuais, como filósofos, teatrólogos, cineastas, escritores, jornalistas, militantes, historiadores, economistas, além de testemunhas e vítimas desses episódios históricos.

Os dramaturgos Amir Haddad, Augusto Boal e Zé Celso Martinez, a economista Dilma Rousseff, o escritor e jornalista Eduardo Galeano, o poeta Ferreira Gullar e o jornalista Franklin Martins foram alguns dos nomes que concederam ao filme emocionantes depoimentos. Diversas vítimas, testemunhas e sobreviventes também narraram suas trajetórias, como a argentina Macarena Gelman e a brasileira nascida em Havana, Naisandy Barret, ambas filhas de desaparecidos políticos, além do estrategista do exército vietnamita, General Giap.

Cineastas de vários países também contribuíram com suas visões, como Denys Arcand (Canadá), Amos Gitai (Israel), Gillo Pontecorvo (Itália), Fernando Solanas (Argentina), Hugo Arévalo (Chile), Marceline Loridan (França), Mohamed Alatar (Palestina), Shin Pei (Japão), além dos cineastas brasileiros Cacá Diegues, Sérgio Santeiro e Marlene França.

Orçado em R$ 1 milhão, o longa-metragem conta com a narração de Letícia Spiller, Chico Diaz e Amir Haddad. A trilha sonora, especialmente composta para o filme, é assinada por Caíque Botkay, BNegão, Marcelo Yuka e pelo grupo Cabruêra.

Sobre o diretor
Silvio Tendler é diretor de O Mundo Mágico dos Trapalhões, que fez um milhão e oitocentos mil espectadores; Jango, fez um milhão e Os Anos JK, oitocentos mil espectadores. Seu último longa-metragem, Encontro com Milton Santos, ficou entre os dez documentários mais vistos de 2007. Com seus filmes Silvio ganhou quatro Margaridas de Prata (prêmio dado pela CNBB), seis kikitos (Festival de Gramado) e dois candangos (Festival de Brasília).

domingo, 21 de março de 2010

Em pleno 2010, negros lutam por igualdade na TV

Por RENATA FIORE
SÃO PAULO - Faze parte da história da televisão brasileira, que em 2010 completa 60 anos, não é tarefa fácil. Muitos aceitam o desafio de participar de reality shows, outros usam os mais diferentes artifícios para virar notícia e continuar na mídia. Mas há aqueles que realmente têm talento e enfrentam filas enormes em testes que duram o dia todo por uma pequena vaga na novela. Qualquer ator passa por esse tipo de situação.
Porém, quem é negro ainda tem ainda, infelizmente, um outro obstáculo. Invisível e dissimulado muitas vezes: o preconceito.
No domingo (21) é comemorado o Dia Mundial Contra a Discriminação Racial e, mesmo com tantas formas de entrar na telinha, para quem é negro as portas ainda não estão totalmente abertas.
Aliás, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE), pouco mais de 50% da população brasileira é negra. E, em pleno 2010, 122 anos depois da Lei Áurea, em um país cheio de misturas raciais, ainda há certo preconceito. “Infelizmente não atingimos um nível ideal de humanização da sociedade. Isso também se inclui quando falamos de mídia. O pior de tudo é que a consciência humanista ainda é um desafio. Isso significa avaliar os seres humanos como apenas uma raça, a raça humana, não importando a sua cor, etnia ou estilo de vida”, afirma o sociólogo Cristiano Bassa.
Que o preconceito existe todo mundo sabe. Mas, e no mundo dos famosos? Segundo José Armando Vanucci, crítico de TV, aos poucos, a televisão começa a quebrar alguns convencionalismos e a se aproximar da realidade do País. Tanto isso é verdade que hoje podemos ver duas protagonistas descendentes de negros em novelas. Camila Pitanga, em “Cama de Gato”, e Taís Araújo, em “Viver a Vida”.
Mas, como tudo que é bom tem alguma ressalva, Vanucci lembra: “Infelizmente, ainda é preciso valorizar a presença de duas negras em papéis de destaque. O ideal seria olhar apenas para o trabalho e não para a raça, porque pouco importa a cor da pele para um personagem. Helena e Rose são mulheres fortes, com histórias que podem ser vividas por brancas, orientais, negras ou ruivas”.
É fato: há alguns anos atrás ser negro e fazer parte de uma novela em papel de destaque era muito mais difícil do que hoje. A atriz Dhu Moraes, que recentemente viveu a empregada Dirce em “Caras e Bocas”, conta que houve, sem dúvida nenhuma, muitas mudanças. Mas ainda não é o bastante. “A dificuldade para conseguir bons personagens sempre houve, mas, de uns anos para cá, as portas têm se aberto mais, reflexo de que a mídia tem mudado”, disse.
Dhu também contou que, mesmo com toda essa abertura, em 2008, quando estreou a peça “Divina Elizeth” em São Paulo, aconteceu algo bem curioso. “Quando o espetáculo estreou no Rio de Janeiro, o elenco foi mudado e tivemos uma ruiva fazendo Elizeth Cardoso. Será que se a Sheron Menezes colocasse uma peruca loira se passaria por Marilyn Monroe?”, contestou.
Empregadas, motoristas e escravos
Quando se fala em negros vivendo personagens em novelas é fácil lembrar de empregadas domésticas, motoristas ou assaltantes. Será que essa realidade mudou? Para Zezé Motta, que está de volta à telinha na pele da escrava Virgínea, na reapresentação de “Sinhá Moça”, o problema não é viver esse tipo de papel e sim como ele é tratado pelo autor. “Antigamente os negros não tinham família nas novelas. Eu fiz muitas empregadas domésticas e não há problema algum em interpretá-las, mas antigamente esse tipo de personagem entrava mudo e saía calado”, revelou.
A atriz, que viveu sua primeira empregada na televisão em “Beto Rockfeller”, diz que percebe hoje uma melhor diversidade na distribuição dos papéis. “Já fui até empresária e dona de restaurante”, brincou, aos risos, e lembrou que nas tramas de Manoel Carlos e João Emanuel Carneiro os negros estão incluídos em um contexto, com família e amigos, o que antes era bem raro.
Mesmo sabendo de todas as mudanças, José Armando Vanucci é categórico ao afirmar que não houve tanto avanço com relação à discriminação. “Marginais ainda são interpretados por atores negros. Será que não há brancos entre os criminosos? É preciso quebrar esse preconceito, definitivamente”, disse.
Está virando lei
Muita gente não sabe, mas um projeto do Senador Paulo Paim, o “Estatuto Racial”, está sendo votado no Senado para se tornar lei. O documento exige, entre outras coisas, cotas para negros em novelas, publicidade e filmes. Outro projeto de lei, da deputada federal Nice Lobão, pede que 20% do elenco seja de negros. O assunto é polêmico e causa diversas opiniões.
Zezé Motta que, além de atriz, abraçou a luta pela discriminação racial e em 1984 fundou o Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), diz ser a favor desse tipo de lei. “No Cidan temos 500 atores negros cadastrados e quantos estão nas novelas hoje? Ser artista no Brasil é difícil para todo mundo e eu sei que é questão de talento, mas podemos fazer mais parte do que fazemos hoje”, afirmou.
O Famosidades entrou em contato com o SBT, Record e Globo para saber se, mesmo informalmente, as emissoras já adotaram a possível legislação.
O SBT revelou que já tem o sistema de cotas, mas não fala sobre porcentagem. Já a Record afirmou ter negros trabalhando na casa, mas não segue nenhum tipo de cota porque a lei ainda não foi aprovada. Em comunicado oficial, a TV Globo respondeu: “Não segmentamos nem o elenco e nem o público por etnia, classe social, sexo nem religião”.
Há muito que ser feito
A discussão sobre negros na televisão é longa e necessária. O sociólogo Cristiano Bassa se afirma otimista com relação aos avanços que foram conquistados. “Aos poucos os negros têm tomado seus espaços na sociedade e com isso o quadro de discriminação tende a ser reduzido”, disse.
E qual será o próximo avanço sobre o assunto? Zezé deu uma dica: “O desafio agora é a igualdade de salários. A atriz branca ganha menos que o ator branco e o ator negro ganha menos ainda. A mulher negra, então, nem se fala. Nossa luta agora é pelo reconhecimento e pelo respeito ao salário igual para todos”, finalizou.

sábado, 20 de março de 2010

quinta-feira, 18 de março de 2010

Duas mil mulheres chegam em marcha a São Paulo

Depois de dez dias na estrada pelo interior de São Paulo, caminhada termina nesta quinta-feira (18/03) com um ato em frente ao estádio do Pacaembu, na capital paulista. A ação, organizada pela Marcha Mundial das Mulheres, teve como lema a frase “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”. A caminhada no Brasil faz parte de uma grande mobilização internacional, que inclui mais de 50 países e termina no dia 17 de outubro, em Kivu do Sul, na República Democrática do Congo.
Foram mais de cem quilômetros de caminhada, em dez dias de pé na estrada, muito sol e também muito aprendizado. Nesta quinta-feira (18/03), termina, com um grande ato em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, a 3a Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil. Desde 8 de março, Dia Internacional da Mulher, duas mil mulheres de todas as regiões do país - há 25 estados representados - estão caminhando pelo interior do estado, num percurso que passou por dez cidades entre Campinas e São Paulo, para dar visibilidade à luta das mulheres e reivindicar mudanças em suas vidas.

