quarta-feira, 29 de junho de 2011

Novos Samples: Clovis Bate-bola, do selo Faixa de Gazah

Data: 29/06/2011

Em trabalho instrumental, criatividade caminha lado a lado com a politização
 

Clovis Bate-bola, morador de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro, é integrante do coletivo Faixa de Gazah, uma reunião de artistas, ativistas e militantes do hip-hop. Em Entrevista de Emprego, seu trabalho solo, Bate-bola faz experimentações com o dub e a música eletrônica. Assim como os outros membros do selo, o músico acredita no poder de mobilização proporcionado pelo hip-hop. “O hip-hop é uma ótima ferramenta para dar voz e aperfeiçoar a militância do nosso povo diante dos debates sociais. Uma ferramenta que coloca anônimos de igual para igual com os que, de alguma forma, detêm o poder. Uma ferramenta que, ao invés de levar terror e violência, leva informação e cultura”, afirma.

Programas de edição e produção como o Reason, Recicle e Cool Edit Pro, formatam beats, grooves, efeitos e sobreposições instigantes, uma pequena parte dos ingredientes do EP que, segundo Clovis Bate-bola, é uma prévia de seu trabalho solo. “Estou me preparando para entrar em estúdio ainda neste ano e produzir o meu primeiro EP pelo selo Faixa de Gazah, com a participação de vários rappers integrantes do selo, ativistas sociais e outros músicos".
 
Rebeldia editada A dinâmica do álbum pode perfeitamente ser ligada aos acontecimentos no norte da África, onde o povo luta contra as ditaduras, ou servir de inspiração para a luta por moradia nas periferias urbanas. Apesar de ser um álbum de um ativista brasileiro, Entrevista de Emprego serve como trilha sonora para as revoluções nos quatro cantos do mundo. Mas ao ser confrontado com esta afirmação, Bate-bola pondera: “não creio que a minha sonoridade esteja a altura de tamanha façanha. Creio que não passo de um pinto novinho anônimo no galinheiro de feras do dub, como Buguinha, Marcelo Yuka, entre outros. Isso sem levar em conta que a estética musical varia muito de acordo com a mutação da nossa cultura popular e dos rumos que a indústria cultural tenta imprimir sobre a sociedade de consumo. Mas, a sonoridade que tento apresentar é uma busca por um formato alternativo a música comercial e que tenha, além do cunho de debate político-social dentro da guerra de classes, a afirmação cultural da nossa identidade como povo”.
 
Profundidade Para Clovis Bate-bola, a cena hip-hop militante, pelo menos a que usa a ferramenta chamada hip-hop para debater a problemática social, é uma ótima oportunidade não só para dar voz aos indivíduos mais afetados pelas desigualdades sociais, mas também para trazer para a superfície dos debates públicos um novo protagonismo. O músico acredita que as referências podem ser diferentes. “Não [temos] apenas um simples formato de rapper, vestido de roupas e tênis caros, revoltado com a situação caótica em que um suposto ‘sistema invencível’ o proporcionou. Temos um aprofundamento do debate dessa problemática, mostrando que nosso ‘inimigo’ vai muito além do que um sistema comandado por um ‘barão’ e seus capangas. É uma guerra de classes que tem seu ápice de discussão no momento eleitoral”, completa.

EP Entrevista de EmpregoAutor: Clovis Bate-bola
AVALIAÇÃO CHH: Bom
 

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Retirado do Central Hip Hop

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Piratas Somalis

Memória brasileira: sigilo ou vergonha?

Por Frei Betto

Há 141 anos terminou a Guerra do Paraguai. Durou de 1864 a 1870. Ao longo de seis anos, Brasil, Argentina e Uruguai, instigados pela Inglaterra, combateram os paraguaios. O pretexto era derrubar o ditador Solano López e impedir que o Paraguai, país independente e sem miséria, abrisse uma saída para o mar.

O Brasil enviou 150 mil homens para o campo de batalha. Desses, tombaram 50 mil. Do lado paraguaio foram mortos 300 mil, 20% da população do país. E o Brasil abocanhou 40% do território da nação vizinha.

Até hoje o acesso aos documentos do conflito estão proibidos a quem pretende investigá-los. Por quê? Talvez o sigilo imposto sirva para cobrir a vergonhosa atuação de Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro, que comandou nossas tropas na guerra. E do Conde D’Eu, genro de Dom Pedro II, que sucedeu o duque no massacre aos paraguaios.

Os arquivos ultrassecretos do Brasil podem permanecer sigilosos por 30 anos. O presidente da República pode prorrogar o prazo por mais 30, indefinidamente. Eternamente.

Em 2009, Lula enviou à Câmara dos Deputados projeto propondo o sigilo eterno periodicamente renovado. Cedeu a pressões dos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. Os deputados federais o aprovaram com esta emenda: o presidente da República poderia renovar, por uma única vez, o prazo do sigilo, e os documentos considerados ultrassecretos seriam divulgados em, no máximo, 50 anos.

O projeto passou ao Senado. Caiu em mãos da Comissão de Relações Exteriores, cujo presidente é o senador Fernando Collor. E, para azar de quem torce por transparência na República, ele próprio assumiu a relatoria. E tratou de engavetá-lo. Não deu andamento ao debate nem colocou o projeto em votação.

A presidente Dilma decidira sancionar a lei do fim do sigilo eterno a 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Naquela data, o relator Collor foi a plenário e declarou ser “temerário” aprovar o texto encaminhado pela Câmara dos Deputados.

Na véspera de ser empossada ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti declarou que Dilma estaria disposta a atender pedidos dos senadores José Sarney e Fernando Collor, e patrocinar no Senado mudança no decreto para assegurar sigilo eterno a documentos oficiais. A única diferença é que, agora, o sigilo seria renovado a cada 25 anos.

O Congresso está prestes a aprovar a Comissão da Verdade, que irá apurar os crimes da ditadura militar. Como aprovar esta comissão e vetar para sempre o acesso a documentos oficiais? Isso significa impedir que a nação brasileira tome conhecimento de fatos importantes de sua história.

Collor e Sarney não gostam de transparência por razões óbvias. Seus governos foram desastrosos e vergonhosos. Já o Ministério das Relações Exteriores alega que trazer à tona documentos, como os da Guerra do Paraguai, pode criar constrangimentos com países vizinhos. Com países vizinhos ou com nossas Forças Armadas e personagens que figuram como heróis em nossos livros didáticos?

O sigilo brasileiro a documentos oficiais não tem similar no mundo. Se não for quebrado, a presidente Dilma ficará refém da chamada base aliada. Ontem foi o “diamante de 20 milhões de reais”, hoje o sigilo eterno, amanhã…

Na terça, dia 14 de junho, retornaram ao Brasil os arquivos do livro “Brasil Nunca Mais” (Vozes), que relata os crimes da ditadura militar brasileira. A publicação, patrocinada pelo Conselho Mundial de Igrejas, foi monitorada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e o pastor Jaime Wright.

O mérito do “Brasil Nunca Mais” é que não há ali nenhuma notícia de jornal ou depoimento de vítima da ditadura. Toda a documentação se obteve em fontes oficiais, retirada, por advogados, de auditorias militares e do Superior Tribunal Militar. Microfilmada, foi remetida ao exterior, por razões de segurança. Agora retorna ao Brasil para ficar disponível aos interessados. Muitas informações ali contidas não constam da redação final do livro, da qual participei em parceria com Ricardo Kotscho.

Os arquivos da Polícia Civil (DOPS) sobre a ditadura militar já foram abertos e se encontram à disposição no Arquivo Nacional. Falta abrir o arquivo das Forças Armadas, o que depende da vontade política da presidente Dilma, ela também vítima da ditadura. As famílias dos mortos e desaparecidos têm o direito de saber o que ocorreu a seus entes queridos. E o Brasil, de conhecer melhor a sua história recente.

Um país sem memória corre sempre o risco de repetir, no futuro, o que houve de pior em sua história.

