domingo, 30 de outubro de 2011

Para Mano Brown, "Marighella" traz pensamento atual

Na Mostra, o filme será exibido em diversos cinemas e sessões, que vão até o dia 3 de novembro

Vivian Fernandes

O documentário “Marighella”, que conta a história desse revolucionário baiano, é um dos destaques da 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O filme tem roteiro e direção de Isa Grinspum Ferraz, sobrinha do guerrilheiro. Ela conta o que a motivou para realizar essa obra.
“O Marighella é uma grande figura da história do Brasil. E eu convivi com o Marighella dentro de casa, sem saber que o Marighella era o Marighella, para mim era o tio Carlos. Então, tinha também essa vontade de saber mais sobre ele, essa figura que eu gostava muito e que, ao mesmo tempo, era o homem mais procurado do Brasil [durante a ditadura militar]”.
O longa conta sua trajetória de militância no Partido Comunista Brasileiro, prisão na era Vargas e a atuação como deputado. Marighella foi morto durante a ditadura civil-militar pelo delegado Sérgio Fleury. A obra traz depoimentos de militantes de esquerda que lutaram ao lado dele e de sua companheira Clara Charf.
Na trilha sonora há a música de Mano Brown chamada “Marighella”, composta especialmente para o filme. O rapper fala sobre as semelhanças entre o pensamento marighellista e o de outros lutadores.
“A gente consegue ver rápido ali a filosofia dos caras que a gente gosta também. Com o Malcon X, você vê a rebeldia do 2pac, o Public Enemy ali, você vê Zumbi, você vê os caras contemporâneos nossos do dia a dia, o cara que têm aquela bravura, tem aquela mente. Você consegue ver fragmentos do Marighella por aí”.
Na Mostra, o filme será exibido em diversos cinemas e sessões, que vão até o dia 3 de novembro. 2011 é o ano em que Carlos Marighella completaria 100 anos de vida.

*com entrevistas de Nina Fidelis

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ocupado canteiro de obras da usina de Belo Monte

Mais de 600 indígenas, pescadores, ribeirinhos e populações ameaçadas pelos impactos sociais e ambientais ocupam o empreendimento



Renato Santana,de Brasília

O canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira (PA), está ocupado por mais de 600 indígenas, pescadores, ribeirinhos e populações ameaçadas pelos impactos sociais e ambientais do grande empreendimento. A ocupação começou na madrugada desta quinta-feira (27).
Foto: Rebecca Sommer/ Movimento Xingu Vivo
A Rodovia Transamazônica (BR-230), a partir de trecho em frente ao canteiro, na altura da Vila de Santo Antônio, região de Altamira, está interditada e só passam veículos transportando doentes.  
Em assembleia realizada na manhã desta quinta-feira, o movimento definiu como principal reivindicação que o governo federal envie autoridades para negociar com os as populações tradicionais o fim das obras de Belo Monte.
Outra decisão tomada pelos ocupantes é que o acampamento no canteiro de obras será permanente e desde já convocam outras entidades e movimentos a cerrarem fileiras nessa luta que, conforme os manifestantes, não irá parar.
Todo o processo de ocupação ocorreu de forma pacífica e é fruto das discussões entre os povos tradicionais durante o seminário “Territórios, ambiente e desenvolvimento na Amazônia: a luta contra os grandes projetos hidrelétricos na bacia do Xingu”.
Com o encontro, se pretendia analisar a conjuntura em torno de Belo Monte e discutir respostas às situações de risco e impactos geradas pela usina. As mesas de debate foram suspensas em vista da ação de ocupação do canteiro de obras.
São 21 povos indígenas envolvidos na mobilização. “Para mim, as pessoas que estão querendo fazer essas usinas, são uma doença. São um câncer que vai matar o planeta. Nós somos o remédio para essa doença!”, disse Davi Gavião que segue: “Sou filho de quem foi impactado por uma usina. Faz 35 anos que nosso povo foi retirado da sua área e até agora estamos lutando por uma indenização. Faz 35 anos! Essa Belo Monte vai trazer muitos impactos também. Temos que lutar contra todas as barragens! (sic)”.
Entre os pescadores, Raimundo Braga Nunes: “Tenho certeza que depois de Belo Monte vou ser obrigado a mudar de trabalho, porque peixe não vai ter. Vai morrer, ou vai migrar. Eu não me calo, estou pronto para brigar, preparado. Convido nossos amigos indígenas para somar forças para proteger nosso rio. O Xingu é nosso pai e mãe”.
Foto: Rebecca Sommer/ Movimento Xingu Vivo
Decisão adiada
Nesta quarta-feira (26), as populações impactadas viram o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Fagundes de Deus votar contra a Ação Civil Pública que pede a paralisação das obras de Belo Monte. Conhecedor do setor energético, o desembargador se posicionou tendo como base a experiência adquirida na área, pois já advogou para a empresa Eletronorte.  
Impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF), a ação é um recurso de apelação onde se pede o cancelamento do licenciamento ambiental e a inconstitucionalidade do Decreto 788/2005 do Congresso Nacional – que libera a obra sem a realização da consulta de boa fé aos povos indígenas do Xingu e populações tradicionais, tal como diz a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A desembargadora Maria do Carmo Cardoso, terceira a votar a matéria durante a sessão desta quarta-feira doTRF-1, em Brasília (DF), pediu vistas da Ação Civil Pública e interrompeu o julgamento – programado para entrar em pauta no dia 9 de novembro.  
Dessa forma, a ocupação é também uma resposta a postura da Justiça que apesar de todas as irregularidades, 11 ações denunciando ilegalidades no processo de Belo Monte em tramitação, além de pareceres contrários à obra trabalhados por um painel de especialistas e MPF, não interrompe as obras. Sobretudo, não reconhece a e leva em conta a opinião das comunidades que agora ocupam o canteiro.