Com o lema “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”, a pauta de reivindicações das mulheres para este ano está organizada em quatro eixos: autonomia econômica das mulheres; bens comuns e serviços públicos; paz e desmilitarização; e violência contra as mulheres. A caminhada no Brasil faz parte de uma grande mobilização internacional, que inclui mais de 50 países e termina no dia 17 de outubro, em Kivu do Sul, na República Democrática do Congo.

Para a ação no Brasil, os eixos forma adaptados à realidade das mulheres do nosso país, dando contorno à plataforma que foi apresentada à sociedade a ao Estado durante esses dez dias de marcha. Entre as demandas colocadas estão a criação de aparelhos públicos que liberem as mulheres do serviço doméstico, a não privatização de nossos recursos naturais, o aumento do salário mínimo, o fim de todas as formas de violência contra a mulher, a realização da reforma agrária e a legalização do aborto.

A marcha também demonstrou sua solidariedade à população do Haiti após o terremoto que atingiu o país em janeiro. Ao longo dos dias, houve coleta de contribuições em dinheiro para a reconstrução da ação das mulheres da Marcha Mundial no país. As mulheres promoveram ainda panfletagens, batucadas e diferentes intervenções junto à população das cidades por onde passaram. E não se calaram diante de ofensas que ouviram daqueles (e até daquelas) que ficaram incomodados pelo tumulto no trânsito. Os gritos chauvinistas de "vai trabalhar!” ou “vai lavar louça!” era imediatamente respondidos em uníssono pelas militantes com as palavras de ordem: “Se cuida, se cuida, se cuida, seu machista! A América Latina vai ser toda feminista!”.

Aprendizado coletivo
Campinas, Valinhos, Vinhedo, Louveira, Jundiaí, Várzea Paulista, Cajamar, Jordanésia, Perus e Osasco. Se uma hora a acolhida não é tão boa, como as caminhantes sentiram em Jundiaí - "parecia que gente na Prefeitura queria empurrar a marcha pra longe de lá", contaram as marchantes -, em outros momentos é o apoio de terceiros que dá força pra seguir queimando os pés no asfalto.

O esquema organizativo, de apoio e de infra-estrutura foi crucial para o sucesso da marcha, construída integralmente pelas mulheres, divididas em equipes de cozinha, limpeza, infra-estrutura, segurança, comunicação, formação e cultura, saúde, água e creche, para cuidar das crianças que acompanharam as mães na caminhada. Além das equipes, as delegações se revezaram para os trabalhos de limpeza dos alojamentos e na cozinha.

O grupo da Saúde foi um dos que mais sofreu com a inexperiência de tantas caminhantes de primeira viagem. "Tem companheira que esquece de trazer seu remedinho diário e aí passa mal. E outras que esticam demais à noite e esquecem que o outro dia será mais difícil de aguentar", conta Terezinha Vicente Ferreira, militante feminista da Articulação Mulher e Mídia. Mas ela acredita que esse tipo de ação ajuda as mulheres não só a dar visibilidade às suas lutas - "embora a grande imprensa finja que não estamos nas ruas" -, mas também a tornar mais fortes e organizadas as práticas coletivas.

Além do cansaço de andar horas e horas pela manhã - que não é o costume da maioria - , comer a comida simples possível de providenciar para tanta gente, deixando pra lá o hábito alimentar da cada uma, e ainda enfrentar locais para dormir sem nenhum conforto, as participantes se dispuseram a uma extensa agenda de debates e atividades durante a caminhada. "E no entanto tem sido a parte mais entusiasmada da ação: o encontro com as debatedoras convidadas, as rodas de conversa. Tudo está acontecendo", conta Terezinha.

A Ação contou com duas participações especiais. No dia 11, em Louveira, a feminista brasileira, radicada na França, Helena Hirata, debateu o trabalho das mulheres e a autonomia econômica. Helena vive há 40 anos na França, para onde se mudou quando foi exilada pela ditadura militar. Ela contou às militantes da Marcha que justamente neste 8 de Março, quando começava a caminhada delas de Campinas a São Paulo, foi que enfim obteve oficialmente sua anistia.

Em Perus, no dia 16, Aleida Guevara, médica cubana e filha de Ernesto Che Guevara, falou sobre paz e desmilitarização, num discurso que emocionou a repleta tenda de formação da Marcha. Em Cuba, o aborto é legalizado e a licença maternidade dura 12 meses, podendo ser dividida entre a mãe e o pai. “Eu nasci em um país socialista, onde a mulher é tratada com respeito e igualdade de direitos”, comemorou Aleida. “Não podemos dar receitas, nem dizer o que vocês precisam fazer. Mas podemos mostrar nossa realidade e dizer que, se um país pequeno e pobre como o nosso conseguiu, o Brasil também consegue”, incentivou a cubana.

A história da Marcha Mundial das Mulheres
A Marcha Mundial das Mulheres nasceu em 2000 como uma grande mobilização contra a pobreza e a violência. Naquele ano, as ações começaram justamente em 8 de março e terminaram em 17 de outubro (Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza), organizadas a partir do chamado “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”.

A inspiração para a criação da Marcha partiu de uma manifestação realizada cinco anos antes (em 1995), no Canadá. Na ocasião, 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. A ação marcou a retomada das mobilizações das mulheres nas ruas, fazendo uma crítica contundente ao sistema capitalista como um todo. Ao seu final, diversas conquistas foram alcançadas naquele país, como o aumento do salário mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária.

Assim como no Canadá, as duas mil marchantes que chegam nesta quinta a São Paulo foram saudadas por outras mulheres ao longo do trajeto com pães e rosas, como na chegada à cidade de Valinhos. Sem dúvida, uma das imagens mais belas desta marcha que deixará marcas na vida de tantas brasileiras.

* Com informações da Marcha Mundial das Mulheres (www.sof.org.br/acao2010) e da Ciranda (www.ciranda.net)

Irão as favelas se tornar as vedetes do urbanismo pós-moderno?


A Prospect, revista britânica criada em 1995, publicou em janeiro último um artigo do ambientalista Stewart Brand com o provocador título: How slums can save the planet (Como as favelas podem salvar o planeta)[1]. Brand procura mostrar como as características espaciais, sociais e (principalmente) ambientais das favelas estariam muito de acordo com as idéias e propostas do “Novo Urbanismo” (norte-americano), corrente surgida nos anos 90 do século passado e muito influente hoje em dia[2].

Como tentarei mostrar, o mérito do artigo resume-se quase exclusivamente em romper com a visão tradicional e ainda dominante entre “especialistas” (urbanistas, arquitetos, administradores, etc) e também no senso comum, que consideram as favelas como um erro ou uma deformação na cidade, ou simplesmente como a própria “não-cidade”, como um resumo vivo de tudo que deve ser evitado quando se fala em desenvolvimento urbano. Essa posição anti-favelas já foi muito mais forte no passado, mas ainda hoje prevalece, ainda que a linguagem tenha mudado um pouco. Por exemplo, é lugar comum hoje em dia, mesmo entre urbanistas e arquitetos dedicados a apoiar movimentos de pobres urbanos como os sem-teto, atacar a “auto-construção” realizada por moradores de favelas e bairros pobres. Na verdade, “auto-construção” tornou-se quase um adjetivo, quase um sinônimo de tosco, mal-feito, irreparável. Como a favela é uma “auto-construção” coletiva de seus habitantes, então também ela seria tosca, mal-feita, irreparável. Aliás, ainda hoje, quando se fala em alterar (para melhor) as características de uma favela, não falamos em “urbanizar a comunidade”, insistindo na visão de que a favela é a não-cidade (não-urbana)?