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Expulsas por Belo Monte, famílias sem teto ocupam terrenos urbanos em Altamira

Por Ruy Sposati, de Altamira (PA)
"Nos baixões [bairros que serão alagados pela barragem], uns saem porque não sabem se vão perder a casa, outros porque não podem pagar o aluguel. E o motivo é Belo Monte. É Belo Monte que está empurrando o povo pra fora. O povo não teria porque sair do seu canto, se não estivesse acontecendo essa barragem. É assim que a gente se sente: expulsos”.

Este foi o depoimento de dona Raimunda, de 54 anos, moradora do bairro Invasão dos Padres, para a Defensoria Pública de Altamira, no Pará, na manhã de ontem. Ela é uma das milhares de moradoras e moradores de uma das muitas localizações que irão para debaixo d'água caso a hidrelétrica de Belo Monte seja construída.

Esta fala representa a condição de 178 famílias de bairros mais pobres de Altamira, conhecidos como baixões e que devem ser alagados por Belo Monte, que, há 16 dias, ocupam um terreno em desuso no perímetro urbano de Altamira. Amedrontadas pelo alagamento que a construção da barragem poderá causar caso seja construída, as famílias deixaram suas casas para construir novos barracos.

De acordo com as famílias, além do medo do alagamento e da insegurança sobre a política de compensação do consórcio Norte Energia, responsável pela obra, a chegada de centenas de migrantes à região tem elevado os aluguéis em ritmo vertiginoso.“Estão vindo pessoas de tudo quanto, fazendo propostas de aluguel muito melhores do que as que a gente paga. Então estão todos sendo forçados a sair”, argumenta F., desempregado. "Aqui, a gente pode ter a segurança de que isso não vai acontecer".

altamira“Nós perdemos nossas casas por conta de Belo Monte”, conta a atendente J., moradora do Baixão do Tufi. “Eu morava de aluguel. Aumentou, aí eu saí de lá. Estava há um mês no barraco novo, e aumentou de novo. Meu banheiro não era bom. O que eu e o meu marido ganhamos dá pra pagar o aluguel, mas não sobra nada. Então a gente teve que sair. É por isso que a gente está aqui”, explica.

Como em Tucuruí “As pessoas vieram para cá com medo de não receber as indenizações da Norte Energia”, conta N., moradora da Invasão dos Padres. “Vai ficar igual Turucuí. Lá, a maioria das pessoas empregadas eram de fora. Meu pai trabalhou lá, mas a maioria dos vizinhos e amigos não conseguiram emprego, nem foram indenizados, nem receberam casa. Foram abandonados, e é isso o que está acontecendo em Belo Monte. Altamira está vivendo a mesma coisa”, conclui.
Descaso
“Em primeiro lugar, está o mais absoluto abandono por parte da Norte Energia e do governo em relação aos moradores das regiões urbanas que serão diretamente afetadas por alagamento em Altamira”, opina a coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antonia Melo. “Quase todos os dias nós visitamos esses bairros, e nunca encontramos uma pessoa que sequer foi procurados pela empresa ou pelo governo”, acusa. Esta leitura é corroborada por diversos sem teto que ocupam o terreno. “Nunca fomos procurados” é a resposta, quando perguntados se receberam algum tipo de proposta de remanejo, indenização ou qualquer outra coisa.
Sem destino
Dois maranhenses se aventuraram a vir para Altamira, na esperança de encontrar empregos. “Vendemos o que a gente tinha. Não conseguimos absolutamente nada, gastamos tudo o que tínhamos no hotel. Não temos nem como voltar pra casa”, explicam.

“A gente não tem onde morar” expõe a família de T. “Na verdade somos três famílias que se juntaram porque o aluguel estava muito caro. Mas é impossível viver na nossa casa com esse tanto de gente, então viemos para cá, pra dividir as famílias de novo, pra cada um ter uma casa”, esclarecem.
Condição
altamira1Olha o barraco em que eu morava [mostra foto no celular]. O aluguel aumentou de 80 pra 250. A casa aqui na frente aumentou de 200 para 600”, conta N., moradora de Boa Esperança. Eu ainda não saí de lá, mas este mês é o último que eu vou conseguir pagar aluguel. E meu vizinho deve vir pra cá também”, ela prevê.

“Os aluguéis vão aumentando de 100 pra 200, 300, 500, mil reais. A gente que mora em Altamira não tem a menor condição de pagar esses valores”, destaca G., desempregado, morador do Baixão Bela Vista. “Tem muitas empresas vindo, mas os empregos não são pra gente. São pra quem tem formação, quem é de fora. Se fosse pra gente, a gente já deveria ter recebido formação pra assumir os empregos. Agora é tarde”, lamenta.

“Foi chegar o pessoal da Norte Energia e meu aluguel aumentou. Eu estou desemprego há quatro meses. Eu e minha esposa não tivemos opção a não ser vir pra cá”, relata B., também desempregado.
Defensoria
Uma comissão de ocupantes, acompanhados pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi à Defensoria Pública pedir que a Justiça intervenha nas ocupações. Afora a falta de acesso ao direito à moradia, todas as famílias sem teto correm o risco de serem despejadas a qualquer momento pela Polícia Militar, que já foi solicitada para que a realizasse a reintegração de posse.

“Nós temos um problema sério de moradia. A população está aumentando e não temos perspectivas de projetos de habitação para agora”, analisa o defensor público de Altamira, Fabio Rangel. Para o defensor, os dois casos de ocupações coletivas são consequências de Belo Monte. “E estes os casos serão objeto de demandas judiciais pra que haja retirada dessas pessoas. Elas irão pra onde?”, conclui.

Na ocasião, uma comissão da Secretaria Especial dos Direitos da Pessoa Humana, do governo federal, também colheu depoimentos dos ocupantes, concordando que Altamira vive uma situação de absoluta falta de diálogo entre poder público, movimentos sociais e empresas construtoras.

* Fotos: Karen Hoffmann

domingo, 19 de junho de 2011

O papel de Wall Street no narcotráfico

A política dos EUA para o México é um pesadelo. Ela minou a soberania mexicana, corrompeu o sistema político e militarizou o país. Obteve também como resultado a morte violenta de milhares de civis, pobres em sua maioria. Mas Washington não está nenhum pouco preocupado com os “danos colaterais”, desde que possa vender mais armas, fortalecer seu regime de livre comércio e lavar mais lucros das drogas em seus grandes bancos. Os principais bancos dos EUA se tornaram sócios financeiros ativos dos cartéis assassinos da droga. A guerra contra as drogas é uma fraude. Ela não tem a ver com proibição, mas sim com controle. O artigo é de Mike Whitney.

Imagine qual seria sua reação se o governo mexicano decidisse pagar 1,4 milhões de dólares a Barack Obama para usar tropas norte-americanas e veículos blindados em operações militares em Nova York, Los Angeles e Chicago, estabelecendo postos de controle, e elas acabassem se envolvendo em tiroteios que resultassem na morte de 35 mil civis nas ruas de cidades norte-americanas. Se o governo mexicano tratassem assim os Estados Unidos, vocês o considerariam amigo ou inimigo? Pois é exatamente assim que os EUA vêm tratando o México desde 2006.

A política dos EUA para o México – a Iniciativa Mérida – é um pesadelo. Ela minou a soberania mexicana, corrompeu o sistema político e militarizou o país. Obteve também como resultado a morte violenta de milhares de civis, pobres em sua maioria. Mas Washington não está nenhum pouco preocupado com os “danos colaterais”, desde que possa vender mais armas, fortalecer seu regime de livre comércio e lavar mais lucros das drogas em seus grandes bancos. É tudo muito lindo.

Há alguma razão para dignificar essa carnificina chamando-a de “Guerra contra as drogas”?

Não faz nenhum sentido. O que vemos é uma oportunidade descomunal de empoderamento por parte das grandes empresas, das altas finanças e dos serviços de inteligência norteamericanos. E Obama segue meramente fazendo seu leilão, razão pela qual – não é de surpreender – as coisas ficaram tão ruins sob sua administração. Obama não só incrementou o financiamento do Plano México (conhecido como Mérida), como deslocou mais agentes norteamericanos para trabalharem em segredo enquanto aviões não tripulados realizam trabalhos de vigilância. Deu para ter uma ideia do cenário?

