quinta-feira, 4 de março de 2010

Ministro elogia debates e defensores das cotas comemoram

Por: Redação - Fonte: Afropres - 3/3/2010  

Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu nesta quarta-feira (03/03) a primeira sessão da Audiência Pública para discutir a adoção de ações afirmativas e cotas, preparatória do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelo Partido Democratas (DEM).

O ministro Ricardo Lewandowski, responsável pela convocação da Audiência, em entrevista coletiva no final, se disse “extremamente bem impressionado com o alto nível e a qualidade dos debates”. À saída, o professor José Jorge de Carvalho (foto), um dos idealizadores da política de cotas para negros e indígenas na Universidade de Brasília (UnB) - o mais aplaudido pela platéia de lideranças e ativistas que lotou o salão onde a sessão foi transmitida em dois telões - se disse satisfeito: "O debate substantivo foi ganho", afirmou.

A audiência (veja o vídeo na TV Afropress) começou pouco depois das 08h30 e contou, na abertura, com a presença do presidente do STF, Gilmar Mendes, e de Joaquim Barbosa, o único ministro negro entre os onze que integram o Supremo.

Participação cidadã

“As audiências públicas, o instituto dos amicus curae que são os amigos da Corte que colaboram no julgamento das questões submetidas ao Supremo Tribunal Federal e mesmo o televisionamento das sessões de julgamento fazem parte deste processo de aproximação da cidadania dos poderes da República, em especial do poder Judiciário”, observou Lewandowski.

O ministro Gilmar Mendes ressaltou a importância do encontro para o debate com a sociedade de questões polêmicas. "Embora venha se tornando frequente, não se trata de um evento comum, dada a complexidade de sua realização e os pressupostos estabelecidos na legislação para o seu deferimento”, afirmou.

O presidente do Supremo salientou que as audiências trazem temas “que despertam grande interesse na sociedade e elevada complexidade, que demandam a visão de interessados e experts e essa é a visão talvez mais expressiva dessa participação plural desses vários setores nesse complexo processo”.

O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, ressaltou a importância do tema “relacionado a questão da igualdade substancial ou tentativa de inserção consequente de minorais no sistema educativo de nosso país”. O ministro também enalteceu a participação da sociedade para um tema “sobre o qual ela nem sempre quis discutir, com a devida abertura”.

O debate foi ganho

A Audiência transcorreu sem incidentes e em clima de euforia entre os defensores da igualdade entre os quais professores, lideranças das seis centrais sindicais e militantes e ativistas negros vindos de todo o país, como Juarez Silva, que veio de Manaus. "Achei muito esclarecedora, o que pode indicar uma tendência. O nível dos argumentos pró cotas vão ser levados em consideração de forma efetiva".

A sensação entre os presentes pode ser resumida pela afirmação do professor José Jorge de Carvalho, da Universidade de Brasília (UnB) de que o debate foi ganho. A Ação do DEM questiona exatamente a constitucionalidade do Programa da UnB, porém, o julgamento terá repercussão em todas as 68 universidades que adotaram ações afirmativas e cotas.

O ponto alto dos debates foi quando o professor José Jorge citou dados demonstrando que nos últimos 10 anos aumentou de 1% para 12% a presença de estudantes negros em todos os cursos - inclusive nos de maior prestígio como Medicina e Engenharia - e lembrou que que dos 43 especialistas convidados para falar no Supremo, 30 eram professores – 28 dos quais brancos (98%) e apenas 02 negros. “Estamos reproduzindo aqui a nossa desigualdade", acrescentou

Desastre anunciado

O desempenho dos advogados designados pelo Partido Democratas (DEM) para fazer a defesa dos "contra" - Caetano Cuervo Lo Pumo e Roberta Kauffman - foi considerado frágil e confuso. Lo Pumo invocou o mérito como critério para entrada na Universidade e provocou risos na platéia ao citar, insistentemente "o drama" do estudante gaúcho Giovane Fialho, que teria sido preterido e prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Kauffman fez uma exposição raivosa e dedicou-se durante os 15 minutos a citar números da política de cotas nos EUA. Em determinado momento, chegou a citar a Ku Klux Klan e disse que as cotas foram introduzidas pelo Presidente Richard Nixon. Na verdade, o sistema foi lançado pelo Presidente John Kennedy e implementado - após sua morte - pelo sucessor, Lindon Johson.

Agente provocador

Para fechar com chave de ouro, o "desastre", o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) - o mesmo que como relator do Estatuto engavetou o projeto no Senado - dizendo-se portador de 87% de sangue negro, provocou a indignação das mulheres negras, ao afirmar que haviam consentido nos estupros.

A Coordenadora do Movimento Negro Unificado no DF, Jacira Silva, disse que vai acionar judicialmente o senador do DEM. “Ele vai dormir com a mãe dele”, reagiu Jacira. A professora Edna Roland, Relatora da III Conferência contra o Racismo e a Xenofobia, realizada em Durban, também ficou indignada com as referências depreciativas de Demóstenes: "O senador Demóstenes Torres se excede na sua grosseria, na sua ignorância e na sua provocação. Mais parece um agente provocador e não um ex-Promotor Público que ocupa um cargo dessa importância na República", concluiu.