Há bastante tempo não me sinto à vontade com esse tipo de visão “urbanista” sobre as favelas. Num texto escrito há quase dez anos, a critiquei nos seguintes termos: O “urbanismo de favelas”, mais uma ciência especificamente carioca, jamais conseguiu se libertar de sua estreita visão de classe, isto é, jamais partiu das verdadeiras origens sociais e históricas das favelas. Por isso mesmo, jamais conseguiu incorporar as originais, improváveis e muitas vezes fantásticas soluções arquitetônicas e de engenharia (incluindo formas coletivas de trabalho como os “mutirões de bater laje”) que o povo da favela criou para contornar sua falta de recursos, infra-estrutura pública e as dificuldades geológicas e topográficas dos morros e brejos.[3]

Pobreza, auto-construção e apropriação tecnológica

Claro que o reconhecimento de soluções criadas pelos próprios moradores de bairros pobres tem seu lado perigoso. São “soluções” ditadas acima de tudo pela falta de recursos privados e principalmente pela falta de investimento público[4], logo são em grande medida “quebra-galhos” que os próprios pobres urbanos abandonariam ou aperfeiçoariam caso pudessem[5]. A questão é que penso que mais aperfeiçoariam que abandonariam.

A espécie humana tem “auto-construído” suas habitações e a maior parte de suas cidades há milhares de anos; contratar terceiros para planejar e construir suas casas só deixou de ser privilégio de uma reduzida elite há bem pouco tempo. Na sua prática de “auto-construção” os trabalhadores do campo e da cidade desenvolveram capacidades que normalmente são compartilhadas pelas comunidades. Pedreiros, carpinteiros e estucadores mais experientes ainda hoje são bastante requisitados nas favelas, embora as formas de transmissão de experiência e conhecimento tenham se enfraquecido devido ao individualismo estimulado pela economia mercantil. Promover e estimular esse conhecimento e seu desenvolvimento deveria ser parte essencial de qualquer política urbana com objetivos emancipatórios.

Uma das conquistas mais inventivas da “auto-construção” popular é a maneira como ela se apropria de tecnologias modernas para resolver problemas urbanísticos ao nível local. A utilização do concreto armado, tecnologia bem recente (pouco mais de um século),  na construção de habitações pobres (ou habitações com poucos pavimentos em geral) é muitas vezes visto como uma aplicação tosca e dispendiosa de um material idealizado originalmente para grandes estruturas. Entretanto, nas condições de pobreza e acesso da favela, são evidentes as vantagens em transporte e aquisição parcelada de materiais do concreto armado, mesmo sobre a madeira onde ainda ela é disponível e barata. Mais do que isso, devido à pequena área dos lotes habitacionais, o concreto armado permite a única expansão possível das casas (ou seja, vertical) de forma incremental. E uma laje exposta (algo que será condenado de cara por qualquer engenheiro, que irá mostrar as “vantagens” de um simples telhado) de concreto armado cria uma área onde múltiplas atividades sociais podem ser realizadas, principalmente festas. A laje de concreto armado recupera pelo menos em parte o quintal perdido pelo adensamento das favelas (voltarei a esse conceito de “favelas densas”). Há aqui racionalidade e melhoria da qualidade de vida, e não simplesmente erro e grosseria.

Por outro lado, não é absolutamente verdade que ditas “habitações populares” planejadas por arquitetos  e construídas sob direção de engenheiros sejam necessariamente melhores que as “auto-construídas”. Conheci (inclusive profissionalmente) muitos conjuntos habitacionais “para baixa renda” e fiquei estarrecido com a capacidade de “profissionais” que tanto estudaram, idealizarem e colocarem em prática coisas tão inabitáveis, minúsculas e mal-ventiladas[6].

Falando dos conjuntos habitacionais, principalmente aqueles imensos e monótonos conjuntos de casinhas ou blocos de prédios idênticos (hoje unanimemente condenados por quase todas as correntes da arquitetura e do urbanismo, mas que continuam a ser construídos aos montes para os pobres) somos levados a um outro aspecto importante da “auto-construção”: a expressão da individualidade, da personalidade. No aparente caos de tamanhos e “estilos” das casas de uma favela, vemos não obstante como cada morador tenta deixar sua marca, sua presença diferenciada, sua história. Isso pode ser visto como algo equivalente ao “design eclético” pregado pelo “Novo Urbanismo”, mas lembro que esse tipo de expressão individualizada e historicizada é considerada uma parte essencial do direito à cidade segundo o próprio criador do conceito, Henri Lefebvre.

Favelas e espaços urbanizados pelos pobres

O artigo da Prospect fala de favelas em geral, mas é evidente que se refere a um tipo mais específico de urbanização realizado pelos pobres (sim, já estou aqui afirmando que a favela é cidade e que seu desenvolvimento é um tipo de urbanização do espaço, ainda que os seus méritos face a outros tipos de urbanização possam – e devam - ser questionados), que eu chamaria de favelas densas Com efeito, é principalmente na alta densidade que Stewart Brand vê a proximidade entre as favelas e o “Novo Urbanismo”.

Entretanto, concentrações muito densas, como são as favelas mais antigas situadas em morros ou antigas áreas pantanosas no Rio de Janeiro, estão longe de ser a única forma de urbanização praticada pelos pobres das cidades. Tão importante quanto elas são as áreas ocupadas de forma mais dispersa, quase sempre nas periferias, com lotes individuais e inclusive habitações de tamanho razoável, uma descendência direta de habitações rurais. Essas regiões têm baixa densidade, não se enquadram na maioria das virtudes enumeradas por Brand, mas em pelo menos um aspecto realizam a “ecologia de reconciliação” que ele sonha poder ser realizada nas favelas: o cultivo urbano, a divisão de espaço entre humanos e animais. “Telhados verdes” e estufas para cultivo, como aventadas no artigo, ainda são uma perspectiva um tanto futurista, mas hortas, pomares e pequenas criações são bastante comuns nas “favelas dispersas” das periferias, também “auto-construídas” mas distintas das favelas densas.

Esses duas formas típicas de ocupação urbana correspondem na verdade a estratégias diferentes, mas não inconciliáveis, adotadas pelos pobres das cidades em sua luta de resistência/sobrevivência.

As favelas densas buscam principalmente maximizar as vantagens de se estar próximo das regiões das cidades onde se concentram as atividades econômicas e dotadas de melhor infra-estrutura urbana. É bem mais fácil obter abastecimento de energia elétrica e água, e ainda são maiores as oportunidades econômicas, nas áreas centrais e “antigas” das cidades que nas periferias. Os custos de transporte, seja para o trabalho ou o lazer, também são bastante reduzidos, muitas vezes é possível o deslocamento a pé ou em bicicleta.

Mas não se reduz tudo a esses aspectos econômicos e/ou ambientais. O adensamento e a conseqüente pequena ou mesmo minúscula área das habitações só se torna justificável a partir do momento em que os moradores dessa comunidade passam na verdade muito pouco tempo em suas casas, mesmo fora do horário de trabalho. Nas áreas centrais e “antigas” as opções culturais são variadas e mais acessíveis (embora a mercantilizaçãodos espaços trabalhe com afinco contra isso), as ruas ainda são espaços de convivência, a proximidade compensa o aparente “amontoamento”[7].

Já as favelas dispersas das periferias buscam as vantagens da maior disponibilidade e menor valor do solo urbano: habitações mais confortáveis, lotes maiores onde podem ser instalados quintais e onde podem ser praticadas atividades produtivas de caráter rural (cultivo e criação) ou urbano (oficinas, garagens, depósitos e até pequenas manufaturas, etc). As (grandes) desvantagens da distância dos centros e do custo do transporte são contrabalançadas por possíveis atividades alternativas geradoras de renda, e principalmente por um tipo de convivência social e cultural mais familiar, mais próximo da vida rural ou de pequenas cidades do interior[8].

Essas diferentes formas de urbanização (ou peri-urbanização, para utilizar um termo em voga), que correspondem a diferentes estratégias que podem ser refinadas e modificadas por movimentos sociais, correspondem também, no fundo, a diferentes perspectivas culturais, a diferentes visões sobre sociabilidade e relação entre as pessoas e o espaço, que de maneira nenhuma podem ser hierarquizadas ou julgadas por critérios econômicos e ambientais. Ambas são a princípio viáveis e a princípio sustentáveis, e a coexistência de ambas permite a existência de uma bem vinda liberdade de escolha (que não deve ser confundida com a “vontade do consumidor” ou a “livre iniciativa” capitalista) entre diferentes modos de se viver na cidade. Aliás, conheço mais de um caso de grandes famílias proletárias cujos locais de moradia distribuem-se pelos dois tipos, e cujos membros visitam-se freqüentemente, propiciando assim que todos possam usufruir das vantagens (e sofrer as desvantagens, é claro) de cada um.