Primeiro voto: a favor da ação
O primeiro voto dos desembargadores do TRF-1, no último dia 17, declarou inválidas a autorização e licença ambiental para Belo Monte.  
“É de nenhuma eficácia a autorização emitida pelo parlamento”. Com essas palavras a desembargadora Federal Selene Maria de Almeida desqualificou o Decreto Legislativo nº 788/2005 do Congresso Nacional que autorizou a construção da usina de Belo Monte. Ela considerou igualmente inválido o licenciamento ambiental de Belo Monte.
Num voto elaborado e denso, a desembargadora acatou a maioria dos pontos apresentados pelo MPF/PA, sendo o argumento mais importante o fato de as comunidades indígenas afetadas pela usina de Belo Monte não terem sido consultadas a respeito, conforme mandam a Constituição Federal e tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2004 (Decreto nº 5.051/2004).
Ela não deixou dúvidas sobre a necessidade das oitivas: “A Constituinte prescreve que sejam ouvidas as comunidades indígenas afetadas. Para protegê-las”. Em seu voto, Selene reafirmou o posicionamento já adotado pelo TRF-1 quando da primeira avaliação da matéria, em 2006.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Matemáticos revelam rede capitalista que domina o mundo

Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global. A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça. Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.

Nota introdutória publicada por Ladislau Dowbor em sua página:

The Network of Global Corporate Control - S. Vitali, J. Glattfelder eS. Battistoni - Sept. 2011

Um estudo de grande importância, mostra pela primeira vez de forma tão abrangente como se estrutura o poder global das empresas transnacionais. Frente à crise mundial, este trabalho constitui uma grande ajuda, pois mostra a densidade das participações cruzadas entre as empresas, que permite que um núcleo muito pequeno (na ordem de centenas) exerça imenso controle. Por outro lado, os interesses estão tão entrelaçados que os desequilíbrios se propagam instantaneamente, representando risco sistêmico.

Fica assim claro como se propagou (efeito dominó) a crise financeira, já que a maioria destas mega-empresas está na área da intermediação financeira. A visão do poder político das ETN (Empresas Trans-Nacionais) adquire também uma base muito mais firme, ao se constatar que na cadeia de empresas que controlam empresas que por sua vez controlam outras empresas, o que todos "sentimos" ao ver os comportamentos da mega-empresas torna-se cientificamente evidente. O artigo tem 9 páginas, e 25 de anexos metodológicos. Está disponível online gratuitamente, no sistemaarxiv.org

Um excelente pequeno resumo das principais implicações pode ser encontrado no New Scientist de 22/10/2011 (e está publicado a seguir).


(*) O gráfico em forma de globo mostra as interconexões entre o grupo de 1.318 empresas transnacionais que formam o núcleo da economia mundial. O tamanho de cada ponto representa o tamanho da receita de cada uma

A rede capitalista que domina o mundo
Conforme os protestos contra o capitalismo se espalham pelo mundo, os manifestantes vão ganhando novos argumentos.

Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global.

A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça

Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.

"A realidade é complexa demais, nós temos que ir além dos dogmas, sejam eles das teorias da conspiração ou do livre mercado," afirmou James Glattfelder, um dos autores do trabalho. "Nossa análise é baseada na realidade."

Rede de controle econômico mundial
A análise usa a mesma matemática empregada há décadas para criar modelos dos sistemas naturais e para a construção de simuladores dos mais diversos tipos. Agora ela foi usada para estudar dados corporativos disponíveis mundialmente.

O resultado é um mapa que traça a rede de controle entre as grandes empresas transnacionais em nível global.

Estudos anteriores já haviam identificado que algumas poucas empresas controlam grandes porções da economia, mas esses estudos incluíam um número limitado de empresas e não levavam em conta os controles indiretos de propriedade, não podendo, portanto, ser usados para dizer como a rede de controle econômico poderia afetar a economia mundial - tornando-a mais ou menos instável, por exemplo.

O novo estudo pode falar sobre isso com a autoridade de quem analisou uma base de dados com 37 milhões de empresas e investidores.

A análise identificou 43.060 grandes empresas transnacionais e traçou as conexões de controle acionário entre elas, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.

Poder econômico mundial
Refinando ainda mais os dados, o modelo final revelou um núcleo central de 1.318 grandes empresas com laços com duas ou mais outras empresas - na média, cada uma delas tem 20 conexões com outras empresas.

Mais do que isso, embora este núcleo central de poder econômico concentre apenas 20% das receitas globais de venda, as 1.318 empresas em conjunto detêm a maioria das ações das principais empresas do mundo - as chamadas blue chips nos mercados de ações.

Em outras palavras, elas detêm um controle sobre a economia real que atinge 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo.

E isso não é tudo.

Super-entidade econômica
Quando os cientistas desfizeram o emaranhado dessa rede de propriedades cruzadas, eles identificaram uma "super-entidade" de 147 empresas intimamente inter-relacionadas que controla 40% da riqueza total daquele primeiro núcleo central de 1.318 empresas.

"Na verdade, menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira," diz Glattfelder.

E a maioria delas são bancos.

Os pesquisadores afirmam em seu estudo que a concentração de poder em si não é boa e nem ruim, mas essa interconexão pode ser.

Como o mundo viu durante a crise de 2008, essas redes são muito instáveis: basta que um dos nós tenha um problema sério para que o problema se propague automaticamente por toda a rede, levando consigo a economia mundial como um todo.

Eles ponderam, contudo, que essa super-entidade pode não ser o resultado de uma conspiração - 147 empresas seria um número grande demais para sustentar um conluio qualquer.

A questão real, colocam eles, é saber se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente.

Eles suspeitam que as empresas podem até competir entre si no mercado, mas agem em conjunto no interesse comum - e um dos maiores interesses seria resistir a mudanças na própria rede.