Não se trata de uma pequena operação de apreensão de drogas, é outro capítulo da guerra norteamericana contra a civilização. Vale lembrar uma passagem de um artigo de Laura Carlsen, publicado no Counterpunch, que nos mostra um elemento de fundo:

“A guerra contra as drogas converteu-se no veículo principal de militarização da América Latina. Um veículo financiado e impulsionado pelo governo norteamericano e alimentado por uma combinação de falsa moral, hipocrisia e muito de temor duro e frio. A chamada “guerra contra as drogas” constitui, na realidade, uma guerra contra o povo, sobretudo contra os jovens, as mulheres, os povos indígenas e os dissidentes. A guerra contra as drogas se converteu na forma principal do Pentágono ocupar e controlar países à custa de sociedades inteiras e de muitas, muitas vidas”.

“A militarização em nome da guerra contra as drogas está ocorrendo mais rápida e conscienciosamente do que a maioria de nós provavelmente imaginou com a administração de Obama. O acordo para estabelecer bases na Colômbia, posteriormente suspenso, mostrou um dos sinais da estratégia. E já vimos a extensão indefinida da Iniciativa de Mérida no México e América Central, incluindo, tristemente, os navios de guerra enviados a Costa Rica, uma nação com uma história de paz e sem exército...”

“A Iniciativa de Mérida financia interesses norteamericanos para treinar forças de segurança, proporciona inteligência e tecnologia bélica, aconselha sobre as reformas do Judiciário, do sistema penal e a promoção dos direitos humanos, tudo isso no México” (“The Drug War Can’t Be Improved Only be Ended” – “A Guerra contra as drogas não pode ser melhorada, só terminada”, Laura Carlsen, Counterpunch)


A impressão que dá é que Obama está fazendo tudo o que pode para converter o México em uma ditadura militar, pois é exatamente isso o que ele está fazendo. O Plano México é uma farsa que esconde os verdadeiros motivos do governo, que consiste em assegurar-se de que os lucros do tráfico de drogas acabem nos bolsos das pessoas adequadas. É disso que se trata: de muitíssimo dinheiro. E é por isso que o número de vítimas disparou, enquanto a credibilidade do governo mexicano caiu como nunca em décadas. A política norteamericana converteu grandes extensões do país em campos de morte e a situação não para de piorar.

Veja-se esta entrevista com Charles Bowden, que descreve como é a vida das pessoas que vivem na Zona Zero da guerra das drogas no México, Ciudad Juárez:

“Isso ocorre em uma cidade onde muita gente vive em caixas de papelão. No último ano, dez mil negócios encerraram suas atividades. De 30 a 60 mil pessoas, sobretudo os ricos, mudaram-se para El Paso, no outro lado do rio, por razões de segurança. Entre eles, o prefeito de Juárez, que prefere ir dormir em El Paso. O editor do diário local também vive em El Paso. Entre 100 e 400 mil pessoas simplesmente saíram da cidade. Boa parte do problema é econômico. Não se trata simplesmente da violência. Durante esta recessão desapareceram pelo menos 100 mil empregos das empresas fronteiriças devido à competição asiática. As estimativas são de que há entre 500 e 900 bandos de delinquentes”.

Há 10 mil soldados das tropas federais e agentes da Polícia Federal vagando por ali. É uma cidade onde ninguém sai à noite, na qual todos os pequenos negócios pagam extorsão, onde foram roubados oficialmente 20 mil automóveis no ano passado e assassinadas 2.600 pessoas no mesmo período. É uma cidade onde ninguém segue o rastro das pessoas que foram sequestradas e não reaparecem, onde ninguém conta as pessoas enterradas em cemitérios secretos onde, de forma indecorosa, volta e meia aparecem alguns corpos em meio a alguma escavação. O que temos é um desastre e um milhão de pessoas que são muito pobres para poder ir embora. A cidade é isso”. (Charles Bowden, Democracy Now)


Isso não tem a ver com as drogas; trata-se de uma política externa louca que apoia exércitos por delegação para impor a ordem por meio da repressão e militarização do Estado policial. Trata-se de expandir o poder norte-americano e de engordar os lucros de Wall Street. Vejamos mais alguns dados de fundo proporcionados por Lawrence M. Vance, na Future of Freedom Foundation:

“Um número não revelado de agentes da lei norteamericanos trabalha no México (...) A DEA tem mais de 60 agentes no México. A esses se somam os 40 agentes de Imigração e Aduanas, 20 auxiliares do Serviço de Comissários de Polícia e 18 agentes da Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos, mais os agentes do FBI, do Serviço de Cidadãos e Imigração, Aduana e Proteção de Fronteiras, Serviço Secreto, guarda-costas e Agência de Segurança no Transporte. O Departamento de Estado mantém também uma Seção de Assuntos de Narcóticos. Os EUA também forneceram helicópteros, cães farejadores de drogas e unidades de polígrafos para examinar os candidatos a trabalhar em organismos de aplicação das leis”.

“Os aviões não tripulados norteamericanos espionam os esconderijos dos carteis e os sinais rastreadores norte-americanos localizam com exatidão os carros e telefones dos suspeitos. Agentes norteamericanos seguem os rastros, localizam chamadas telefônicas, leem correios eletrônicos, estudam padrões de comportamento, seguem rotas de contrabando e processam dados sobre traficantes de drogas, responsáveis pela lavagem de dinheiro e chefes dos cartéis. De acordo com um antigo agente anti-droga mexicano, os agentes norteamericanos não estão limitados em suas escutas no México pelas leis dos EUA, desde que não se encontrem em território norteamericano e não grampeiem cidadãos norteamericanos. (“Why Is the U.S. Fighting Mexico’s Drug War?”, “Por que os EUA travam a guerra contra as drogas no México?”, Laurence M. Vance, The Future of Freedom Foundation).


Isso não é política externa, mas sim outra ocupação norteamericana. E adivinhem quem enche os cofres com essa pequena fraude sórdida? Wall Street. Os grandes bancos ficam com sua parte como sempre fazem. Vejamos essa passagem de um artigo de James Petras intitulado “How Drug profits saved Capitalism” (“Como os lucros das drogas salvaram o capitalismo”, publicado em Global Research). É um estupendo resumo dos objetivos que estão configurando essa política:

“Enquanto o Pentágono arma o governo mexicana e a DEA (Drug Enforcement Agency, a agência anti-droga dos EUA) põe em prática a “solução militar”, os maiores bancos dos EUA recebem, lavam e transferem centenas de bilhões de dólares nas contas dos senhores da droga que, com esse dinheiro, compram armas modernas, pagam exércitos privados de assassinos e corrompem um número indeterminado de funcionários encarregados de fazer cumprir a lei de ambos os lados da fronteira...”

“Os lucros da droga, no sentido mais básico, são assegurados mediante a capacidade dos carteis de lavar e transferir bilhões de dólares para o sistema bancário norteamericano. A escala e a envergadura da aliança entre a banca norteamericana e os carteis da droga ultrapassa qualquer outra atividade do sistema financeiro privado norteamericano. De acordo com os registros do Departamento de Justiça dos EUA, só um banco, o Wachovia Bank (propriedade hoje de Wells Fargo), lavou 378.300 milhões de dólares entre 1° de maio de 2004 e 31 de maio de 2007 (The Guardian, 11 de maio de 2011). Todos os principais bancos dos EUA tornaram-se sócios financeiros ativos dos cartéis assassinos da droga”.

“Se os principais bancos norteamericanos são os instrumentos financeiros que permitem os impérios multimilionários da droga operar, a Casa Branca, o Congresso dos EUA e os organismos de aplicação das leis são os protetores essenciais destes bancos (...) A lavagem de dinheiro da droga é uma das fontes mais lucrativas de lucros para Wall Street. Os bancos cobram gordas comissões pela transferência dos lucros da droga que, por sua vez, emprestam a instituições de crédito a taxas de juros muito superiores às que pagam – se é que pagam – aos depositantes dos traficantes de drogas.

Inundados pelos lucros das drogas já desinfetados esses titãs norteamericanos das finanças mundiais podem comprar facilmente os funcionários eleitos para que perpetuem o sistema”. (“How Drug Profits saved Capitalism, James Petras, Global Research).


Vamos repetir: “Todos os principais bancos dos EUA se tornaram sócios financeiros ativos dos cartéis assassinos da droga”.