Na verdade, estes dois tipos de urbanização “auto-construídos” pelos pobres também correspondem de forma bem próxima aos dois tipos de moradias típicas da classe média urbana atual, normalmente nunca “auto-construídos”: os prédios de apartamentos em bairros densos (como a Zona Sul ou a Tijuca no Rio) e as casas amplas em bairros mais afastados e de baixa densidade. Por mais que há anos arquitetos e urbanistas venham tentando provar que uma forma é superior à outra, a verdade é que ambas subsistem e continuam a ser procuradas. Não há teoria urbana (ou ideologia urbanista) que consiga homogeneizar os gostos, as perspectivas e as sensibilidades das pessoas...

Entretanto, quando se trata dos pobres, o mercado imobiliário e o Estado sempre buscam, autoritária e mesmo violentamente, impor um “modelo” de urbanização e moradia, que normalmente consegue juntar o pior das diferentes formas de urbanização, sem quaisquer de suas vantagens. Estou pensando aqui principalmente nos monstruosos conjuntos habitacionais construídos em periferias distantes, onde não há infra-estrutura de serviços sociais e poucas oportunidades de emprego, e onde as habitações (e lotes, quando são moradias unifamiliares) são minúsculos e verdadeiramente amontoados. A perversidade destes “projetos de habitação popular” é tamanha que eles cada vez mais são feitos de maneira que não haja modificação possível por parte dos moradores. Os blocos de apartamento construídos como parte das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em algumas favelas do Rio, por exemplo, foram idealizados para serem “anti-puxadinhos” (puxadinho é o aumento popular de imóveis construídos originalmente sem essa previsão de expansão – como é uma “auto-construção” é condenado pela arquitetura dominante), e fez-se ampla propaganda elitista sobre esse fato. Mas existe uma lógica e um objetivo nessa perversidade: a expulsão dos pobres das áreas valorizadas e sua compactação em áreas segregadas. Voltarei a isso.

Sustentabilidade, cidade e campo

Brand acompanha o “Novo Urbanismo” e grande parte dos ambientalistas atuais ao propor que somente um modelo de urbanização muito denso pode ser sustentável, diante do aumento da população do planeta e do consumo de recursos naturais, principalmente energia. Já li inclusive opiniões de que o único modelo de moradia viável a longo prazo são prédios de apartamentos cada vez mais altos em cidades compactas, pois se o modelo de moradias unifamiliares dos subúrbios norte-americanos[9], por exemplo, fosse generalizado, não haveria solo suficiente na Terra.

Algumas dessas noções são obviamente exageradas. O planeta tem hoje cerca de 6,7 bilhões de habitantes; supondo que toda essa população fosse urbana (hoje só um pouco mais da metade é), tomando famílias médias de 5 pessoas (a média global real deve ser maior, mas tem caído de forma sustentada ao longo do tempo) e moradias unifamiliares ocupando a generosa área de 500 m2 cada uma, o total de área que seria coberta por tais habitações seria próximo a 670 mil km2, menos que a superfície ocupada pelo estado do Mato Grosso no Brasil[10]. É verdade que a situação é próxima do limite em algumas regiões mais superpovoadas do mundo, mas, de um ponto de vista global, o que implica a possibilidade de um planejamento mundial que proporcionasse uma distribuição mais equilibrada da população humana, não se podem fazer prognósticos catastróficos a partir apenas de dados geográficos e modelos urbanísticos.

Os limites colocados a uma distribuição mais equilibrada do espaço urbano não são intrínsecos ao espaço geográfico ou às tecnologias disponíveis, são conseqüências da dominação econômica e política global do capitalismo: encarecimento do solo urbano, barreiras à imigração, economia automobilística, etc. Quem vê a economia de mercado, a acumulação de capital e a propriedade privada da terra e dos meios de produção, como dados insuperáveis e inevitáveis, obviamente só pode limitar sua reflexão ao tipo de cidade que o capital cria. Em particular, aceita sem questionar o tipo extremamente desequilibrado de relação campo-cidade imposto pelo capitalismo.

Já é lugar comum dizer que a urbanização do mundo é “irreversível”, porém esta afirmação genérica conduz inevitavelmente a considerar o “esvaziamento do campo” como um fenômeno independente das condições econômicas e sociais, e portanto a forma de urbanização atual como a única possível. A cidade contemporânea depende do campo para o fornecimento de matérias-primas, energia e, principalmente, de alimentos, tanto como em outros períodos históricos. Todas as elucubrações sobre a produção de alimentos dentro das cidades até hoje não passaram de fantasias. A mudança decisiva aconteceu na verdade no próprio campo. A industrialização da agropecuária, comandada pelo capital, levou ao predomínio da produção com baixa utilização de mão-de-obra permanente, e é isso que esvazia as áreas rurais e enche as cidades. Veja bem, não é verdade que essa é uma situação inevitável para se obter altas produções por área cultivada. Está provado que tipos de cultivo intensivos em mão-de-obra (como a chamada “agricultura de jardim” na Ásia, ou certas experiências de “agroecologia” e “agricultura orgânica” atuais) tem possibilidade de produzir tantos alimentos por hectare quanto produções mecanizadas (na maioria das vezes com vantagens ambientais, como menor utilização de defensivos e/ou fertilizantes químicos). Claro que numa produção intensiva em mão-de-obra, parte maior dos alimentos fica retida no próprio campo, não vai para as cidades, mas em compensação parte maior da própria população também permanece no campo.

O capitalismo conduz à mecanização da produção agropecuária não devido a considerações tecnológico-ambientais, mas devido a considerações de lucro. A produção agroindustrial como predomina hoje não é necessariamente maior por área cultivada, mas certamente tem custos financeiros menores (e, quase sempre, custos ambientais maiores). Mesmo em regiões onde a produção mecanizada não se implanta, o esvaziamento dos campos resulta da concorrência do mercado globalizado do agrobusiness. Esvaziamento do campo e adensamento urbano da população não são produtos da “indústria” genericamente falando, e sim da indústria dominada e comandada pelo capital.

Os socialistas do século XIX ou mesmo os pré-socialistas do século XVIII tinham boa compreensão disso tudo, e colocavam como meta de transformação social o fim da oposição entre cidade e campo, contra a submissão do campo pela cidade característica do capitalismo (mas também contra o domínio da cidade pelo campo característico de sociedades pré-industriais). Os urbanistas do século XX, tanto os “modernos” como os “pós-modernos”, foram se afastando progressivamente dessa compreensão, na mesma medida em que aceitavam a inevitabilidade e a eternidade do capitalismo. O campo não merece mais que poucas linhas em suas reflexões e propostas[11]. O “urbanismo”, assim, torna-se mais um tipo de conhecimento fragmentado, talvez útil para produzir “políticas públicas” nos estreitos limites permitidos pelo capital, ou planejar pequenas comunidades de classe média, mas incapaz de uma apreensão global da realidade social e espacial, necessária para práticas efetivamente transformadoras.

Capitalismo, pobreza e resistência na construção de cidades “verdes” e melhores... ou piores

A noção de que cidades densas são as únicas e necessárias formas de distribuição “sustentável” da população humana sobre a Terra apóia-se portanto na aceitação de fenômenos não necessários nem inevitáveis, como a industrialização poupadora de mão-de-obra da agricultura (e a conseqüente transformação do campo num imenso “deserto verde” de plantações, pastos e reservas naturais inabitadas), a concentração da propriedade e o encarecimento do solo urbano, etc. Excluindo essa falsa conclusão, o que resta da “salvação do planeta pelas favelas”, segundoBrand? Algumas virtudes atribuídas às favelas no seu artigo são variações do tema “densidade”, mas outras são óbvias conseqüências da pobreza dos seus moradores: o pequeno uso de energia e materiais, e a reciclagem como “meio de vida”. Não há dúvida que estratégias de sobrevivência motivadas pela pobreza podem contribuir para estratégias de sustentação de um planeta que em prazo muito breve pode sofrer grande penúria de energia e determinadas matérias primas devido ao esgotamento de recursos não renováveis. Mas porque não atacar frontalmente o desperdício dos ricos e das empresas, que é o grande problema? E porque não propor recompensas reais aos pobres por suas iniciativas “verdes”[12]? Catadores de material reciclável são extremamente mal-pagos por um trabalho duro e sujo, e trocam de atividade assim que conseguem um trabalho que propicia ao menos a mesma renda. Uma cidade “verde” baseada na pobreza da maioria de seus habitantes, é algo tão perverso como um crescimento econômico estimulado pelo corte de direitos e investimentos sociais, ou pela diminuição dos custos salariais.
Finalmente, Brand aponta características das favelas, mais relacionadas ao comportamento social e à convivência de seus moradores, e que as tornam inclusive mais interessantes que outras formas de urbanização densa (como os prédios de apartamentos da classe média): nas favelas pode-se “andar”[13], encontrar e conhecer os vizinhos, “elas são melhoradas de forma constante e gradual pelos próprios moradores”, suas ruelas “são uma mistura densa de comércio e serviços”[14] Aqui sim apontam-se verdadeiras contribuições da urbanização favelada (embora só se considere sua modalidade “densa”) para uma cidade melhor, e não por acaso elas nascem das estratégias de resistência dos pobres urbanos.