As 50 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas

Barclays plc
Capital Group Companies Inc
FMR Corporation
AXA
State Street Corporation
JP Morgan Chase & Co
Legal & General Group plc
Vanguard Group Inc
UBS AG
Merrill Lynch & Co Inc
Wellington Management Co LLP
Deutsche Bank AG
Franklin Resources Inc
Credit Suisse Group
Walton Enterprises LLC
Bank of New York Mellon Corp
Natixis
Goldman Sachs Group Inc
T Rowe Price Group Inc
Legg Mason Inc
Morgan Stanley
Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
Northern Trust Corporation
Société Générale
Bank of America Corporation
Lloyds TSB Group plc
Invesco plc
Allianz SE 29. TIAA
Old Mutual Public Limited Company
Aviva plc
Schroders plc
Dodge & Cox
Lehman Brothers Holdings Inc*
Sun Life Financial Inc
Standard Life plc
CNCE
Nomura Holdings Inc
The Depository Trust Company
Massachusetts Mutual Life Insurance
ING Groep NV
Brandes Investment Partners LP
Unicredito Italiano SPA
Deposit Insurance Corporation of Japan
Vereniging Aegon
BNP Paribas
Affiliated Managers Group Inc
Resona Holdings Inc
Capital Group International Inc
China Petrochemical Group Company

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

sábado, 22 de outubro de 2011

Tem aldeia no hip hop

Primeiros rappers Guarani Kaiowá lançam disco inspirado no ritmo afro-americano

21/10/2011

Cristiano Navarro
de Dourados (MS)

Brô MC’s, primeiro grupo de rap indígena no Brasil a lançar um disco
Foto: Divulgação
Na apresentação de um trabalho de escola sobre meio ambiente, Bruno começou a rimar. No ano de 2005, o improviso com as palavras era apenas uma brincadeira que o aluno Guarani Kaiowá da escola Araporã, da terra indígena de Dourados, gostava de fazer com seus colegas no recreio. Hoje Bruno é o líder do Brô MC’s, primeiro grupo de rap indígena no Brasil a lançar um disco.
E o que canta o Brô MC’s? Segundo eles mesmos, canta rap com compromisso. “A gente canta nossa realidade, porque a mentira não cola com a nossa cara”, afirma Bruno.
Com mais de 11 mil pessoas vivendo em 3,5 mil hectares, a reserva indígena de Dourados está longe da imagem idílica de uma aldeia espaçosa de natureza exuberante e muito próxima da realidade das favelas das grandes cidades. Consumo de drogas, trabalho infantil e altos índices assassinatos estão presentes no cotidiano dos jovens do Brô. E no entorno de sua aldeia, a restrição do acesso aos seus territórios, o preconceito e o racismo da sociedade envolvente. “A gente tenta mostrar a verdade do que a acontece na aldeia, na nossa comunidade. O pessoal da aldeia quando vai para a cidade sofre muito preconceito, os lugares que fecham a porta na cara dos índios. Isso a gente coloca no rap. Na verdade o rap já um protesto” explica Clemerson, irmão de Bruno.
Mas o caminho até o primeiro disco demo foi longo. Os irmãos Clemerson e Bruno iniciaram sua carreira artística descobertos durante as gravações do filme Terra vermelha, do diretor Marco Bechis, sobre a luta pela reconquista do território, quando compuseram a primeira letra “Saudação da Aldeia”. Mais tarde, em parceria com o grupo Fase Terminal, a música recebeu uma base e outro nome, “Yankee No”. “A música era um canto que o pajé do Panambizinho fazia nas gravações do filme. Daí, eu vi e modifiquei pra levada do rap”, conta Bruno.

Capaz em tudo”
Em seguida ao filme, uma oficina de hip hop organizada pela Central Única de Favelas (Cufa) aproximou outros dois irmãos, Kelvin e Charlie. Assim os quatro formaram o primeiro grupo de rap indígena brasileiro. Ao final da série de oficinas os rappers gravaram um disco demo em cima de bases de outras músicas.
No início da gravação do CD os caciques passaram a criticá-los. “Diziam que esse não era o nosso futuro. Meu avô, que é cacique, veio me perguntar por que a gente gravou isso. Foi aí que eu peguei um CD e falei ‘senta aqui que eu vou mostrar pra você. Presta a atenção nas letras. O que tá falando é coisa da nossa realidade, da nossa cultura’. E depois eu mostrei para todas as lideranças da região e mostrei a música e a letra. Numa reunião onde estavam todas as lideranças eles falaram: ‘está certo é isso mesmo que acontece’”, relata Clemerson. “Os mais velhos entenderam e sabem que a gente tem que mostrar que o índio é capaz em tudo. E pode ser professor, agente de saúde, advogado ou cantor de rap. E que nosso povo não é só isso ou aquilo, a gente é o que pode fazer a diferença”, completa o irmão.
Higor Lobo, do grupo Fase Terminal e membro do Cufa, que produziu o disco da banda, conta que a formação feita na aldeia não se dedicou apenas ao aprendizado das “técnicas” do rap, mas também à leitura crítica da realidade. Hoje, o produtor, que também é geógrafo e militante do movimento hip hop desde 1995, percebe “uma formação crítica consistente nas letras”.

Multicultural

Bruno: “A gente canta nossa realidade, porque a
mentira não cola com a nossa cara - Foto: Divulgação
Misturando letras em guarani e português, o grupo também introduziu instrumentos da música de sua etnia. “As músicas surgem em conjunto, sentado na roda, trocando altas ideias. E a bases foram usadas de outros grupos, de que a gente só modificou usando os instrumentos da aldeia mbaraka, para a base ficar legal, para diferenciar e ter a nossa cara. Porque o grupo sai da aldeia e leva o conhecimento daqui para fora”, explica Bruno.
Se no Brasil o Brô MC’s é um grande surpresa no meio do movimento hip hop, em outros países da América Latina, não. O antropólogo Spensy Pimentel, autor do Livro vermelho do Hip-Hop, chama atenção para a penetração do movimento. “A internet tem nos permitido descobrir, pouco a pouco, o quanto o movimento hip hop espalhouse pela América Latina. Até onde eu descobri, há grupos de rap cantando em língua indígena em lugares como Bolívia (aymara) e Chile (mapuche). Independente da questão linguística, a identificação étnica/racial com a matriz indígena aparece em inúmeros contextos. Há muito rap em favor das comunidades zapatistas de Chiapas, por exemplo, não necessariamente feito por quem mora nas comunidades”.
Além do ineditismo, Lobo destaca o fato de o grupo trabalhar contra os estereótipos negativos e preconceituosos. “O hip hop serve como ferramenta de acesso para as demandas deles e acesso para os não indígenas. A partir do Brô se cria outra perspectiva de protagonismo. São eles mesmos falando dos problemas deles, pra eles e pra os não índios”.

