domingo, 28 de agosto de 2011

O dia em que a polícia de San Francisco imitou Mubarak

Quando os governos temem o poder do povo, reprimem, intimidam e tentam silenciá-lo, seja na Praça Tahrir ou no centro de San Francisco. Charles Blair Hill morreu dia 3 de julho depois de ser atingido por um tiro disparado pelo policial James Crowell na estação Centro Cívico do sistema de transporte público da cidade de San Francisco, conhecido como BART. Quando iria acontecer um segundo grande protesto, dia 11 de agosto, a polícia do BART tomou uma medida sem precedentes na história dos EUA: desabilitou a telefonia celular dentro do metrô. O artigo é de Amy Goodman.

O que há em comum entre o assassinato pela polícia de um morador de rua em San Francisco (EUA) e os protestos populares da Primavera Árabe, da Tunísia a Síria? A resposta é: a tentativa de eliminar os protestos que se seguiram a esses acontecimentos. Neste mundo digitalizado, a liberdade de comunicação é visualizada cada vez mais como um direito fundamental.

A comunicação aberta provoca revoluções e pode derrubar ditadores. Quando os governos temem o poder do povo, reprimem, intimidam e tentam silenciá-lo, seja na Praça Tahrir ou no centro de San Francisco.
Charles Blair Hill morreu dia 3 de julho depois de ser atingido por um tiro disparado pelo policial James Crowell na estação Centro Cívico do sistema de transporte público da cidade de San Francisco, conhecido como BART.

Aparentemente, a polícia do BART havia respondido a chamadas de denúncia acerca de um homem embriagado na plataforma de trens subterrâneos. Segundo a polícia, Hill jogou uma garrafa de vodka nos policiais e ameaçou-os com uma faca, o que teria feito Crowell disparar. Hill morreu no hospital.

O assassinato de Hill provocou imediatamente fortes protestos contra a polícia do BART, similares aos que se seguiram ao assassinato de Oscar Grant por parte do mesmo corpo policial no dia de Ano Novo de 2009. Grant estava algemado, com a cabeça contra o chão em uma plataforma do metrô. Um policial já tinha o agarrado quando outro oficial disparou a queima-roupa pelas costas e o matou. O incidente foi filmado por, ao menos, dois telefones celulares. O oficial do BART que fez o disparo, Johannes Mehserle, cumpriu uma condenação de pouco mais de sete meses de prisão pelo assassinato.

No dia 11 de julho, um massivo protesto interrompeu o serviço na estação do Centro Cívico, em San Francisco. Quando iria acontecer outro grande protesto, dia 11 de agosto, a polícia do BART tomou uma medida sem precedentes na história dos Estados Unidos: desabilitou o serviço de telefonia celular dentro do sistema de trens subterrâneos.

“Sem dúvida o que aconteceu em San Francisco estabelece um terrível precedente. É o primeiro incidente conhecido em que o governo desabilita uma rede de telefonia celular para impedir que as pessoas participem de protestos políticos”, me disse Catherine Crump, da União Estadunidense pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês). “Todos dependemos das redes de telefonia celular. As pessoas as utilizam para todo tipo de comunicação que não tem nada a ver com um protesto. Esta é realmente uma reação excessiva e exagerada da polícia”.

O corte de serviços de celulares foi defendido pelas autoridades policiais, que afirmaram se tratar de uma questão de proteção da segurança pública. As reações de ativistas pela liberdade de expressão em todo o mundo não demoraram. Aqueles que se opõem à censura começaram a utilizar a etiqueta #muBARTak no Twitter para vincular o incidente ao que aconteceu no Egito.

Quando o sitiado ditador egípcio Hosni Mubarak interrompeu o serviço de telefonia celular e de internet, os manifestantes que estavam na Praça Tahrir desenvolveram novas formas para fazer circular as notícias sobre o que estava acontecendo. Um grupo de ativistas denominado Telecomix, uma organização de voluntários que apoia a liberdade de expressão e defende uma internet livre e aberta, habilitou 300 contas de internet através da telefonia fixa e mediante conexão discada, o que permitiu a militantes e jornalistas egípcios ter acesso à internet para publicar posts, fotos e vídeos da revolução.

“Na Tunísia, Egito, Líbia e Síria estivemos muito ativos para manter a internet em funcionamento, apesar dos enormes esforços dos governos por interromper o serviço”, me disse Peter Fein, ativista da Telecomix. “A Telecomix acredita que a melhor forma de apoiar a liberdade de expressão e a livre comunicação é mediante a construção de ferramentas que possamos utilizar para assegurar o acesso a esses direitos, em lugar de esperar que os governos os respeitem”.

Assim como os grupos de ativismo hacker (popularmente conhecido como ‘hackativismo’) apoiam revoluções em diversos países, podem ajudar também os movimentos de protestos nos EUA. Como represália pela desabilitação dos celulares feita pela polícia, um coletivo de hackers descentralizado chamado Anonymus hackeou a página da BART na internet. Em um lance polêmico, Anonymus também publicou informação sobre mais de 2.000 passageiros do BART para expor as lamentáveis normas de segurança informática deste serviço.

A polícia disse que o FBI está investigando o ataque de Anonymus. Entrevistei um membro do grupo que se apresentou como “Comandante X” no Democracy Now! Sua voz foi distorcida para garantir seu anonimato. Ele me disse por telefone: “Uma pequena organização como BART mata gente inocente, duas ou três pessoas nos últimos anos, e depois ainda tem a ousadia de cortar o serviço de telefonia celular, imitando um ditador no Oriente Médio. Como se atrevem a fazer isso nos Estados Unidos da América?”.

(*) Denis Moynihan contribuiu com a pesquisa para a produção desta coluna.

(**) Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.


Tradução: Katarina Peixoto

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