O que Brand não percebe ou não destaca é que a pobreza, o capitalismo, e as políticas (ou falta de políticas) estatais conspiram permanentemente contra essas aquisições urbanas das favelas. Como observou Mike Davis, a pobreza urbana extrema pode levar a uma “impiedosa competição darwinista, quando um número cada vez maior de pobres compete pelos mesmos restos informais, gera [....] uma violência comunitária que se aniquila a si mesma como forma ainda mais elevada de ‘involução urbana’”[15]. Não é preciso falar muito dos sinais dessa “involução” nas favelas e periferias do Brasil, por exemplo. Mas é preciso acrescentar que essa “violência comunitária” só se torna horrivelmente destrutiva quando a economia globalizada (tráfico internacional de drogas e armas, principalmente) consegue envolver os “restos informais” em seus circuitos sinistros[16].

As favelas “melhoradas” por seus moradores raramente encontram-se em paz com o restante da cidade. As favelas densas nas áreas centrais (incluindo aqui cortiços e prédios ocupados) expandem-se ou são atacadas conforme as ondas de decadência/revalorização da cidade “formal”. A remoção pura e simples de moradores pobres ainda é buscada, sob pretextos diversos, sendo um dos mais comuns hoje em dia a “preservação ambiental” ou retirada das ditas “áreas de risco”. Entretanto, a modalidade de ataque aos pobres que se torna predominante nestas áreas responde pelo nome de “revitalização”. Como está muito bem colocado num artigo de Jean-Pierre Garnier no último número do Le Monde DiplomatiqueBrasil: “Atualmente a palavra de ordem não é ‘destruição’ [...] e sim ‘reabilitação’, ‘regeneração’, ‘revitalização’, ou ainda ‘renascimento’ [...] essa terminologia visa sobretudo dissimular uma lógica de classe: reservar os espaços ‘requalificados’ às pessoas ‘de qualidade’”; citando um geógrafo belga Garnier completa “Todos esses termos que começam por ‘re’ são a priori positivos para a cidade, mas excluem completamente a questão social [...] quando um bairro torna-se descolado e entra na moda, isso implica que parte dos moradores será ‘descartada’. A região ‘melhora’, mas não para as mesmas pessoas”[17].

Já as áreas habitadas pelos pobres em regiões periféricas atingidas pela expansão imobiliária empresarial, sofrem mais cruelmente as tentativas de remoção. Os moradores ou são obrigados a irem para mais longe ainda, ou são amontoados em conjuntos habitacionais de péssima qualidade. Em todo caso, perdem melhorias e relações de vizinhança construídas com dificuldades durante anos.

Apartheid urbano

Esses conflitos espaciais nas cidades agravaram-se muito nos últimos trinta ou quarenta anos. O baixo crescimento da economia mundial, o alastramento do desemprego e da precarização, a maior desigualdade e a diferenciação de uma classe média socialmente conservadora e ciosa de seus frágeis privilégios, o crescimento do capitalismo mafioso e a violência urbana crescente, a de-responsabilização social do Estado pregada pelo neoliberalismo, o ambiente ideológico que se seguiu à derrocada do socialismo de Estado, tudo leva a burguesia e a (maior parte da) classe média urbanas buscarem separar e segregar cada vez mais os espaços dos pobres. Quando não conseguem delimitar espaços suficientemente distantes entre si, tratam de cercar os pobres “intrusos” com barreiras físicas ou institucionais, mas sempre relacionadas à “segurança”, enquanto o racismo e a ideologia colonial constituem um eficiente pano de fundo.

Esses fenômenos repetem-se por todo o mundo, com intensidade variável, mas é talvez na Palestina ocupada por Israel que suas modalidades aparecem de forma mais clara e extrema. De um lado está Gaza, imensa favela compacta, que Israel descartou para seus planos de assentamento de colonos desde que o Hamas assumiu o controle interno do território.  Que é mantida, contudo, militarmente cercada e sob um bloqueio econômico somente comparável a sítios de cidades como Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial. O que não impede periódicas incursões militares violentas, como a “Operação Chumbo Fundido” do final de 2008-início de 2009.

De outro lado a Cisjordânia, uma rede peri-urbana de cidades, vilarejos e campos cultivados, onde os crescentes assentamentos coloniais israelenses disputam palmo a palmo de espaço com campos de refugiados e bairros árabes antigos. Através de inúmeras ações, como cercas, barreiras, expropriações e demolições sob os mais diferentes pretextos, controle policial da circulação, incursões militares,  o Estado israelense vai tentando comprimir os palestinos em áreas cada vez menores, para liberar espaço para os colonos. E, seja como for, tudo é feito para manter as duas populações rigidamente separadas, principalmente em termos de território.

Na Palestina a disputa pelo espaço assume um caráter diretamente colonial, com os israelenses justificando com uma suposta eleição divina (“povo escolhido”) seu “direito” de tomar as terras que querem. Na maior parte do resto do mundo esse tipo de afirmação colonial é mais raro, mas é óbvio o sentimento de superioridade das classes ricas e médias, que se julgam mais que merecedoras das melhores paisagens e das áreas com melhor infra-estrutura urbana, mesmo que existam pobres no caminho para atrapalhar. Ou, nas palavras do já citado artigo de Jean-Pierre Garnier: “se há ‘reforma urbana’, ela visa antes ‘renovar’ a população local para que os moradores das zonas centrais dos grandes conglomerados urbanos possam exercer sua vocação: se impor como habitantes de ‘metrópoles’ dinâmicas e atrativas”[18]. Em sociedades etnicamente hierarquizadas, como a brasileira, isso também tem um sabor inconfundível de racismo.

Mas o racismo e o colonialismo raramente são afirmados abertamente, não há hoje (ainda?) condições para a enunciação pública de discursos como do nazismo ou da Ku Klux Klan. A ideologia oficial da segregação e da conquista dos melhores espaços chama-se atualmente “segurança”. Pode ser enunciada como “controle e combate à criminalidade” (o mais comum), “luta contra o terrorismo”, “prevenção contra riscos ambientais”, mas é sempre “segurança”, e portanto tem sempre um forte componente policial e militar. Os urbanistas ainda podem acreditar que estão traçando os destinos das cidades nas universidades e conferências, mas é nos quartéis que a política urbana está sendo cada vez mais definida.

A luta dos pobres urbanos, herdeira das lutas anti-coloniais e anti-imperialistas

A luta contra a ideologia da “segurança” e contra a violência estatal e paraestatal que a acompanha, é portanto a frente mais imediata de resistência contra o apartheid urbano. Essa luta assume a forma de defesa de direitos (direito à vida, à moradia, etc) porque “direitos humanos” se tornaram um grande obstáculo institucional (ainda que na maioria das vezes simplesmente formal) à ofensiva do capital contra os pobres urbanos. Nas condições atuais, a imposição dos interesses empresariais e da classe média na cidade implica em violações graves de direitos coletivos e individuais das populações pobres (o que, em partes do mundo como a Palestina ou as favelas brasileiras, assume as dimensões de genocídio), direitos reconhecidos e consagrados em inúmeras convenções,  tratados e legislações internacionais. Uma campanha depreciativa dos “direitos humanos” como obstáculos à “segurança” tem conseqüentemente crescido nas últimas décadas, e é preciso ser firme e intransigente diante disso.

Mas, assim como resistência (defensiva) só tem futuro caso consiga se converter em contra-ataque (ofensiva), a luta por direitos tem que se converter em algo mais afirmativo. Aqui está a grande dificuldade. A forma ofensiva predominante (mas não única) da luta dos explorados das cidades nos últimos duzentos anos foi a luta de classe do proletariado assalariado permanente, através de organismos combativos no local de trabalho, conselhos de trabalhadores, sindicatos, partidos e internacionais. Essa forma, no fundo, sempre esteve restrita a uma parcela dos oprimidos que só foi homogênea e majoritária em alguns países por não mais que cento e cinqüenta anos, no melhor dos casos. Também nunca foi majoritariamente revolucionária[19]. Mas foi culturalmente dominante porque nasceu e se espalhou a partir do núcleo europeu original do capitalismo.