Natural
Lobo esclarece que o interesse pelo hip hop surgiu espontaneamente e não é apenas dos quatro integrantes do Brô. “Do ano de 2000 ao ano de 2008 havia um programa de rádio muito popular chamado “Ritmos da batida”, do Naldo Rocha. Logo todo o pessoal começou a ouvir o som e procurar as roupas do rap”.
Uma década depois, entre os jovens da aldeia, o movimento hip hop avança. O sucesso do Brô fez nascer uma série de grupos de break, grafite e novas bandas rap. “Tem grupos novos na aldeia e em outras também. Grupos de break e até um pessoal que tirou o desenho do papel para por na parede”, diz Bruno.
E o sucesso do Brô tem ultrapassado os limites do seu povo. “Agora a gente toca nas rádios, principalmente no programa Blackout, na rádio AM Tupinambá. Os pedidos vêm de fãs da cidade, especialmente das universidades locais”, comenta Clemerson, entusiasmado.
Além da realidade urbanizada da aldeia de Dourados com a qual convivem os rappers, outro tema é importante para o grupo. “Nossas letras falam muito das lideranças que morreram nas áreas de conflito. Muitas vezes a gente recebe notícias, relatos e vídeos contando como foram esses confl itos. Como o vídeo que assistimos sobre o confl ito em Paranhos e aí mostraram a expulsão das famílias que foram retiradas. Os pistoleiros chegaram atirando, contra os velhos, contra as crianças e xingavam os Guarani dizendo que eram porcos, que só queriam a terra para sujar. Isso para gente é tema pra música”.

Além do MS
Fora do Mato Grosso do Sul, o Brô se apresentou em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, onde ganhou o respeito de artistas reconhecidos. “A gente tem parceiros que moram longe. Lá em São Paulo, a gente conheceu o Xis, que acolheu o grupo. Em Brasília, o Gog ajudou a gente para caramba. Foi bem bacana ouvir ele dizer: ‘segue em frente, que essa é a realidade que vocês têm que mostrar para o mundo e através disso mudar a vida de outras pessoas’”, lembra Bruno. Alguns destes parceiros citados pelo rapper devem aparecer no próximo disco do grupo. Além dos parceiros, o próximo disco deve ter produção e distribuição profi ssionais e 80% das faixas serão cantadas só em Guarani.
Perguntados sobre influências, os nomes que surgem são Racionais MC’s, Gog, MV Bill, A Família, Dexter, Fase Terminal, no Brasil. Internacionais são Notorious B.I.G., Tupac Shakur, Eminem e até um artista mais pop como Chris Brown. Outros ritmos, não. “A gente é rap na veia”, brinca Clemerson. “Mas claro, tudo na levada do Guaxiré [dança típica]”, ressalta o irmão.


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Mina de urânio ameaça contaminar famílias na Bahia

Relatório atesta população pode estar ameaçada pela exploração da matéria prima do combustível nuclear
13/10/2012


Jorge Américo
da Radioagência NP


A população rural de Caetité e dos municípios vizinhos de Lagoa Real e Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, continua preocupada com os problemas que a única mina de urânio em operação no Brasil pode causar. Um relatório elaborado pela Plataforma Dhesca atesta que os direitos à moradia, ao território e à alimentação adequada estão ameaçados pela exploração da principal matéria prima do combustível nuclear.

A socióloga Marijane Lisboa afirma que a contaminação radioativa dos poços artesianos – que foram interditados e posteriormente liberados em circunstâncias duvidosas – seria apenas um dos indícios sobre os graves riscos para a saúde da população.

“Eles não têm acesso aos laudos. As informações são contraditórias. Também falta água. Existem os acidentes nas explosões que eles escutam e que depois ninguém diz o que aconteceu. Já que eles estão em uma região uranífera e ao lado de uma mina que tem esse tipo de atividade, essa população deveria ter na cidade um apoio no que diz respeito ao monitoramento da saúde, coisa que não existe.”

Após ouvir relatos de moradores, a relatora concluiu que os direitos à atividade econômica também estão diretamente afetados. Os agricultores não conseguem comercializar a produção nos mercados locais, pois existe receio quanto ao risco de contaminação dos alimentos.

Lucas Mendonça, funcionário da INB (Indústrias Nucleares Brasileiras) – estatal que administra a mina – relata que a sensação de insegurança é constante.

“Desde o meu primeiro dia de trabalho eles tentam encobrir. Dizem que não tem problema nenhum trabalhar com urânio, que o trajeto de Caetité a mina (40 quilômetros) é mais perigoso. Mas as pessoas trabalham, vão se informando e percebendo que o processo não era para ser feito daquela forma. A empresa não diz nem que dose de radiação eu tomo.”

sábado, 15 de outubro de 2011

"Contra o poder financeiro, político, militar e midiático"

Há uma semana, centenas de indignados vindos de toda a Europa se instalaram na capital belga para participar da Ágora Internacional Bruxelas, uma antessala da manifestação mundial que será realizada neste sábado, dia 15 de outubro. “O maior perigo que nos ameaça é a passividade”: essa é a consigna com a qual trabalha todos aqueles que vieram a Bélgica através de uma marcha de 1.200 quilômetros. A reportagem é de Eduardo Febbro, direto de Bruxelas.