A segunda sessão da Audiência Pública prossegue nesta quinta-feira10h15, com exposições entre outros do professor Kabenguele Munanga, do Centro de Estudos Africanos da USP, e que tratará da “Constitucionalidade das políticas de ação afirmativa nas Universidades Públicas brasileiras na modalidade de cotas”.

As antropólogas Yvone Maggie e Eunice Ribeiro Durham, respectivamente da UFRJ e da USP, ambas contrárias à política de cotas, já avisaram que não comparecerão.

Lideranças repudiam senador do DEM
Por: Redação - Fonte: Afropress - 3/3/2010
 
Brasília - A Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal reuniu educadores, professores, ativistas negros e anti-racistas de todo o país. Mesmo sem a organização de caravanas dos Estados nem manifestações, algumas faixas com a defesa das cotas foram colocadas nas proximidades do STF na Praça dos Três Poderes.

Ao mesmo tempo em que manifestavam a alegria por considerarem os argumentos a favor das cotas e ações afirmativas "incomparavelmente superiores", as lideranças reagiram com indignação a declarações feitas pelo senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, consideradas ofensivas e depreciativas às mulheres negras.

Veja, a reação de várias lideranças, após os debates da Audiência:
Magno Lavigne, Secretário Nacional da Diversidade da União Geral dos Trabalhadores (UGT):
“A Audiência foi muito positiva. Os expositores favoráveis às cotas colocaram argumentos irrefutáveis, o que demonstra a correção da defesa das cotas e das ações afirmativas que temos feito. Lamentável foi a posição do senador Demóstenes Torres que ofendeu as mulheres negras, que sofreram ao longo da história as maiores violências. Trata-se de uma posição fascista que deve ser repudiada por todos nós”.

Professor Walter Silvério, da Universidade Federal de S. Carlos: “Os favoráveis às cotas e ações afirmativas tocaram em aspectos centrais do debate. Os contrários insistiram em argumentos do senso comum que confudem as pessoas porque são argumentos que pregam a ausência do racismo ou reafirmam a presença, mas limitam o debate a questão da renda. O senador Demóstenes Torres se utiliza de concepções do século XIX para dizer que o Brasil nunca foi racista. Raça não é um conceito biológico, mas social. É puro cinismo do senador tentar confundir a opinião pública”

Professora Edna Roland, Relatora da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância, realizada em Durban, na África do Sul, em 2002:
“Algumas falas dos defensores colocam questão fundamentias. Esta questão está no centro do debate da democracia. Não é um debate acerca da concessão de benefícios, de privilégios, mas um debate que visa a incorporação de todos os sujeitos. Foram brilhantes”

Carlos Moura, ex-presidente da Fundação Palmares e ex-Ouvidor da Seppir:
“Os debates foram elevados dentro dos limites do direito e do social. A minha esperança é de que o STF faça Justiça reconhecendo o direito da comunidade negra de ingressar nas universidades”.

Edson França, coordenador geral da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO):
“As palavras do Demóstenes foram reveladores de que tudo deve estar como está. O debate foi muito bom”.

Cleonice Caetano, Presidente do INSPIR, que reúne as principais centrais sindicais:
“Pelo que ouvi hoje os defensores contrários às cotas e ações afirmativas não tem argumentos. O senador Demóstenes ofendeu as mulheres negras”.

Roseli de Oliveira, Coordenadora da Coordenação de Políticas da População Negra e Indígena de S. Paulo:
“Achei muito importante. Estamos avançando em diferentes setores. Há um acúmulo político teórico que vai nos fazer superar as dificuldades. Quando o senador Demóstenes diz que as pesquisas são manipuladas, para ignorar os números, nós também podemos dizer que os números que ele cita são manipulados”.

Elisa Lucas, presidente do Conselho da Comunidade Negra do Estado de S. Paulo:
“Eu vejo esse momento como um momento histórico. Independente da cor partidária, estamos todos aqui. Eu avalio esse como um grande momento. Estamos caminhando para que essas conquistas se efetivem”.

Eduardo de Oliveira, presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB):
“Acho que estamos destampando a panela de pressão da consciência nacional, que deve ao negro tudo o que tem, e nos deve tudo o que pretende ter”.

Professora Telma Victor, da Central Única dos Trabalhadores (CUT):
“Eu não saio desanaminada, ao contrário. Só lamento que o senador Demóstenes e os representantes do DEM desrespeitem instituições públicas como o DIEESE, que tem uma credibilidade inquestionável, para tentar descontruir os números da desigualdade”.

Claudinho, Secretário Estadual de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores de S. Paulo:
“Achei produtivo. O professor José Jorge foi brilhante e apresentou dados fundamentais”.