Toda esquerda que ainda se move dentro dessa tradição de origem européia fica perplexa e desorientada diante das dificuldades em construir uma política socialista tradicional nas lutas dos pobres urbanos atuais. Mas nem deveria, porque, pelo menos o marxismo, em sua crítica radical ao mundo do capital, permite compreender como as condições do capitalismo, das cidades e do proletariado urbano[20] mudaram muito nas últimas décadas. É uma esquerda que não conseguiu libertar o materialismo histórico de suas estreitas origens geográficas e históricas.

A maior parte dos pobres urbanos do mundo, que constroem e habitam os diferentes tipos de favelas, são descendentes dos povos colonizados: africanos, asiáticos, melanésios, polinésios, descendentes de ameríndios e escravos negros na América Latina. A maior parte do proletariado da Europa e das antigas colônias onde os “euro-descendentes” conseguiram ser maioria (Estados Unidos, Austrália, Canadá, etc), se livrou do destino favelado (pelo menos até hoje, é difícil afirmar o quanto isso vai durar) ao se converter em classe média pós-industrial ou aristocracia industrial. Mesmo nessa parte do mundo os favelados são etnicamente distintos: são imigrantes, ou descendentes de imigrantes ou “imigrantes forçados” (escravos e indígenas expropriados) da África, América original ou Ásia.

Entretanto, o mais importante ainda não é essa origem étnica, mas o fato, já apontado, de que os pobres urbanos de hoje sofrem uma opressão e ataques aproximadamente coloniais, bem pouco semelhante à opressão e exploração tradicional do trabalho pelo capital. O pobre urbano de hoje raramente se defronta com a figura do patrão capitalista que explora diretamente seu trabalho, mas sim com inimigos mais impessoais, ainda que evidentemente capitalistas: empreendedores imobiliários, indústria do turismo, conglomerados poluidores, máfias internacionais, Estados policiais militarizados, classe média ideologicamente submetida à burguesia. Correspondem, grosso modo às companhias de colonização, traficantes de escravos, Estados imperialistas e colonos europeus que em passado tão recente infernizaram a vida dos povos colonizados do mundo. Foi e é uma luta de classes, porém bastante diferente das formas que essa expressão normalmente evoca.

A resistência dos povos colonizados é mais antiga e pelo menos tão rica em tradições combativas, em comparação às lutas do proletariado urbano tradicional, industrial. Entretanto, as lutas e revoluções anti-coloniais e anti-imperialistas foram, até bem pouco tempo, esmagadoramente experiências rurais. Suas formas urbanas contemporâneas equivalentes estão nascendo diante dos nossos olhos, muitas vezes de forma confusa, caótica e “primitiva” (não num sentido “colonial-civilizador”, mas no mesmo sentido em que podemos chamar de “primitivas” as primeiras lutas –ludditas, cartistas, babovistas, etc – dos operários europeus nos séculos XVIII e XIX). Entretanto, o importante aqui é destacar a continuidade cultural, a identidade ancestral dos pobres das cidades. O proletariado favelado não é uma humanidade “desenraizada”, uma tabula rasa de valores e experiências (embora muitos, inclusive na esquerda, tentem vê-lo assim ou transformá-lo nisso), mas uma classe que tem atrás de si pelo menos cinco séculos de história combatente, com episódios épicos como os quilombos, as insurreições indígenas e escravas, a rebelião Taiping, o Grande Motim Indiano, as Revoluções Haitiana, Cubana, Argelina, Angolana, Chinesa e Indochinesa, entre outras, os levantes dos guetos negros dos EUA, etc.

Claro que é uma tradição com contradições, vitórias, derrotas, capitulações e deformações, porém nem mais nem menos que a tradição socialista de origem européia. Em ambas, o importante é reter o aspecto revolucionário, o anti-capitalismo radical (e qualquer anti-capitalismo para ser radical tem que ser anti-colonial e anti-imperialista), a perspectiva da emancipação da espécie humana do pesadelo do mercado mundial instalado no planeta há meio milênio. E acima de tudo compreendendo, como coloca com clareza Mike Davis, que “o futuro da solidariedade humana depende da recusa combativa dos novos pobres urbanos a aceitar a sua marginalidade terminal dentro do capitalismo global”[21].

Da defesa de direitos à exigência de reparação

A compreensão de que os pobres das cidades constituem uma população que sofreu no passado e continua a sofrer hoje uma espoliação de tipo colonial, permite a passagem da resistência defensiva (baseada na defesa de direitos violados) à resistência ofensiva, através da luta pela reparaçãocoletiva das perdas passadas e presentes.

A reparação coletiva por danos causados em processos históricos de longa duração não tem lugar na lógica do capital ou do direito burguês, entre outras coisas porque permite a contestação da legitimidade do patrimônio acumulado pela classe dominante global e local. Mesmo iniciativas de reparação limitadas, com base exclusiva em origens étnicas (ou seja, sem considerar a situação econômica – pobreza – de seus possíveis beneficiados), e na prática “reparando” apenas uma parcela pequena dos descendentes dos povos colonizados, como são as cotas nas universidades e outras “políticas afirmativas”, têm gerado reações ferozes de setores dominantes, como estamos vendo na polêmica recente no Brasil.

Exigências de reparação mais fundamentadas no passado de espoliação imperialista, provocam reações ainda mais sinistras. O então presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide, acossado por falta de recursos e ataques (inclusive armados) da oposição, anunciou, em abril de 2003, que exigiria da França, no segundo centenário da independência do país, o reembolso (devidamente reajustado e com juros razoáveis) da “indenização” que o Haiti teve que pagar à antiga metrópole entre 1825 e 1947, como condição para não ficar internacionalmente isolado. A República Francesa reagiu indignada, e o episódio foi a gota d’água para franceses, norte-americanos e canadenses invadissem a terra de l’Ouverture e Dessalines  em fevereiro de 2004[22]. A proposta de Aristide, exilado na África, caiu no “esquecimento”, e os novos governantes, sob ocupação militar da ONU, nem tocam nela, mesmo após o terrível sismo de 12 de janeiro de 2010.

Destino ainda mais violento que o de Aristide teve Thomas Sankara, jovem governante revolucionário do Burkina Faso (África Ocidental) nos anos oitenta do século passado, que muito desagradava as elites pós-coloniais africanas com sua luta radical contra a corrupção, por igualdade social e pela emancipação da mulher. Mas o que selou sua sorte foi sua exortação pública para que os países africanos não pagassem suas dívidas externas, que para ele eram ilegítimas e condenavam a África à fome. Em julho de 1987, num discurso hoje já famoso, na reunião de cúpula da Organização da Unidade Africana (OUA) em Addis Abeba[23] denunciou mais uma vez a dívida como conseqüência e continuação do colonialismo e declarou que o Burkina Faso não pagaria um centavo da sua enquanto houvesse fome no continente. Três meses depois foi deposto e assassinado num sangrento golpe de estado comandado por um ex-amigo e companheiro, Blaise Campaoré (presidente-tirano até hoje), e com participação comprovada da França, EUA e países africanos[24]. Creio que não é preciso fornecer mais evidências do caráter anti-capitalista da exigência de reparação, mas os casos citados mostram como essa luta precisa ser encampada por uma amplo movimento popular de base e internacional, para resistir às inevitáveis retaliações.

Na luta dos pobres urbanos a reparação não é somente uma bandeira para se incluir em pautas de reivindicações genéricas, mas uma concepção central ou mesmo uma “ideologia” que permite inclusive a legitimação de práticas “ilegais” de resistência econômica cotidianamente efetivadas, como a ocupação de terrenos e prédios (mesmo particulares), ligações clandestinas de água e eletricidade, estabelecimento de pequeno comércio não regularizado, etc. Na África do Sul, onde os métodos e os efeitos da espoliação colonial são mais evidentes e recentes, existe um forte movimento de base pelo não pagamento das tarifas de energia e água pelos negros, inclusive com brigadas organizadas que ensinam a fazer ligações clandestinas seguras, e com um discurso explícito de reparação. O movimento, vejam bem, surgiu após o fim do apartheid, quando os sucessivos governos de maioria negra, mas submetidos ao ideário mercantil-capitalista, buscaram agressivamente a “regularização”do fornecimento e da cobrança de serviços urbanos nas grandes favelas[25].