A sede da revolta europeia contra o sistema financeiro, as oligarquias que conservam o poder em caixas fortes, a impunidade, a democracia sequestrada por um punhado de privilegiados e os grandes grupos de comunicação que pintam a realidade segundo a multinacional a qual pertencem está em Bruxelas. Há uma semana, centenas de indignados vindos de toda a Europa se instalaram na capital belga para participar da Ágora Internacional Bruxelas, uma antessala da manifestação mundial que será realizada neste sábado, dia 15 de outubro. “O maior perigo que nos ameaça é a passividade”: essa é a consigna com a qual trabalha todos aqueles que vieram a Bélgica através de uma marcha de 1.200 quilômetros que consta de três frentes: a Marcha Meseta, que saiu de Madri, a Mediterrânea, que saiu de Barcelona, e a Marcha Toulouse, que saiu desta cidade do sul da França.

A medida que passaram os dias convergiram para Bruxelas indignados da Grã-Bretanha, Grécia, Alemanha, Itália, Irlanda, Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda e Portugal. Os caminhantes chegaram a Bruxelas com um tesouro nas mãos: O Livro dos Povos. Na marcha em direção a Bélgica, os indignados realizaram nas localidades visitadas assembleias populares nas quais recolheram as queixas, ideias e reflexões dos habitantes.

Miguel Ángel, um dos protagonistas da Marcha Mediterrânea, ressalta que “ninguém ficará surpreso com a universalidade dos problemas recolhidos no Livro dos Povos. Desemprego, corrupção, desperdício do dinheiro público, aumento dos impostos, diminuição dos investimentos em saúde e educação, problemas ambientais. Esses são os problemas do Universo”. O livro dos povos será apresentado às instituições europeias com a mesma filosofia que desprende de um grafite pintado em um muro de Bruxelas: “nossos sonhos não cabem em vossas urnas”. Como diz um cartaz da organização ATTAC: “não somos mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros”.

Logo de saída, o movimento dos indignados rechaçou o convite do Parlamento Europeu. A Eurocâmara os convidou mas, em uma carta remetida na quinta-feira, os indignados lembram que no Livro dos Povos “estão as vozes esquecidas” e incitam os europarlamentares a participar “de maneira horizontal” nas assembleias que eles organizam. A meta, em princípio, foi difícil de concretizar em Bruxelas. Do mesmo modo que em Madri. Barcelona, Paris, Nova York ou Washington, o braço rígido do liberalismo esperou os indignados com um severo dispositivo policial.

Assim que chegaram à capital belga e se instalaram no Parque Elisabeth foram desalojados pela polícia com um forte aparato militar. A Ágora Bruxelas Internacional que deveria ser realizada ali terminou com a prisão de dezenas de pessoas até que as autoridades municipais instalaram os indignados no edifício da HUB, Hogeschool-Universiteit Brussel. Ali vivem confinados há uma semana.

Os cartazes escritos em vários idiomas testemunham o espírito que rodeia esse encontro que, ao longo da semana, debateu e elaborou propostas sobre os problemas do planeta. ‘Bem vinda dignidade”, “Resistir não é um crime”, “Seja você mesmo a mudança que quer para o mundo”, “Regras para nós, ouro para eles”, dizem as consignas. Pierre, um indignado francês que partiu de Toulouse, celebra o apoio popular recebido ao longo do caminho e repudia as operações policiais: “as pessoas se aproximam de nós, nos animam, dão água, comida, compartilham nossos problemas. Na verdade, estamos todos no mesmo barco: sem trabalho, pagando aluguéis de mansão por um apartamento que é uma caixa de fósforos, com salários ridículos e um sistema financeiro cujos delinquentes seguem livre e festejando a catástrofe que provocaram. Foi uma marcha dura, a cada dia tendo que encontrar um lugar onde comer e dormir. Além disso, a maioria dos indignados são pessoas que estão sem trabalho, temos poucos recursos, mas seguimos adiante”.

Sábado, 15 de outubro, é o grande dia. Depois da Jornada Internacional do Anticapitalismo realizada dia 12 de setembro em Bruxelas, o sábado é o dia de ir “juntos por uma mudança global”. “A resposta das pessoas superou nossas expectativas”, diz Irene, uma jovem integrante da Ágora Internacional Bruxelas. As cifras falam por si só: 900 cidades do mundo, de 93 países, responderam ao chamado. O manifesto elaborado para este 15 de outubro, traduzido em 18 idiomas, incluindo o hebraico e o japonês está acessível na página http://15october.net/pt e destaca que “os poderes estabelecidos atuam em benefício de uns poucos, ignorando a vontade da grande maioria, sem se importar com os custos humanos ou ecológicos a pagar. É preciso por um fim a esta intolerável situação”.

Jon Aguirre Such, porta-voz de Democracia Real Já, da Espanha, explica que as manifestações mundiais e a concentração emblemática em Bruxelas, são feitas contra quatro poderes: o financeiro, o político, o militar e o midiático. Bancos, agências de classificação de risco, paraísos fiscais, dirigentes políticos, a OTAN e os grandes grupos de comunicação encarnam o lado obscuro da modernidade. Mais profundamente, o eurodeputado irlandês Paul Murphy, integrante do grupo Confederação da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu, destacou a forma pela qual as revoluções árabes influenciaram as mobilizações no Ocidente: “as revoltas do mundo árabe nos ensinaram o poder do povo”.

Daí a proposta dos organizadores das marchas para quando alguém se aproxima e pergunta: “quem está por trás disso tudo”. A resposta é muito simples: “eu”. Todos esses “eu” já estão no Twitter (#soy150) explicando por que chegou a hora de lutar pela mudança: “porque acredito na humanidade e em sua capacidade de mudar o mundo”, escreve Blanca Mundele. Paco Arnau escreve no Twitter: “porque é preciso apontar os culpados: grandes empresários e banqueiros, e não só seus lacaios na política e no governo”. Lily anota: “porque já é hora de despertar de uma vez e mudar, tomar decisões próprias em vez de deixas que as tomem por nós”.