A guerra contra as drogas é uma fraude. Ela não tem a ver com proibição, mas sim com controle. Washington emprega a força para que os bancos possam garantir um bom lucro. Uma mão lava a outra, como ocorre com a Máfia.

(*) Mike Whitney é um analista político independente que vive no estado de Washington e colabora regularmente com a revista norteamericana CounterPunch.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Depois de prisões e pancadaria, STF legaliza "marcha da maconha"

Supremo Tribunal Federal decide que atos públicos favoráveis a descriminalizar maconha não são apologia ao crime, mas liberdade de expressão. Organizadores tentaram promover 16 marchas este ano, mas só conseguiram realizar dez. Treze pessoas foram presos pela polícia. "Agora as pessoas vão poder aderir à marcha sem medo, e nós vamos mostrar para a sociedade que trocar a criminalização pelo uso controlado da maconha vai diminuir a violência e a corrupção", diz organizador. STF não quis julgar produção caseira e pequeno porte.

BRASÍLIA – A pequena cidade praiana de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, receberá dia 25 de junho a primeira marcha legalizada da história do Brasil pelo fim da criminalização da maconha. A autorização para que este tipo de ato ocorra sem risco de cadeia para os participantes foi dada na noite desta quarta-feira (15/06) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O direito de as pessoas realizarem passeatas a favor da descriminalização da maconha foi aprovado por unanimidade pelos ministros do STF. Eles entenderam que se trata de um ato de liberdade de expressão, e não de apologia ao crime – usar maconha é ilegal. Em vários estados, a polícia vinha interpretando a marcha como “apologia” ao crime.

Segundo Renato Cinco, da organização nacional do coletivo Marcha da Maconha Brasil, treze pessoas foram presas nas manifestações realizadas neste ano. De 7 de maio a 3 de junho, o Coletivo tentou promover 16 passeatas, em 12 estados diferentes.

De acordo com Renato, quatro delas foram proibidas pela polícia, inclusive com violência: São Paulo, Campinas, Salvador e Curitiba. Duas converteram-se à força de “marcha da maconha” em “marcha pela liberdade de expressão”: em Jundiaí (SP) e Brasília. As outras dez aconteceram normalmente.

“Agora as pessoas vão poder aderir à marcha sem medo, e nós vamos mostrar para a sociedade que trocar a criminalização pelo uso controlado da maconha vai diminuir a violência e a corrupção”, disse o militante, que promete estar em Rio das Ostras para a primeira passeata legalizada.

Segundo ele, no sábado 18 de junho, devem ocorrer manifestações em 33 cidades juntando defensores de uma série de causas proibidas, como casamento gay, aborto e descriminalização da maconha. Mas a próxima marcha exclusiva em favor da maconha acontecerá uma semana depois.

PGR, FHC, produção caseira
O julgamento do STF foi provocado por uma ação da Procuradoria Geral da República (PGR). A ação defendia que a punição prevista no Código Penal contra quem faz apologia ao crime (prisão de três a seis meses) não se aplicasse a atos contra criminalizar a maconha.

A proposta recebeu aval do relator, Celso de Mello, cujo voto foi seguido por todos os demais ministros presentes. “A defesa da legalização das drogas (…), longe de significar ilícito penal (…), representa prática legítima da liberdade de expressão”, afirmou o relator. “[A liberdade de expressão] É um direito que não pode nos ser retirado por agentes do Estado”, completou ele, que citou em seu voto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, atual defensor da descriminalização da maconha.

O presidente do STF, Cezar Peluso, também mencionou FHC mas para dizer que a tese do ex-presidente não é novidade. Segundo ele, há mais de trinta anos que acadêmicos e médicos afirmam que descriminalizar as drogras é uma maneira mais eficaz de o "Estado responder a essa praga universal".

No início do julgamento, a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (ABESUP) tentou pegar carona na ação da Procuradoria e propôs que o Supremo também tomasse uma decisão sobre produção doméstica de maconha, a posse de pequenas quantidades e seu uso privado. Mas relator Celso de Mello negou o pedido.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Militares dos EUA atuaram na América Latina em 2009



Um documento preparado a pedido de congressistas de extrema direita dos EUA indica que o 7º Grupo de Operações Especiais conduziu operações militares em quase todos os países da América Latina em 2009.
Além de terem participado de uma operação-chave na desastrosa guerra contra as drogas no México, esses soldados altamente treinados também participaram de cursos de treinamento no Brasil, segundo reportagem do site Narconews, parceiro da Pública.
Um documento do Pentágono confirma que os EUA empregaram grupos militares de operações especiais no México, durante a escalada da guerra contra as drogas, que levou à morte de cerca de 40 mil pessoas desde 2006.
Os militares de operações especiais também atuaram na Colômbia, Equador, Peru, e em quase todos os países da América Central, vistos como fundamentais na política antidrogas promovida pelos EUA.
O briefing do Departamento de Defesa foi apresentado em Washington em meados de maio de 2009 a um grupo de empresários e líderes políticos do noroeste da Flórida.
O documento, marcado “Não classificado/Somente para uso oficial” revela as 18 nações da América Latina onde os soldados do 7º Grupo de Forças Especiais [Airborne Green Berets] foram empregados no ano fiscal de 2009, que terminou em 30 de setembro de 2009. As operações incluíram 21 missões e 165 soldados.
Segundo o documento, membros do grupo foram treinados no Brasil, no Centro de Instrução de Guerra na Selva, próximo a Manaus.
O briefing que detalha foi tornado público por uma associação empresarial da Flórida que inclui empresas militares privadas. O grupo, chamado Economic Development Council for Okaloosa County (EDC), publicou no seu site o documento, apesar dele ser classificado como “apenas para uso oficial”.
O documento de briefing havia sido preparado pelo 7o Grupo de Forças Especiais a pedido de do deputado americano  Jeff Miller, um republicado ultradireitista próximo ao Tea Party cujo distrito eleitoral, na Flórida, vai receber o 7º Grupo (que está sendo relocado do forte Bragg, na Carolina do Norte).
Clique aqui para ver o documento em PDF.
No México
O documento também indica que uma unidade do 7o Grupo de Forças Especiais foi empregada no México em 1996 como parte de uma missão “anti-narcóticos”.
As revelações no documento são importantes porque até o momento nem o Pentágono nem o Departamento de Estado confirmavam que soldados de forças especiais americanos haviam atuado em território mexicano.
Isso porque a atuação direta de soldados americanos de operações especiais dentro do México traz um risco político, colocando em risco a vida desses militares caso sejam descobertos por cartéis do tráfico. A revelação também pode estremecer as relações com o presidente mexicano Felipe Calderón, cada vez mais criticado pela desastrosa política de combate ao narcotráfico.
O 7o Grupo de Forças Especiais tem atuado fortemente desde 1980 na América Latina, de acordo com o documento e também com outras fontes. Ele participou em numerosas missões de “contra-insurgência” na América Central e na invasão do Panamá, no final de 1989.
Também tem sido bastante atuante ao longo dos anos em missões de combate às drogas na Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolívia. Entre as operações mais notórias em que o grupo atuou está o resgate em julho de 2008 da política colombiana Ingrid Bittencourt e de três contratistas do Departamento de Defesa dos EUA, que estavam sequestrados pelas FARC.
A partir de uma fonte da CIA, o Narconews já havia denunciado a existência de operações encobertas de tropas especiais americanas dentro do México.
A reportagem explicava que “a unidade americana Força Tarefa 7, desde o começo de 2009, de acordo com o agentes da CIA, ajudou a descobrir um depósito em Cuidad Juárez cheio de munições americanas que estava sob o controle de narcotraficantes; ajudou a providenciar inteligência que levou à invasão pela polícia mexicana de uma oficina ilegal em Juárez que produzia uniformes militares falsos; trabalhou com militares mexicanos para descobrir um cemitério clandestino perto de Las Palomas, México, cidadezinha próxima à fronteira, ao sul da cidade americana de Columbus, no estado de Novo Mexico. Além disso, nos bastidores, a Força Tarefa cooperou com militares mexicanos na busca de um chefe do narcotráfico, Arturo Beltran Leyva – que foi morto por forças especiais da marinha mexicana em dezembro de 2009 durante uma operação em um apartamento de luxo na cidade de Cuernavaca”.
A informação foi dada ao Narconews por um ex-agente da CIA, Tosh Plumlee, antigo piloto contratista que tinha grandes conexões com o mundo subterrâneo, com o intuito de proteger os membros da Task Force 7. Plumlee disse ao Narconews que os traficantes já sabiam que membros da força-tarefa estavam no país e por isso eles haviam se tornado alvos do tráfico. Contar à imprensa poderia protegê-los e forçar as autoridades americanas a buscar o alvo do vazamento da informação.
O organização WikiLeaks publicou recentemente um telegrama do Departamento de Estado dos EUA revelando que a unidade da marinha mexicana que conduziu as operações contra o “capo” Beltran Leyva “recebeu extensivo treinamento dos EUA” — mais uma evidência do envolvimento das forças especiais americanas na guerra às drogas no México.
O mesmo telegrama observa que o assassinato de Beltran Leyva iria, a curto prazo, levar a um aumento da violência relacionada ao narcotráfico “já que as batalhas entre os cartéis vão ser intensificadas pela falta de uma liderança em um dos cartéis mais importantes do país.”
No México, a guerra contra as drogas já levou à morte de mais de 40 mil pessoas desde 2006. Centenas de pessoas chegaram nesta quinta-feira, dia 9 de junho, a Cuidad Juárez, na fronteira com os Estados Unidos, em protesto contra a violência gerada pela guerra.
A marcha, que percorreu 3.000 quilômetros, está sendo liderada pelo poeta Javier Sicilia, que perdeu seu filho junto com seis amigos em uma chacina no final de março deste ano.
A chacina aconteceu na cidade de Cuernavaca, próxima à capital – na mesma região onde o capo Beltran Leyva foi assassinado.
No Brasil
De acordo com o briefing, o Grupo de Forças Especiais participou de três atividades no Brasil em 2009. Primeiro foi a visita do chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas dos Estados Unidos, Almirante Mike Mullen, que visitou o país nos dias 2 e 3 de março para conhecer a estrutura de defesa de Amazônia.
Acompanhado pelo ministro da defesa Nelson Jobim, Mullen viajou em um avião da FAB até o Pelotão de Fronteira de Ipiranga, na divisa com a Colômbia.
Mullen também ouviu um relato sobre a atuação do Centro de Instrução de Guerra na Selva, criado em 2 de junho de 1964 – dois meses depois do golpe militar – com a ajuda de Grupos de Forças Especiais americanos. O Centro foi fundado pelo Coronel Jorge Teixeira de Oliveira, que fora treinado na Escola das Américas.
No mesmo ano de 2009, dois soldados de Forças Especiais fizeram o treinamento de selva – os primeiros americanos a serem treinados no Centro em 10 anos. Um deles, o oficial Javier Alejandro, é descrito como “um oficial de Forças Especiais altamente treinado e com muita experiência” que fala português fluentemente e é membro do mesmo 7 Grupo de Forças Especiais, segundo um release do comando militar americano.
“Agora, 40 anos depois, a parceria entre os Estados Unidos e o Brasil completam o ciclo”, afirma o release.
Membros do 7o Grupo de Forças Especiais também participaram da competição Fuerzas Comando 2009, realizado em junho em Goiânia, que reuniu 300 militares altamente treinados de 21 países.
Financiada pelo Comando do Sul do Departamento de Defesa dos EUA, a competição acontece todo ano em um país diferente e visa “promover as relações entre militares, aumentar a interoperabilidade e melhorar a segurança regional”. A edição brasileira foi a 6ª e contou com 150 militares americanos.
Por Bill Conroy, do Narconews