Uma prova de como o ambientalismo e o urbanismo “puros”, mesmo em sua variante “pós-moderna”, submete-se ao mundo do mercado capitalista e passa ao largo das lutas de classes, é o trecho do artigo de Brand onde lamenta que nem sempre as favelas são eficientes, citando as do Brasil“onde a eletricidade é roubada e portanto grátis, e as pessoas deixam as luzes acesas durante todo o dia”[26]. Mesmo sem questionar a validade dessa última afirmação, aparece aqui a concepção que a imposição de custos mercantis é a única forma de se obter uso racional da energia. Talvez isso seja verdade para as empresas, que se guiam por cálculos financeiros, então a coisa mais importante seria acabar de vez com a energia subsidiada que é fornecida na maior parte dos países às grandes indústrias e prédios comerciais e de escritório[27]. Neste caso, reparação eambientalismo podem ser facilmente conciliados, com cobrança de taxas puramente simbólicas para os pobres, que só aumentariam no caso do uso acima de determinadas faixas de consumo domiciliar, e o custo seria coberto integralmente por tarifas bem mais altas sobre as empresas e os domicílios de alta renda. O que não dá para conciliar são os diferentes interesses de classe...

Pós-modernismo e favelas

A visão aberta e generosa de Brand diante da realidade e das realizações dos moradores das favelas, não deixa de ser algo bem-vindo diante do preconceito agressivo do urbanismo “moderno” tradicional, ou do elitismo e insensibilidade social do ambientalismo mais corriqueiro. É uma atitude que com certeza conflita com a contínua depreciação dos favelados como “bárbaros”, grosseiros ou incapazes, tão necessária para a manutenção dos ataques e da espoliação colonial contra os pobres urbanos, muitas vezes apresentadas sob a forma de um paternalismo benevolente (como também era feito, aliás, durante o colonialismo clássico).

Entretanto, creio que mostrei de forma suficiente como um urbanismo “pós-moderno”, caso oriente-se pelos postulados no “Novo Urbanismo” norte-americano e tendências semelhantes, permanece tão limitado às relações capitalistas como as escolas “modernas”, e por isso não fornece as verdadeiras diretrizes para uma emancipação da pobreza urbana, e assim para a superação da crescente crise urbana, social e ambiental global[28].

A continuidade da miopia de classe e eurocêntrica aparece com clareza no seguinte trecho no final do artigo de Brand: “as cidades em rápido crescimento estão longe de ser um bem absoluto. Elas concentram crime, poluição, doença e injustiça tanto quanto negócios, inovação, educação e entretenimento [...] Mas se, de modo geral, elas são uma boa rede para quem mora nelas, é porque as cidades oferecem mais do que apenas empregos. Elas são transformadoras: nas favelas, assim como nos prédios de escritórios e subúrbios arborizados, o progresso vai do provinciano para o metropolitano e para o cosmopolitano, e com essa transformação advém tudo o que o dicionário define como cosmopolitano: multicultural, multirracial, global, mundial, viajado, experiente, cultivado, aculturado, sofisticado, agradável, urbano”[29].

Isso é perfeitamente uma repetição, com algumas variações, do velho discurso modernista segundo o qual o sofrimento humano e as catástrofes ambientais (que continuam mesmo após 500 anos!) produzidas pelo colonialismo e o capitalismo justificam-se porque no final de contas produzem... modernidade! E além de tudo não está de acordo com as evidências empíricas: as cidades do capital atualmente não “oferecem” nem mesmo empregos, e a segregação e a disputa por espaço resultantes levam, não a um “multiculturalismo e multirracialismo”, mas a conflitos culturais (inclusive religiosos) e raciais crescentes.

Isso tudo não deveria ser novidade para quem participa de lutas e dos movimentos sociais, mas infelizmente ainda é forte a expectativa de que modelos, teorias e “políticas públicas” concebidas por “especialistas” tragam verdadeiras soluções para tanto descalabro e sofrimento no mundo. A questão, é preciso insistir, não está na qualidade das propostas dos “especialistas”, mas no fato de as contradições do capitalismo serem tão irreconciliáveis que contaminam inevitavelmente qualquer teoria desligada das lutas vitais dos explorados e oprimidos. O único “urbanismo” viável será construído pela resistência, levantes, rebeliões e revoluções dos pobres das cidade e do campo, em primeiro lugar a imensa humanidade descendente dos povos colonizados pelo capital.
 