A coordenação mundial do 15-O elaborou um mapa interativo das marchas mundiais (http://map.15october.net/). A página do 15-O no Facebook também oferece muita informação adicional sobre um evento que, nos últimos dias, acelerou sua densidade planetária (https://www.facebook.com/15octobernet?sk=wall).

Cegos e surdos ante à desigualdade, a pobreza, a destruição do planeta, o crime financeiro, a exploração dos trabalhadores, a eliminação das classes médias, a fome, a corrupção e a impunidade, os poderes do mundo terminarão algum dia renunciando frente à onda de protestos. Esse é o sonho de Jean Claude, de apenas 17 anos, um estudante belga que pintou em um muro do centro da cidade uma mensagem com futuro: “o que dizemos hoje, será trovão amanhã”.

Bruxelas: uma oficina social
As mensagens que circulam no Twitter tornam-se realidade em Bruxelas. “Indignados, na rua, em vez de calar a boca, é melhor uma oficina a céu aberto”, diz um cartaz colocado na porta da sede do banco BNP Paribas, onde os indignados organizaram uma oficina a céu aberto sobre o tema “As mulheres da Europa são as verdadeiras credoras da dívida pública”. Segundo os promotores da oficina, a crise e os consequentes planos de austeridade não farão senão aumentar as já visíveis desigualdades de gênero.

Na Bélgica, por exemplo, as diferenças salariais entre homens e mulheres de alta qualificação chegam a 21%. Alfred, um indignado francês que se uniu à marcha dos indignados em Tolouse, explica: “as mulheres pagaram pela crise mais do que qualquer outra categoria. A pobreza faz delas as primeiras vítimas, as demissões nas empresas sempre começam por elas e que vem aí não indica nada melhor”.

As assembleias populares dos indignados contam com convidados “não
gratos”, segundo a expressão de Jan Slangen, membro da Ágora de Bruxelas: “Está cheio de policiais à paisana que supervisionam nossas assembleias. Isso se parece cada vez mais com um Estado policial”, disse Slagen, irritado. O tema central das marchas e das oficinas irrita os poderes europeus. Como ocorreu quando os indignados do sul chegaram a Paris, onde muitos foram detidos e brutalmente golpeados pela polícia, em cada lugar há uma calorosa recepção popular e uma mobilização policial desproporcional.

Jordi, um militante de Barcelona, acredita que “eles têm medo de nós, medo de que isso se aprofunde. Viemos reclamar tudo o que falta e denunciar os privilegiados: “democracia direta na Europa, fim do monopólio dos tecnocratas que elegemos. Queremos que as oligarquias políticas que guardam o poder a sete chaves se dissolvam”.

Tradução: Katarina Peixoto

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Zizek: o casamento entre democracia e capitalismo acabou

O filósofo e escritor esloveno Slavoj Zizek visitou a acampamento do movimento Ocupar Wall Street, no parque Zuccotti, em Nova York e falou aos manifestantes. “Estamos testemunhando como o sistema está se autodestruindo. "Quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou". Leia a íntegra do pronunciamento de Zizek.

Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma.

Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.

Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui.

Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para baixo!”

Em abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar.

Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer aqui?

Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”

É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós.

Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi lindo”.

Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?

Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo, do mesmo modo que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura.

Vão tentar transformar isso num protesto moral sem coração, um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer outsourcing ao trabalho e à tortura, depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa, permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremos ele de volta.

Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.

A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.

Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por isto devemos lutar.

O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.

Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Uma epidemia de violência assola a América Central: primeira anotação

A América Central vive uma situação limite. A economia, que nunca foi lá essas coisas, míngua rapidamente. O Estado, que sempre foi frágil, está sendo corroído. O item segurança consome, em média, 2,66% do PIB da região. Em El Salvador, chega a 11%. Só no ano passado a região investiu pelo menos quatro bilhões de dólares na luta contra o crime. Em vão. Os cartéis mexicanos dispõem de melhores armas e recursos que a polícia e o exército de vários desses países. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Em El Salvador, a cada duas horas alguém é assassinado. Doze assassinados por dia. Quase 4.400 por ano, a maioria com menos de 17 anos de idade. A taxa de homicídios é assustadora: 69 a cada cem mil habitantes. A média mundial é de 8,8. A da Europa, 3,3.

Na guerra civil que durou de 1980 a 1992, morreram em El Salvador 75 mil pessoas. Eu cobri os três primeiros anos daquela guerra, vi aquele horror. Muito daquilo ficou impregnado, intacto, na minha memória. Passaram-se 19 anos do fim da guerra. E, de lá para cá, 74 mil pessoas foram assassinadas em El Salvador. Ou seja: há 31 anos o país não teve um só instante sem a permanente maré de mortes violentas. O horror é parte do cotidiano, e dia a dia vai matando o amanhã.

Comparada, à vizinha Honduras, a taxa de homicídios de El Salvador perde: lá, chegou-se a 72 a cada cem mil habitantes. A espiral de violência não tem fim e nenhum hondurenho tem esperança num futuro que parece que não vai chegar.

Na Guatemala, que também viveu uma guerra civil de décadas e um verdadeiro genocídio de indígenas, são registrados, atualmente, 17 assassinatos por dia.

A média centro-americana é mais de dez vezes superior à européia: 34 a cada cem mil habitantes. Talvez por causa dessa média o governo da Nicarágua trombeteie, com duvidoso orgulho, que ali está a mais segura nação da América Central: sua taxa é de 13 assassinatos a cada cem mil habitantes. O governo mente (o da Costa Rica é menor), e esquece um índice cruel. Em 2010 o total dos delitos graves na Nicarágua (roubos com violência e intimidação, seqüestros, violações, agressões pesadas) chegou a 68.447. Dez anos antes, era de 26.645. As ações violentas aumentaram duas vezes e meia nesse período. País seguro? Até nisso não dá para acreditar em Daniel Ortega.

