segunda-feira, 19 de julho de 2010

Encruzilhada no Rap Brasilis – Parte I


Dentro dos acontecimentos e comentários sobre mais uma crise no rap BR, peço licença para emitir uma opinião como observador e fazedor de rap no país e espero estar contribuindo para enriquecer a discussão, ou sei lá, ser apenas mais um que vai falar sobre assunto.
Lendo sobre a questão do SESC e dos espaços escassos, veio em minha mente um relato exposto no livro “Negociação e Conflito – A Resistência Negra no Brasil Escravista” de João José Reis e Eduardo Silva. O relato mostra uma tropa reprimindo violentamente uma festa em um terreiro, em Brotas, Bahia, isso no século XIX,  ordenado pelo juiz local.
O juiz acreditava que aquele tipo de manifestação era impulsionadora de possíveis sublevações dos escravos. E ele fica espantado ao saber que tinham os chamados crioulos – escravos nascidos no Brasil, já que eles tinham certos privilégios no trato com os senhores e também a presença de brancos no local.
Eu parto desse ponto para tentar compreender a questão da difusão da cultura da diáspora africana nas Américas  e a tensão constante tanto na questão de identidade do povo preto e a constante perseguição e repressão das elites.
As manifestações negras são sempre encaradas como subversivas, sendo o Brasil sendo constituído nesse sentido, a policia sendo direcionada para esse sentido, as leis e a própria questão comportamental dos pretos, pardos e brancos. Partindo para as manifestações culturais: A capoeira foi reprimida, o samba foi reprimido, o congado foi reprimido, o jongo foi reprimido, o candomblé foi e é reprimido. Repressão tendo como base a possível revolta do povo negro brasileiro à ordem vigente.
O Rap mesmo não sendo algo genuinamente brasileiro, mas sendo cultura da diáspora africana e sendo absorvido com maestria pelos pretos brasileiros, logicamente ia ser reprimido, mas reparem, as outras manifestações citadas, apesar de reprimidas, continuaram sendo praticadas sempre com um componente de tensão constante, mas continuaram sendo praticadas.
A aceitação foi mais ou menos estabelecida a partir do momento em que se houve uma adequação de determinados valores da elite, destacando a ideologia de pacificação e ordem, apesar de o candomblé ainda não está como um todo dentro dessa ideologia.
O rap brasileiro sempre caminhou com a tensão, até porque os pretos e pretas que se apropriaram da linguagem, não são de origem de ambientes pacíficos e ordeiros, e o rap tem essa facilidade de mostrar uma realidade que pode ser impulsionadora de mudanças significativas.
Quem quer realmente mudar? A elite não quer mudar e ela vai usar de seus recursos para não querer mudar. Além do tradicional quite bala e porrete, têm a questão  dos meios de produção, dos espaços físicos e por aí vai.
Para quem faz rap e não o enxerga como uma forma de conhecimento potencialmente alternativa e contestatória, pode pensar que essa coisa de embate com as elites é coisa de paranóico marxista. Só estou atentando que o rap é uma manifestação cultural da diáspora africana e no Brasil, sempre foi tensa essa relação.
Seja por medo de sublevação, seja pela potencialidade de auto-afirmação, seja pela possibilidade de se mostrar uma real diversidade do Brasil enquanto nação.
E não podemos tirar o rap brasileiro desse balaio. O campo é de luta constante e não é se padronizando discurso, pedindo para as pessoas serem pacificas e ordeiras em determinados espaços ou arranjando culpados dentro dos nossos que vamos ser os grandes queridinhos do público.
Já pensaram que ainda não controlamos os meios, não controlamos nossos espaços, não temos nossos meios de comunicação. E por que não temos?
Crise? Prefiro tensão e ela será constante, ainda mais eu sendo preto, estando no Brasil e fazendo rap. É isso.

 Por Fábio Emecê - Bandeira negra e H2A

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