Maurício Campos
Março de 2010
 

[1] O Original em inglês pode ser acessado aqui: http://www.prospectmagazine.co.uk/2010/01/how-slums-can-save-the-planet. Uma tradução parcial para o português está disponível no site de notícias do UOL (http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/prospect/2010/02/22/como-as-favelas-podem-salvar-o-planeta.jhtm, acessível para assinantes).
[2] A “Carta do Novo Urbanismo”, aprovado num encontro em 1996, pode ser lida num artigo sobre a corrente (ftp://ftp.usjt.br/pub/revint/11_48.pdf).
[3] Em Favelas do Rio de Janeiro: Entre a possibilidade do Poder Popular e o Cerco da Opressão (Dezembro de 2000). Esse texto, que não chamo de ensaio porque desde o início foi antes de tudo um documento político visando contribuir para uma estratégia de atuação popular militante em favelas e periferias, circulou em cópias e publicações do movimento social, e ainda se encontra em alguns lugares na Internet. O último site que o publicou foi o Uni-vos (http://www.uni-vos.com/brasil1.html).
[4] O trecho de meu texto que citei continua assim : “As obras públicas nas favelas são quase sempre remendos: contenções onde encostas já deslizaram e mataram gente; canalizações de rios e valas que já transbordaram e mataram muitas vezes; saneamento onde o esgoto corre a céu aberto há anos; redes de luz e água onde os “gatos” e as ligações clandestinas há muito tempo já resolveram o problema mais urgente; áreas de lazer e praças em terrenos há muito utilizados pelos jovens e crianças nas suas brincadeiras e esportes improvisados. As únicas obras de porte para as quais o povo geralmente não tem alternativa própria são precisamente as que mais fazem falta e nas quais menos se investe: pavimentação, construção de escolas, creches e postos de saúde”.
[5] Mike Davis faz um resumo do uso oportunista da defesa da “auto-construção”, por governos, agências internacionais e ONGs, no capítulo de seu Planeta Favela intitulado “As ilusões do construa-você-mesmo” (Boitempo Editorial, 2006)
[6] Recentemente concedi uma entrevista ao jornal da Federação dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), da qual apenas uma pequena parte foi publicada, e na qual disse, sobre a “reforma urbana”: “no aspecto habitacional, uma reforma urbana digna desse nome nunca deveria ser a oferta de imóveis construídos de tal forma que não possam ser melhorados e ampliados pelas famílias que os ocupem. Eu conheço as casas de Nova Sepetiba [conjunto habitacional construído há uns sete anos na Zona Oeste do Rio], e mesmo como engenheiro digo que aquilo é um atentado contra a dignidade humana. Os terrenos são minúsculos, logo as casas só poderiam ser ampliadas com a construção de novos pavimentos, mas isso é impossível porque as casas não têm estrutura, ou seja, não têm colunas e vigas que permitam subir mais um pavimento. Penso que o engenheiro ou arquiteto que se presta a fazer e construir um projeto como esse para o Estado é tão perverso como os governantes que idealizam esse tipo de monstrengo habitacional”.
[7] No Rio de Janeiro, as favelas densas são em boa parte uma substituição dos antigos cortiços, contra os quais a classe dominante travou uma batalha de extermínio no final do século XIX e início do século XX. Os cortiços nunca foram “auto-construídos” por seus moradores, mas realizavam em parte a estratégia de se estar próximo das oportunidades de trabalho, infra-estrutura e convivência cultural, propiciadas pelas áreas centrais. Hoje em dia, as ocupações de sem-teto realizadas em prédios abandonados nas áreas centrais das cidades que sofreram processos de decadência, significam uma certa retomada, porém com mais autonomia, da experiência dos cortiços. As ocupações mais organizadas, é claro, procuram explicitamente evitar os fenômenos de subdivisão, sublocação e exploração de aluguéis que tornaram tão tristemente célebres os antigos cortiços.
[8] Assim como vários movimentos sociais urbanos teorizam e justificam a ocupação popular próxima a áreas centrais, outros movimentos (não por acaso oriundos de movimentos rurais como o MST) teorizam e justificam ocupações mais afastadas propondo um modelo rururbano de assentamento (ver, por exemplo, http://mtst.linefeed.org/rururbano.htm e também http://www.sober.org.br/palestra/2/439.pdf).
[9] Temos que reconhecer que há razões de sobra para urbanistas reagirem contra o modelo de subúrbios de classe média que se generalizaram nas cidades dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Pequenas mansões para famílias de quatro ou menos pessoas, gramados tão imensos quanto inúteis, desproporcional gasto de energia para iluminar ou aquecer áreas tão grandes, inexistência de espaços públicos, distâncias que só podem ser cobertas de automóvel, tudo é de fato uma grande ostentação muito longe da idéia de aproveitar as vantagens das áreas “peri-urbanas” das cidades.
[10] Para estatísticas de população, densidade populacional e área do planeta: http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/dyb/dyb2007/Table01.pdf
[11] Na “Carta do Novo Urbanismo” norte-americano a principal referência ao campo chega a ser infantil: “A metrópole tem uma necessária e frágil relação com a área rural e a paisagem natural. A relação é ambiental, econômica, e cultural. As terras agrícolas e a natureza estão para a metrópole assim como o jardim está para a casa.” (ver link na nota 2). Lefebvre, que não tinha também uma visão tão compreensiva da relação cidade-campo como os socialistas do início da Revolução Industrial, pelo menos conseguiu intuir uma crítica dessa visão “recreativa” do campo como mais um aspecto da submissão capitalista do rural ao urbano: “Estranhamente, o direito à natureza (ao campo e à “natureza pura”) faz parte dos hábitos sociais há já alguns anos graças ao lazer. Fez o seu percurso através do vitupério que se tornou banal contra o barulho, a fadiga e o universo “concentracionário” das cidades (quando a cidade apodrece ou explode). Percurso estranho, dizemos nós: a natureza aparece no valor de troca e de mercado; compra-se e vende-se. O lazer comercializado, industrializado, organizado institucionalmente, destrói esta “naturalidade” de que nos apropriamos para poder negociá-la. A “natureza”, ou aquilo que é pretensamente apresentado como tal, o que dela subsiste, torna-se o gueto do lazer, o lugar da fruição, o refúgio da “criatividade”. (O Direito à Cidade, Centauro, 2008).
[12] Outro exemplo citado por Brand em seu artigo mostra como é possível aliar atividade “verde”com combate à pobreza: “a nacionalmente subsidiada cidade de Manaus, no norte do Brasil, ‘responde à questão’ de como parar com desflorestamento: dando empregos decentes às pessoas. Assim elas poderão conseguir moradia e  segurança econômica. Cem mil pessoas que de outra maneira estariam devastando a floresta em torno de Manaus estão agora prosperando na cidade na fabricação de, por exemplo, celulares e televisores” (traduzido do original, este trecho não foi incluído na tradução citada na nota 1; claro que é um exagero dizer que os trabalhadores da Zona Franca são “prósperos”; além disso habitantes da Amazônia, como indígenas, seringueiros e castanheiros, quando lhes é permitido, sabem muito bem viver na floresta sem devastá-la; mas o raciocínio geral é correto).
[13] Walkability” (“andabilidade”) é um conceito central criado pelo arquiteto e urbanista Peter Calthorpe, um dos fundadores do “Novo Urbanismo”
[14] Dessa forma satisfazendo outro princípio do “Novo Urbanismo”: o uso misto do espaço.
[15] Planeta Favela, Boitempo, 2006.
[16] Insisti nesse ponto em minha intervenção na mesa “Violência nas periferias urbanas e ameaça à democracia”, no Fórum Social Mundial Temático que aconteceu no final de janeiro desse ano em Salvador (BA). Ver, por exemplo, a reportagem sobre o debate feita por Bia Barbosa para a Agência Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16379) ou a notícia da Agência Brasil sobre o mesmo (http://noticias.terra.com.br/brasil/forumsocialmundial/2010/noticias/0,,OI4237918-EI14700,00-Especialistas+falta+de+acoes+nas+periferias+causa+violencia.html).
[17] A luta por espaço, em Le Monde Diplomatique Brasil, ano 3 número 32 (Março/2010).
[18] Idem.
[19] “O Ocidente tentou ser uma aventura do Espírito. E em nome do Espírito, do espírito europeu evidentemente, a Europa tem justificado seus crimes e legitimado a escravidão em que mantém quatro quintas partes da humanidade [....] Tem existido europeus, contudo, que têm chamado os trabalhadores europeus a romper com esse narcisismo e romper com esse irrealismo. Em geral, os trabalhadores europeus não responderam a esses chamados. Porque os trabalhadores europeus também acreditaram ser participantes da aventura prodigiosa do Espírito europeu.” Fanon, Los Condenados de La Tierra (Fondo de Cultura Económica, México, 1986).
[20] Proletariado é aqui entendido como a classe formada pelas pessoas que não têm nada além de sua força de trabalho para tentar obter uma renda regular. O proletariado que quase nunca consegue obter essa renda de forma regular pode ser chamado de trabalhador precário, trabalhador desempregado/subempregado, etc, mas eu prefiro chamar de proletariado não-reprodutível, porque sua reprodução (como proletário) não está assegurada pela reprodução do capital. Não cabe aqui discorrer muito sobre isso, abordei essa questão conceitual com mais detalhe em minha intervenção no seminário “Perspectivas de Reorganização da Classe Trabalhadora”, organizado pela Aduff/Ssind e Secretaria Regional do ANDES-SN/RJ em dezembro de 2006; a transcrição de minha intervenção foi publicada na revista sobre o seminário distribuída em Fevereiro de 2007 pela Aduff. Segue um trecho: “Vou caracterizar proletariado ou classe explorada como aquela parcela da sociedade que só pode contar com sua força de trabalho para sobreviver. Que não tem nenhum tipo de controle ou domínio sobre meios de produção ou monetários que lhe permita algum tipo de rendimento ou de retorno produtivo constante que não seja a sua força de trabalho. Faço, porém, uma observação. Contar apenas com sua força de trabalho para sobreviver não quer dizer necessariamente que ele consegue empregar essa força de trabalho e ser explorado por alguém para sobreviver. É uma diferença muito grande [...] Gostaria de trabalhar em cima da possibilidade de reprodução do explorado. [...] Preferia falar daquele proletariado reprodutível, aquele que tem certeza que, após um ciclo de acumulação do capital estará, no final desse ciclo, na mesma situação em que já estava antes, ou seja, sem meios de produção, recebeu e consumiu seu salário e está em condições de ser explorado no novo ciclo de acumulação e tem certeza que será explorado nesse novo ciclo de acumulação. [...] e temos ainda o proletariado não-reprodutível, aquele que não tem certeza que vai conseguir se reproduzir como trabalhador. Depois de um ciclo de acumulação de capital, ele não tem certeza se vai conseguir se reproduzir como trabalhador, não tem certeza do que vai acontecer com ele. Se estará desempregado ou se conseguirá trabalhar novamente. Este é um setor que está crescendo cada vez mais”.
[21] Planeta Favela, Boitempo, 2006.
[22] Ver, por exemplo, a descrição e análise dos fatos no artigo de Peter Hallward publicado na New Left Review, e, traduzido, na coletânea Contragolpes (“Opção zero no Haiti”,Contragolpes, Boitempo Editorial, 2006).
[24] Conferir notícia recente sobre o caso em http://www.libreidee.org/pt/2010/01/giustizia-per-sankara-lultima-speranza-dellafrica; a experiência simbolizada por Sankara noBurkina Faso foi objeto de ensaio de Jean Ziegler (incluído em A Vitória dos Vencidos, Forense Universitária, 1996).
[25] Confiram, por exemplo, “Água e política na África do Sul pós-apartheid”, em http://www.citizen.org/print_article.cfm?ID=8896.
[26] Ver referência na nota 1; também este trecho não consta da tradução para o português, talvez porque o tradutor saiba que há poucos fundamentos nessa afirmação de que as luzes são mantidas permanentemente ligadas nas favelas...
[27] Sem falar do fato, frequentemente divulgado pela imprensa brasileira, de que o roubo de energia praticado por grandes consumidores (empresas e residências ricas) tem impacto maior que as ligações clandestinas dos pobres.
[28] Um sintoma que deveria fazer os “novos urbanistas” refletirem é o quanto suas propostas anti-automobilísticas para o planejamento de cidade “andáveis” têm sido amplamente ignoradas. O problema não está, é claro, na justeza de seus argumentos, mas no imenso poder da indústria automobilística na economia global.
[29] Ver nota 1.