Há, é verdade, uma espécie de oásis: a Costa Rica, o país mais rico e tranqüilo da América Central. Ser o menos problemático da região, porém, não quer dizer que esteja imune a problemas e perigos sérios e graves. São, hoje, onze homicídios a cada cem mil habitantes. Há dez anos a taxa era comparável à da Europa: 3,6. O país que não tem exército vive uma tensão e um medo que desconhecia até pouco tempo atrás, quando violência era assunto dos vizinhos e ali vivia-se em paz ou quase.

De mãos dadas com a violência, outra praga se espalha pela Costa Rica: a dos dólares sujos, que expandem a corrupção e abrem espaço para enfrentamentos e disputas entre os empresários da droga. O grande embaraço da Costa Rica é começar a se parecer cada vez mais aos vizinhos.

Tome-se, por exemplo, o Panamá. A taxa de homicídios é de 33 a cada cem mil habitantes, três vezes a da Costa Rica. A corrupção é endêmica, lava-se dinheiro alucinadamente, e os reflexos dessa atividade crescente e febril se fazem sentir cada vez mais no vizinho outrora sossegado.

Ao norte e ao sul da América Central existe um foco gerador de violência e corrupção, a Colômbia e o México. Se a taxa mexicana de homicídios é bem menor que a de seus vizinhos centro-americanos (21 homicídios a cada cem mil habitantes, inferior à do Brasil, que é de 25), em algumas cidades, principalmente no norte, ela chega a níveis avassaladores. Em Ciudad Juárez, por exemplo, acontecem 170 homicídios a cada cem mil habitantes.

A Colômbia até que sossegou um pouco, quando se compara o cenário de hoje ao de quinze ou vinte anos. Mas continua gerando violência, exportando cargas pesadas de drogas, mobilizando centenas de milhões de dólares sujos.

Diante disso tudo, a esta altura, o que se tenta, urgentemente, é calcular até que ponto as forças de segurança dos países centro-americanos (polícia e forças armadas débeis, corruptas, violentas) agüentarão o tranco. Porque os cartéis mexicanos, especialmente o Los Zetas, dispõem de melhores armas e recursos que a polícia e o exército de vários desses países, se mobilizam com mais eficácia, são melhor organizados, treinados e disciplinados.

A América Central vive uma situação limite. A economia, que nunca foi lá essas coisas, míngua rapidamente. O Estado, que sempre foi frágil, está sendo corroído. O item segurança consome, em média, 2,66% do PIB da região. Em alguns países, como El Salvador, muito mais: 11%. Só no ano passado a América Central investiu pelo menos quatro bilhões de dólares na luta contra o crime. Em vão, como se pode ver.

Além disso, outros 8% do PIB regional se esvaem nas conseqüências da situação. Só em saúde gasta-se, em média, metade dessa sangria.

Há pouco tempo houve uma reunião na Guatemala, solenemente batizada de Conferência Internacional de Apoio à Estratégia de Segurança da América Central. Maior no nome que nos resultados, no encontro foi desenhada uma estratégia conjunta de segurança para a região. Sessenta países do mundo vão colaborar, e assumiram compromissos no valor de dois bilhões de dólares. É um pouco menos do que El Salvador gastou, sozinho, no ano passado.

Enquanto isso, a morte corre solta. Dois por cento dos homens centro-americanos maiores de 20 anos não chegarão aos 31. A morte mata a juventude, mata a vida, mata o futuro.

Quem vai matar a morte? Como ceifar sua foice macabra?

domingo, 9 de outubro de 2011

Ditadura no Complexo do Alemão



Militares do exército impedem imprensa de filmar no Complexo do Alemão. A equipe da Agência de Notícias das Favelas foi impedida de filmar no Complexo do Alemão, porém o editor-chefe, continuou filmando de seu celular e questiona no vídeo o comportamento dos militares que estavam todos sem identificação. Foi observado por nossa equipe que todos os militares encontrados no complexo de favelas estavam sem identificação.



No último domingo, dia 2 de outubro, o jornal A Nova Democracia divulgou imagens exclusivas que mostravam um morador do Complexo do Alemão sendo espancado por militares. No dia seguinte, nossa equipe foi ao local conversar com a vítima das agressões. Desde novembro do ano passado, o exército ocupa as treze favelas do Complexo do Alemão impondo um legítimo regime de exceção aos 200 mil moradores da região. Entre eles, está o açogueiro Denílson, nascido e criado no local. Ele conta que foi espancado durante 40 minutos e exige justiça para os militares que protagonizaram as agressões. Revoltado, o trabalhador criticou a militarização e os abusos cometidos diariamente por soldados contra moradores. Muito abatido, Denílson disse que teme sair de casa e sofrer novas agressões de militares do exército em represália às denúncias que tem feito.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A morte de Steve Jobs, o inimigo número um da colaboração