domingo, 12 de junho de 2011

Indignados do 15-M: das praças às ruas na Espanha

Após alguns dias de relativo esquecimento midiático, os protestos dos "indignados" espanhois voltaram a frequentar as manchetes neste final de semana. Em mais de 50 cidades da Espanha, como Madrid, Lleida, Vigo, Coruña, Murcia, Zaragoza, Alicante, Valencia y Valladolid, os "indignados" realizam manifestações frente às prefeituras onde neste sábado tomam posse os vencedores das últimas votações, a maioria pertencente a partidos de direita. Em Madri, os protestos foram reprimidos violentamente pela polícia. O artigo é de Fabíola Munhoz, direto de Barcelona.

Passados dias de relativo esquecimento dos protestos iniciados com o 15-M por parte dos meios de comunicação, até então mais preocupados em divulgar o resultado das eleições municipais espanholas, o movimento volta a estampar as páginas das principais agências de notícia do país.

Isso acontece quando em mais de 50 cidades da Espanha, como Madrid, Lleida, Vigo, Coruña, Murcia, Zaragoza, Alicante, Valencia y Valladolid, os indignados realizam manifestações frente às prefeituras onde hoje tomam posse os vencedores das últimas votações, a maioria pertencente a partidos de direita.

Em Madrid, os protestos foram reprimidos violentamente pela policía, que impedia o acesso dos manifestantes à Plaza de la Villa, onde fica a sede do governo da capital. Ainda assim, dezenas das cerca de 1000 pessoas que participavam do ato de rebeldia, resistiram sentadas diante do estacionamento da prefeitura, para impedir a saída de veículos oficiais depois do fim da cerimônia, o que aumentou a tensão entre os manifestantes e os agentes da Guarda Urbana.

O episódio acontece depois de outros conflitos violentos nas cidades espanholas de Salamanca, onde, na noite de ontem, cinco integrantes do 15-M foram feridos em confronto com agentes policiais, e Valladolid, em que três jovens indignados foram agredidos por um grupo que, segundo a Polícia Nacional, não faz parte do seu contingente.

Já em Valencia, a manhã da última quinta-feira foi marcada por uma manifestação dos indignados frente ao Parlamento regional, em repúdio ao início da nova legislatura, formada por dez deputados acusados de corrupção. A repressão a esse protesto resultou em 18 feridos e cinco detidos, além de ter gerado outras manifestações solidárias em Barcelona e Madrid.

Na Praça Catalunha, os acampados organizaram uma marcha na tarde da quinta-feira, para chamar a atenção da sociedade aos embates que haviam ocorrido na capital valenciana pela manhã. Simultaneamente, um debate teórico sobre auto-organização e assembléias cidadãs era realizado no centro da praça.

Ali, um senhor estudioso do tema, chamado Fernando Cardozo, indicava como principais causas da falência de uma organização ou associação cidadã, a repressão, o isolamento e as rupturas internas do movimento, que poderiam ser provocadas por: dificuldade na administração de discordâncias entre os militantes, falta de eficácia e consenso no processo de decisões coletivas, bem como ausência de horizontalidade que permita a real participação de todos.

Em seguida, ao invés de Assembleia Geral, houve um debate sobre a crise financeira, iniciado com a fala de um especialista em Economia Imobiliária chamado Ricardo Vergés, que explicou as causas da recessão econômica na Espanha a partir de dados divulgados pelo Banco Espanhol e pelo FMI. Se pudesse resumir o exposto por ele, o que faria com falhas e distorções inevitáveis em qualquer tentativa de simplificar a realidade, diria que as estatísticas oficiais comprovam que a maior dívida espanhola hoje é privada, e não pública. Esse dinheiro de particulares, investido em imóveis e obtido em hipotecas, de acordo com o economista, teria vindo de fora, ou seja, seria fruto de investimentos realizados por países com liquidez de moeda excessiva, como a Alemanha, que coincidentemente hoje cobra superávit do governo da Espanha para "resgatar" sua economia.

“Por isso tudo, não sou contra o capital, nem contra o mercado. Essas coisas sempre fizeram parte da vida do homem. O que causa a crise que a gente vê hoje é a perda de confiança nas instituições financeiras e a desinformação da sociedade”, disse Vergés.

Toda essa agitação de ideias em debate e pessoas tomando as ruas responde a um questionamento que pairava no ar, desde a sinalização de que as últimas eleições em Espanha, Portugal e França teriam a vitória de partidos de direita como resultado da abstenção dos indignados ao voto. “Como e por que lutariam os participantes do 15-M nesse novo cenário?”