Vera Fermiano e Ana José Lopes, do Fórum Nacional de Mulheres Negras:
“Nosso repúdio a fala desse parlamentar que tenta desqualificar as mulheres negras, tenta desqualificar a nossa luta. A sociedade precisa se mobilizar e reagir. O senador Demóstenes fez uma fala fascista e nazista. Foi uma agressão psicológica, racista e machista”.

Platéia atenta acompanhou debates
 
Por: Redação - Fonte: Afropress - 3/3/2010
 
Brasília - A sala de sessões da 1ª Turma do STF foi pequena. Uma outra sala foi montada com dois telões, que também ficou lotada de militantes e ativistas negros e anti-racistas. À princípio, em silêncio, a platéia começou a se manifestar com aplausos e manifestações de desaprovação, em especial, nas intervenções dos advogados designados pelo DEM e quando o senador Demóstenes Torres fez declarações consideradas desrespeitosas e ofensivas às mulheres negras.

Os inscritos - a subprocuradora da República, Débora Duprat, o Secretário Nacional de Direitos Humanos, Erasto Fortes, o Advogado Geral da União, Luis Inácio Adams, o ministro chefe da Seppir, Edson Santos, a representante do MEC, Maria Eugênia Dallari, Mário Lisboa Teodoro, do IPEA, Carlos Frederico de Souza Mares, da FUNAI, da PUC do Paraná, e Denise Fagundes Jardim, da UFRGS - fizeram a defesa enfática das ações afirmativas e das cotas. “Antes de atentar contra o princípio da igualdade, as cotas realizam a igualdade material “, disse Duprat.

Adams afrimou que, no Brasil, a discriminação está presente no fenótipo do indivíduo e não na sua cadeia de ancestralidade. “As políticas de cotas raciais revelam uma atuação estatal amplamente consentânea com a Constituição Federal, pois foram elaboradas a partir da autonomia universitária, com o propósito de projetar para a realidade os valores e objetivos estabelecidos pela Constituinte”, disse o Advogado Geral da União.

Agir contra a discriminação

O coordenador geral de Educação em Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Erasto Fortes, foi além: “Aqui não se trata apenas de impedir o preconceito e a discriminação, mas de agir para mudar com a adoção de políticas afirmativas. Universaliza-se a igualdade com uma conduta ativa, positiva e afirmativa, obtendo a transformação social que é o objetivo fundamental da República”, afirmou, acrescentando ser justo que se busque “ações afirmativas de instituição de cotas raciais para o ingresso no ensino superior, uma vez que as políticas universais de acesso não lograram êxito no sentido de incluir essa parcela”.

Para Fortes “não parece ter o mesmo significado no Brasil ser branco pobre ou negro pobre, uma vez que este é discriminado duplamente, pela sua condição sócio-econômica e sua condição racial. O racismo não pergunta às suas vítimas a quantidade de sua renda mensal”, concluiu.

“Cota é um instrumento que vai oferecer uma perspectiva de futuro para uma parcela expressiva de nosso povo, de jovens negros que sonham com a universidade, em formar-se nas mais diferentes áreas biomédicas, tecnológicas e humanas e cabe ao Estado assegurar isso à população”, disse Edson Santos, citando os exemplos bem-sucedidos de políticas de cotas adotados pela Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pontifícia Universidade Católica do Rio.

O mais aplaudido

O professor José Jorge de Carvalho, idealizador do sistema de cotas para negros e indígenas na UnB juntamente com a professora Rita Segatto, foi brilhante nos 15 minutos que lhe coube. Lembrou que há 10 anos a UnB tinha apenas 1% dos estudantes negros e hoje esse percentual chega a 12% - cerca de 4.300 cotistas.

“A previsão pessimista de catástrofe acadêmica não se cumpriu. Passamos de uma Universidade monoracial, monológica, eurocêntrica, para uma universidade plurirracial, descolonizada”, afirmou.

Segundo José Jorge, o sistema de cotas foi adotado na UnB “em resposta a uma constação de que o espaço acadêmico era altamente segregado racialmente, mas ainda também como consequência a essa segregação foi criado um ambiente hostil aos estudantes negros que dele faziam parte”

Ele acrescentou que em 20 anos do Departamento de Doutorado em Antropologia não havia nenhum estudante negro. E mais: entre os 1.500 docentes, só haviam 15 professores negros – 99% brancos. Em 20 mil estudantes – 400 dos quais de renda mais baixa que usavam a residência estudantil no CEU – apenas 10 eram negros. Segundo o professor, esses números por si só botavam abaixo a idéia falsa de que a questão se resumia à pobreza.

Com a adoção da política de ações afirmativas, o número de cotistas negros chega a 4.300, o que representa 12% dos alunos da Universidade. "E o rendimento escolar entre cotistas e não cotistas é praticamente igual", destacou. “Ou seja, depois de 40 anos de ter sido criada com uma proposta de modernização do ensino superior do Brasil, a UnB apresentava um perfil de extrema desigualdade racial – 99% de seus professores eram brancos e apenas 1% negros, em um país em que os negros são 48% da população”, concluiu.

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