Na quarta-feira, havia perguntado a dois jovens integrantes da Comissão de Educação da Acampada em Barcelona, qual sua visão futura do movimento, quando, com a retomada do poder pela classe política mais conservadora, provavelmente seria mais difícil alcançar respostas a suas reivindicações, por meio de diálogo com o governo e outras vias institucionais.

“Se ganha o partido socialista ou o de direita, não faz diferença. São todos bonecos manipulados pelos interesses de grandes empresas. Nosso objetivo é lutar contra a atual lógica econômica e contra essa estrutura de poder, que permite a corrupção. Talvez eu mesmo fosse corrupto se chegasse a ser governante dentro do sistema político que funciona hoje”, respondeu um dos jovens.

Essa opinião foi expressa no dia em que outra Assembleia Geral seria realizada para discutir, dentre outros temas, uma grande manifestação internacional, articulada por todas as "acampadas" europeias e prevista para o próximo dia 19. A reunião foi quente e demonstrou bem esse constante conflito de visões dos manifestantes, entre negociar com o poder e negar legitimidade às instituições. Um dos temas votados era sobre se deveria ou não ser feito um pedido de autorização do governo de Barcelona, para a realização dessa mobilização massiva.

“Nossa marcha vai acontecer de qualquer maneira, mas pensamos que é importante fazer esse aviso às autoridades, para que imigrantes sem papeis, idosos e pais que querem levar suas crianças, sintam-se seguros para participar da manifestação. Quanto mais pessoas participarem, melhor será para o movimento”, argumentava uma integrante da Comissão Jurídica da Acampada.

Depois de muitas intervenções de cidadãos contra e a favor, a ideia foi aprovada. Com a mesma dificuldade de se chegar a um acordo consensual, a Assembleia Geral de ontem (10/6), formada por poucas pessoas que não se deixaram espantar pela chuva, decidiram desfazer parte do acampamento da Praça Catalunha, entre hoje e amanhã. Essa ação se dará com o objetivo de concretizar a decisão coletiva do último domingo, a favor de se manter no espaço apenas uma estrutura mínima, que permita a realização de atividades diurnas, bem como a articulação e a informação do movimento.

No entanto, bastou o anúncio dessa definição, que será seguida também pelos manifestantes de Madrid, para que o jornal El País de hoje anunciasse o “desmantelamento” das acampadas de Barcelona e da capital espanhola, na Porta do Sol. O exagero simplista do uso dessa palavra para definir o que ocorrerá daqui para frente com o movimento 15-M foi rapidamente corrigido pelos indignados, que ocuparam de novo o noticiário, com as manifestações de hoje frente às prefeituras, e a reação desmedida da Polícia frente a essas revoltas.

E outros protestos são programados em Barcelona para o próximo dia 15, quando os indignados pretendem envolver o Parlamento da Catalunha com um grande cordão humano, na tentativa de impedir a votação do orçamento elaborado pelo Governo Autônomo da Catalunha, que prevê o corte de direitos sociais.

Se tudo isso gerará queda de governantes, reformas decorrentes de diálogo com os poderosos, ou a reformulação de todo um sistema político, contaminado e falsamente democrático, ainda não se sabe. Será dado um grande passo revolucionário se os indignados conseguirem, com sua força e simpatia popular, impedir que a promoção de desigualdades sociais continue a ser moeda de troca em transações perversas e dívidas imaginárias.

(*) Advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação

Foto da home: La Jornada

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Síria em turbulência: a resistência se transforma em insurreição

A revolta síria contra o governo do presidente Assad está virando uma insurreição armada, com manifestantes civis pegando em armas para lutar contra o exército e milicianos matando e torturando os que se opõem ao regime. Há cada vez mais evidências de que alguns soldados sírios estão se rebelando. A estrutura da ditadura alauita de Assad está correndo o mais grave dos perigos. A revolta armada que está espalhando-se pela Síria, é muito mais poderosa e muito mais dificil de suprimir. O artigo é de Robert Fisk.

A revolta síria contra o governo do presidente Bashar al-Assad está virando uma insurreição armada, com manifestantes anteriormente pacíficos se voltando às armas para lutar contra exército e "shabiha" - fantasmas, em português - dos milicianos que vem matando e torturando os que se opõem ao regime.

Ainda mais grave para os poderosos apoiadores de Assad: há cada vez mais evidências de que alguns soldados sírios estão se rebelando. A estrutura da ditadura alauita de Assad está correndo o mais grave dos perigos.

Em 1980, o pai de Assad, Hafez, enfrentou uma rebelião armada na cidade de Hama, que foi suprimida pelas forças especiais do irmão de Hafez, Rifaat, ao custo de 20 mil vidas. Mas a revolta armada de hoje está espalhando-se pela Síria, é muito mais poderosa e muito mais dificil de suprimir. Não surpreende que a televisão estatal venha mostrando funerais de até 120 membros das forças de segurança de apenas um lugar, a cidade de Jisr al-Shughour.

A primeira evidência de que civis estavam se armando para defender suas famílias veio de Deraa, a cidade onde a sangrenta história da revolução síria começou quando membros do serviço de inteligência prenderam e torturaram até a morte um menino de 13 anos. Sírios chegando em Beirute me disseram que os homens de Deraa haviam se cansado de seguir o exemplo das manifestações pacíficas dos descontentes de Tunísia e Egito - algo compreensível já que nenhum desses países sofreu algo comparado à supressão brutal dos soldados e milícias de Assad - e agora, por vezes, "atiram de volta" em nome da "dignidade" e para proteger suas mulheres e crianças.

Bashar e seu cínico irmão Maher - o equivalente dos dias atuais a Rifaat - podem estar apostando na antiga ideia do velho ditador de que seu regime precisa ser defendido contra grupos armados ligados a al Qaeda, uma mentira perpetrada por Kaddafi e os agora exilados lideres Ali Abdullah Saleh do Iêmen, Ben Ali da Tunísia e Hosni Mubarak do Egito.

As poucas células da al-Qaeda no mundo árabe gostariam que isso fosse verdade, mas a revolta árabe é um fenômeno do Oriente Médio não-contaminado pelo “islamismo". Apenas israelenses e norte-americanos podem se sentir tentados a acreditar no contrário.

A Al Jazeera levou ao ar ontem cenas extraordinárias de um oficial tentando convencer os seus companheiros a se recusar a continuar a massacrar civis na Síria. Identificado como tenente Abdul-Razak Tlas, da cidade de Rastan, ele disse que se juntou ao exército "para lutar contra o inimigo israelense", mas acabou presenciado um massacre de seu povo na cidade de Sanamein."Depois dos crimes que vimos em Deraa e por toda a Síria, sou incapaz de continuar com o exército árabe da Síria ", anunciou. "Está o exército aqui para proteger a família Assad e roubar? Apelo a todos os oficiais de honra para dizer a seus soldados sobre verdade, use a sua consciência ... se você tem honra, fique com Assad".

Diferenciar boatos e fatos na Síria está ficando mais fácil a cada semana. Mais sírios estão a chegando à segurança do Líbano e da Turquia para contar suas histórias pessoais de tortura e crueldade no quartel da polícia de segurança e em celas da polícia civil. Alguns ainda estão usando os telefones, de dentro da Síria - um deles para descrever explosões em Jisr al-Shughour e corpos sendo atirados no rio que dá nome à cidade.

Há um mês eu estava assistindo a um noticiário noturno da televisão síria e pelo menos metade das matérias incluía funerais de soldados. Agora a Síria declara que 120 foram mortos em um incidente, uma perda incrível para um exército que trabalha para incutir terror nas mentes dos manifestantes do país. Mas, então, o exército sírio, supostamente invencível, muitas vezes pareceu incapaz de reprimir as milícias libanesas durante a guerra civil de 1975-90 no país. Um batalhão inteiro de soldados das Forças Especiais da Síria foi expulso do leste de Beirute, por exemplo, por um grupo desorganizado de milícias cristãs que teria sido esmagado por qualquer exército profissional sério.

Se você quiser destruir civis desarmados, você atira neles na rua e, em seguida, atira neles enquanto estão em luto no funeral e, em seguida, atira quando eles velam os que velavam os primeiros mortos - o que é exatamente o que pistoleiros de Assad tem feito -, mas quando as resistências passaram a revidar, o exército sírio mostrou uma resposta muito diferente: tortura para os prisioneiros e medo diante do inimigo.

Mas se a insurreição armada toma conta, então também estão sob ameaça os onze por cento da comunidade Alawi - que uma vez foi a força de fronteira dos franceses contra os sunitas e agora o suporte de Assad contra os sunitas mais pobres. Tão estarrecido está o regime de Assad com os seus inimigos que vem encorajando os palestinos a tentar cruzar a fronteira de arame da área ocupada por Israel, Golã. Os israelenses dizem que isso é para desviar a atenção do mundo dos massacres na Síria - e eles estão absolutamente certos.

O jornal do governo, Tishrin, de Damasco tem sugerido que 600 mil palestinos em breve poderão tentar "ir para casa", para as terras palestinas de onde os israelenses os afastaram em 1948, um pesadelo que os israelenses preferem não pensar a respeito - mas não um pesadelo tão grande quanto o que o povo sírio e seus opressores enfrentam no país.

Tradução: Wilson Sobrinho

terça-feira, 7 de junho de 2011

A pensar nas eleições

Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. O artigo é de Boaventura de Sousa Santos.

Nos próximos tempos, as elites conservadoras europeias, tanto políticas como culturais, vão ter um choque: os europeus são gente comum e, quando sujeitos às mesmas provações ou às mesmas frustrações por que têm passado outros povos noutras regiões do mundo, em vez de reagir à europeia, reagem como eles. Para essas elites, reagir à europeia é acreditar nas instituições e agir sempre nos limites que elas impõem. Um bom cidadão é um cidadão bem comportado, e este é o que vive entre as comportas das instituições.

Dado o desigual desenvolvimento do mundo, não é de prever que os europeus venham a ser sujeitos, nos tempos mais próximos, às mesmas provações a que têm sido sujeitos os africanos, os latino-americanos ou os asiáticos. Mas tudo indica que possam vir a ser sujeitos às mesmas frustrações. Formulado de modos muito diversos, o desejo de uma sociedade mais democrática e mais justa é hoje um bem comum da humanidade. O papel das instituições é regular as expectativas dos cidadãos de modo a evitar que o abismo entre esse desejo e a sua realização não seja tão grande que a frustração atinja níveis perturbadores.

Ora é observável um pouco por toda a parte que as instituições existentes estão a desempenhar pior o seu papel, sendo-lhes cada vez mais difícil conter a frustração dos cidadãos. Se as instituições existentes não servem, é necessário reformá-las ou criar outras. Enquanto tal não ocorre, é legítimo e democrático atuar à margem delas, pacificamente, nas ruas e nas praças. Estamos a entrar num período pós-institucional.

Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. Os acampados não têm de ser impecáveis nas suas análises, exaustivos nas suas denúncias ou rigorosos nas suas propostas. Basta-lhes ser clarividentes na urgência em ampliar a
agenda política e o horizonte de possibilidades democráticas, e genuínos na aspiração a uma vida digna e social e ecologicamente mais justa.

Para contextualizar a luta das acampadas e dos acampados, são oportunas duas observações. A primeira é que, ao contrário dos jovens (anarquistas e outros) das ruas de Londres, Paris e Moscou no início do século XX, os acampados não lançam bombas nem atentam contra a vida dos dirigentes políticos. Manifestam-se pacificamente e a favor de mais democracia. É um avanço histórico notável que só a miopia das ideologias e a estreiteza dos interesses não permite ver. Apesar de todas as armadilhas do liberalismo, a democracia entrou no imaginário das grandes maiorias como um ideal libertador, o ideal da democracia verdadeira ou real. É um ideal que, se levado a sério, constitui uma ameaça fatal para aqueles cujo dinheiro ou posição social lhes tem permitido manipular impunemente o jogo democrático.

A segunda observação é que os momentos mais criativos da democracia raramente ocorreram nas salas dos parlamentos. Ocorreram nas ruas, onde os cidadãos revoltados forçaram as mudanças de regime ou a ampliação das agendas políticas. Entre muitas outras demandas, os acampados exigem a resistência às imposições da troika para que a vida dos cidadãos tenha prioridade sobre os lucros dos banqueiros e especuladores; a recusa ou a renegociação da dívida; um modelo de desenvolvimento social e ecologicamente justo; o fim da discriminação sexual e racial e da xenofobia contra os imigrantes; a não privatização de bens comuns da humanidade, como a água, ou de bens públicos, como os correios; a reforma do sistema político para o tornar mais participativo, mais transparente e imune à corrupção.

A pensar nas eleições acabei por não falar das eleições. Não falei?

domingo, 5 de junho de 2011

MA – Mais um atentado contra liderança da comunidade quilombola do Charco

Na noite desta sexta-feira (27), mais uma vez a comunidade quilombola de Charco, no município de São Vicente de Férrer/MA, foi vítima de atentados em virtude de sua luta pela regularização do território. Por volta das 21:00hs, a residência do vice-presidente da Associação dos Quilombolas do Povoado Charco foi alvejada com 3 tiros.
Por sorte, ninguém foi atingido. Todos estavam dormindo. Foram tiros de “alerta”: 02 na parede e um no telhado da residência. A Polícia Civil local e a Delegacia Geral de Polícia Civil do Estado já foram acionadas, e além das forças locais, delegado e policiais de São Luis estão se dirigindo para a comunidade do Charco. O Programa Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos da Presidência da República também foi informado da situação.
No espaço de uma semana, este é o terceiro atentado contra lideranças rurais das regiões Norte/Nordeste que militam em prol da regularização fundiária e do meio ambiente equilibrado. No começo da semana, um casal foi brutalmente executado quando saía do assentamento onde moravam. E ontem, no mesmo dia do atentado contra o vice-presidente da Associação do Quilombo de Charco, o líder camponês Adelino Ramos foi morto a tiros no Estado de Rondônia. Coincidência ou não, estes fatos ocorreram na semana de aprovação do relatório do Dep. Aldo Rebelo (PCdoB-SP) em favor de profundas alterações o Código Florestal brasileiro, muito comemorado pela bancada e pelos ruralistas de todos o país.
O atentado da noite desta sexta-feira se trata de mais um trabalhador rural, ameaçado na comunidade por lutar pela regularização fundiária da comunidade. No dia 30 de outubro de 2010, no mesmo local, foi executado com 7 tiros o quilombola Flaviano Pinto Neto. Outra liderança da comunidade, ameaçada de morte em diversas ocasiões, e após pressão da comunidade e das entidades da sociedade civil que acompanham o Charco, conseguiu ingressar no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. Hoje, esta liderança está protegida 24hs por uma equipe da Força Nacional, especialmente treinada para essa finalidade. Mesmo a presença de vários policiais da Força Nacional não foi capaz de intimidar os autores do atentado.
Ressalte-se que, recentemente, em decisão proferida no dia 16 de maio do corrente, bastante contestada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, CPT/MA e demais entidades da sociedade civil organizada, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, nos autos do processo 0001901-67.2011.8.10.0000, de forma unânime e conforme parecer favorável da Procuradoria Geral de Justiça do Estado, concedeu ordem de salvo-conduto à Manoel de Jesus Martins Gomes e Antonio Martins Gomes, acusados de serem os autores intelectuais do assassinato de Flaviano Pinto Neto.
Importante salientar que, antes desta recente decisão da Terceira Câmara Criminal do TJ/MA, os acusados tinham contra si mandados de prisão expedidos pelo juízo da comarca de São João Batista, que nunca foram cumpridos tendo em vista que o empresário Manoel de Jesus Martins Gomes e Antonio Martins Gomes (este, vice-prefeito da cidade de Olinda Nova/MA) permaneceram foragidos durante o período da expedição do mandado de prisão preventiva (final de março) até a recente decisão de salvo conduto expedida pelo TJ/MA. Os demais envolvidos na execução de Flaviano Pinto Neto, acusados de serem os executores, permanecem presos.
O INCRA (órgão responsável pela titulação de terras de quilombo) tem realizado vistoria no imóvel de propriedade do empresário Manoel Gomes, com a finalidade de transferir a propriedade para a comunidade, como preceitua o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em acordo judicial firmado perante a Justiça Federal do Maranhão, o INCRA tem até o mês de setembro de 2011 para finalizar os trabalhos de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade, a fim de ser definida qual o tamanho da área que será transferida para a comunidade quilombola.
Por: Igor Almeida
http://blogoutrosolhares.blogspot.com/

sábado, 4 de junho de 2011

Caricatura, eu?

Tem dias que apenas gostaria ficar na minha, sem perceber ou sentir o que acontece ao seu redor, porém percebi que é uma missão inglória rsrs. Ainda mais quando é tocado a questão das relações étnico-raciais em nosso querido País racista.
Assistindo uma fala sobre o tema etnia em uma mesa redonda no qual fiz parte, que aliás foi uma ótima iniciativa do Colégio Municipal Rui Barbosa, um vídeo de uma criança branca se pintado de barro, dizendo que queria ficar negro. Alguns risos e percepções carinhosas diante do ato do menininho veio à tona todo um processo de discussão da caricaturização no negro dentro do espaços de legitimação de identidade.
Lembro do filme de Spike Lee chamado “Bamboozled – Hora do Show” onde se é discutido o papel do negro na TV estadunidense a partir de um programa em que os negros se pintavam de carvão em uma imagem caricata para provocação do riso e escárnio em pleno século XXI, sendo que essa prática era comum no showbizz americano na década de 30 e 40 em que os pretos e brancos se pintavam de carvão para atuações.
O que talvez o filme venha mostrar é quanto o imaginário racista transforma o oprimido em algo espetaculoso, digno de imitação, mas uma imitação que beira o ridículo, justamente para afirmarção dos lugares sociais hierarquizados.
Características como beiços grandes, cor da pele, quadris largos e habilidade corporal são supertismadas, caracterizando uma verdadeira metonímia, a parte pelo todo. As características sobrepondo o que poderia ser um ser humano pleno, logo indignido do crédito devido.
Quando assisti o vídeo do garoto querendo ser negro usando barro e com uma simples ducha ele poderia deixar de ser negro, me veio a mente os relatos de pessoas usando água sanitária para tentar embranquecer. A negritude associada como sujeira em que o branco se apropria, usa a sua revelia e quando enjoa, simplesmente toma um banho.
E o negro que faz uma esforço para tentar embraquecer sua pele usando produtos químicos de limpeza? O máximo que ele vai conseguir é ter sua pele avariada, pois o negro que deseja virar branco, o destino é ser ferido, maculado, extirpado e condicionado a aceitar que sua cor realmente é tão suja que nenhum processo adianta e isso será seu eterno calvário.
Reflexões feitas, a noite transito pelo Portinho Boêmio e soube que uma banda de reggae iria tocar. Curiosidade a parte, pela som em si, espero o espetáculo acontecer e ein que me deparo com o vocalista branco pintado de preto e cantando Bob Marley. He, caricaturização, apropriação, depreciação... As reações naturalizadas das pessoas me espantava, pois estava na sua frente um ato explícito de racismo. Explícito.
Talvez embriagados por bebidas, psicótropicos ou até mesmo pelo som da banda, talvez isso tenha passado batido, mas como eu sou uma pessoa chata, pelo para mim gerou um incômodo tremendo e pude perceber nitidamente como as pseudo-elites cabofrienses enxergam o negro e cultura negra em si.
Exagerado eu? Não quero ser caricatura, não quero ser caricatura e não tomarei um banho para apagar minha negritude!!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Quais são as vidas que valem mais?

Bin Laden provocou a morte de cerca de duas mil e seiscentas pessoas nos EUA, audácia que foi punida com seu assassinato. O sérvio Radko Mladic ordenou a morte de oito mil europeus brancos e será julgado no Tribunal Penal Internacional. Bernard Munyagishari, um dos líderes do genocídio de Ruanda (foto), levou a cabo a execução de 800 mil negros africanos, numa das mais tristes tragédias do século XX. De sua captura nem se ouviu falar. Atentados no solo da potência hegemônica, genocídio de brancos na Europa e genocídio de negros na África são crimes muito diferentes? Quais são as vidas que valem mais? O artigo é de Larissa Ramina.

Por ocasião do assassinato de Bin Laden, muitas declarações de autoridades ao redor do globo atestaram que a justiça fora feita. Evidente inverdade. Não se trata de defender o terrorismo, a Al Qaeda ou o próprio Bin Laden. Por óbvio, ninguém poderá ser insensível à tragédia de 11 de setembro, nem tampouco desejar que os culpados não sejam julgados e condenados. Entretanto, para condenar é necessário julgar.

Não é possível falar em justiça quando um homem é assassinado por um comando em um país estrangeiro ao seu, ainda que seja um terrorista do calibre de Bin Laden. Trata-se da aplicação da Lei de Talião: olho por olho, dente por dente, ou em outras palavras, vingança. Ao contrário da justiça, a vingança não impõe uma investigação que confronte os fatos, a produção de provas, o trabalho de advogados e promotores, com respeito ao princípio da legalidade, da ampla defesa e do contraditório. A vingança não exige uma condenação com circunstâncias atenuantes ou agravantes, e uma pena dela resultante. Assassinar um terrorista não é, portanto, fazer justiça. É assassinato. Podemos ponderar que mesmo o julgamento de Nuremberg seria mais legítimo do que a morte de Bin Laden.

A operação norte-americana que assassinou o terrorista em Abbottabad faz lembrar a tentativa de resgate dos reféns da Embaixada dos EUA em Teerã, por ocasião da Revolução Islâmica comandada pelo Aiatolá Khomeini em 1979. Jimmy Carter, na época, orquestrou uma operação militar audaciosa que foi mal-sucedida, fazendo com que perdesse a reeleição para Ronald Reagan. Provavelmente Obama não amargará sorte semelhante, apesar de ter violado a soberania do Paquistão e princípios fundamentais do direito internacional e dos direitos humanos.

Poucos dias depois da operação em Abbottabad, a Sérvia anunciou a prisão de Radko Mladic, que será levado a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional sediado em Haia. Provavelmente a localização de Bin Laden fez com que a Sérvia, que pretende abrir caminho para uma futura adesão à União Europeia, perdesse argumentos para continuar acobertando o “Açougueiro da Bósnia” ou o “Átila dos Balcãs”.

Mladic é responsabilizado pelo massacre de Srebrenica de julho de 1995, o pior extermínio étnico perpetrado em solo europeu após a 2ª Guerra Mundial. Oito mil homens e meninos bósnios-muçulmanos foram exterminados num campo de refugiados sob proteção de trezentos soldados das Nações Unidas. Falha inexplicável, agravada pela lentidão da reação ocidental, que veio somente após três dias de matança.

Nesse mesmo dia, foi anunciada a prisão no Congo de Bernard Munyagishari, líder da milícia hutu Interahamwe e um dos responsáveis pelo genocídio de Ruanda, em 1994. Na ocasião, oitocentos mil tutsis e hutus moderados foram assassinados, e milhares de mulheres tutsis foram estupradas sob os olhos inertes da comunidade internacional. O acusado será julgado no Tribunal Penal Internacional para a Ruanda, com sede na Tanzânia, mas a notícia não mereceu a devida atenção da mídia ocidental.

Quais são as razões para tratamentos tão diferentes? Bin Laden provocou a morte de cerca de duas mil e seiscentas pessoas em solo norte-americano, audácia que foi punida com seu assassinato. Mladic ordenou a morte de oito mil europeus brancos, será julgado no Tribunal Penal Internacional, e sua captura foi festejada no Ocidente como o fim do isolamento internacional da Sérvia. Munyagishari, um dos líderes do genocídio na Ruanda, levou a cabo a execução de oitocentos mil negros africanos, numa das mais tristes tragédias do século XX. De sua captura nem se ouviu falar. Atentados no solo da potência hegemônica, genocídio de brancos na Europa e genocídio de negros na África são crimes muito diferentes? Quais são as vidas que valem mais?

(*) Doutora em Direito Internacional pela USP, Professora da UniBrasil e do UniCuritiba.