Steve Jobs morreu, após anos lutando contra um câncer que nem mesmo todos os bilhões que ele acumulou foram capazes de conter. Desde ontem, após o anúncio de seu falecimento, não se fala em outra coisa. Panegíricos de toda sorte circulam pelos meios massivos e pós-massivos. Adulado em vida por sua genialidade, é alçado ao status de ídolo maior da era digital. É inegável que Jobs foi um grande designer, cujas sacadas levaram sua empresa ao topo do mundo. Mas há outros aspectos a explorar e sobre os quais pensar neste momento de sua morte.
Jobs era o inimigo número um da colaboração, o aspecto político e econômico mais importante da revolução digital. Nesse sentido, não era um revolucionário, mas um contra-revolucionário. O melhor deles.
Com suas traquitanas maravilhosas, trabalhou pelo cercamento do conhecimento livre. Jamais acreditou na partilha. O que ficou particularmente evidente após seu retorno à Apple, em 1997. Acreditava que para fazer grandes inventos era necessário reunir os melhores, em uma sala, e dela sair com o produto perfeito, aquele que mobilizaria o desejo de adultos e crianças em todo o planeta, os quais formam filas para ter um novo Apple a cada lançamento anual.
A questão central, no entanto, é que o design delicioso de seus produtos é apenas a isca para a construção de um mundo controlado de aplicativos e micro-pagamentos que reduz a imensa conversação global de todos para todos em um sala fechada de vendas orientadas.
O que é a Apple Store senão um grande shopping center virtual, em que podemos adquirir a um clique de tela tudo o que precisamos para nos entreter? A distopia Jobiana é a do homem egoísta, circundado de aparelhos perfeitos, em uma troca limpa e “aparentemente residual”, mediada por apenas uma única empresa: a sua. Por isso, devemos nos perguntar: era isso que queríamos? É isso que queremos para o nosso mundo?
Essa pergunta torna-se ainda mais necessária quando sabemos que existem alternativas. Como escreve o economista da USP, Ricardo Abramovay, em resenha sobre o novo livro do professor de Harvard Yochai Benkler The Penguin and the Leviathan, a cooperação é a grande possibilidade deste nosso tempo.
“Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários, a cooperação está na origem das formas mais interessantes e promissoras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo. E na raiz dessa cooperação (presente com força crescente no mundo privado, nos negócios públicos e na própria relação entre Estado e cidadãos) estão vínculos humanos reais, abrangentes, significativos, dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas.”
Colaboração: essa, e não outra, é a palavra revolucionária. E Jobs não gostava dela.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Nasce um novo movimento social nos Estados Unidos

A presença de um amplo leque de sindicatos transformou o perfil do movimento iniciado por algumas centenas de jovens em Nova York, em sua maioria brancos, de universidades privadas, no dia 17 de setembro. Mudou não só em números, mas também em diversidade, gerando o que muitos líderes sindicais e comunitários estão chamando de um novo movimento social por justiça econômica. Algumas fontes policiais estimaram em mais de 10 mil os participantes da marcha e os organizadores calcularam o dobro. A reportagem é de David Brooks, do La Jornada.



Somos os 99%, gritaram juntos milhares de estudantes, sindicalistas, veteranos, imigrantes, professores e ativistas de todo tipo na primeira ação massiva contra o cobiça empresarial do 1% mais rico, a corrupção do sistema político e a desigualdade econômica que cresceu desde que o setor financeiro provocou a pior crise econômica desde a Grande Depressão.

A presença de um amplo leque de sindicatos transformou o perfil do movimento iniciado por algumas centenas de jovens, em sua maioria brancos, de universidades privadas, no dia 17 de setembro. Mudou não só em números, mas também em diversidade, gerando o que muitos líderes sindicais e comunitários estão chamando de um novo movimento social por justiça econômica. Algumas fontes policiais estimaram em mais de 10 mil os participantes da marcha e os organizadores calcularam o dobro. Na noite de quarta, ao terminar a manifestação, foram reportadas algumas detenções quando um grupo de manifestantes tentou ingressar em Wall Street.

Bob Masters, diretor político do distrito noroeste do sindicato de telefonistas CWA, declarou: Ocupa Wall Street lançou um novo movimento e juntos ganharemos. Enquanto milhares continuavam chegando à Praça Foley, no meio dos tribunais de Nova York, onde ocorreu a marcha, Masters fez um chamado pela solidariedade ao movimento. “Todos juntos estamos dizendo: já basta!”.

Todo o dia, toda a semana, Ocupa Wall Street, gritavam enquanto caminhavam pela Broadway. Entre eles estavam as filiadas ao Sindicato Nacional de Enfermeiras (com cartazes que diziam ‘Vamos curar os Estados Unidos’), trabalhadores do metrô, motoristas de ônibus do TWU e trabalhadores de lojas de departamentos do sindicato UFCW. Com a brisa, tremulavam bandeiras do sindicato de professores (UFT), dos automotrizes (UAW), do setor público (AFSCME), do setor de serviços (SEIU), de professores e pesquisadores de universidades da cidade de Nova York, como Columbia.

Também participaram da manifestação uma ampla gama de organizações comunitárias, com latinos, hindus, chineses, porto-riquenhos, dominicanos, mexicanos e árabes, entre outros, que se somaram ao ato em solidariedade. “Filipino-estadunidenses” apoiam Ocupa Wall Street, lia-se numa faixa, e outra proclamava o mesmo de parte de indígenas norteamericanos. Estudantes abandonaram as aulas em vários cursos da Universidade Estatal de Nova York para somarem-se aos protestos.

Uma multiplicidade de expressões mostrava o mosaico de cartazes feitos a mão. “Comam os ricos”, “Se o governo não pode deter Wall Street, nós o faremos”, “Quando os ricos roubam dos pobres isso se chama negócio; quando os pobres se defendem se chama violência”, “Protejam as escolas, não aos milionários”.

Circula um par de camisetas de estadunidenses com a imagem de Zapata e um jovem que esteve na Praça Liberdade desde o dia 17 de setembro mostra orgulhoso um emblema do EZLN ao saber que o La Jornada estava cobrindo a marcha.

O mesmo que ocorreu no Egito está acontecendo aqui; já não podemos aguentar mais, afirmou Hank, integrante do Sindicato de Trabalhadores do Transporte Público (TWU), quando marchava. Um turista espanhol tirava fotos da marcha e comentava com seus companheiros: olha que bonita, igual a nós.

Ao passarem por ônibus de turismo, os manifestantes gritavam: deixem de tomar fotos e unam-se a nós. Outros alertavam ao exército de policiais: vocês também são parte do 99%, venham com nós. Trabalhadores da construção que trabalham em um edifício próximo liam exemplares do jornal Wall Street Journal Ocupado.

Tudo começou quando uma marcha desde a praça ocupada a um par de quadras de Wall Street se dirigiu à Praça Foley, a umas dez quadras de distância. Ao chegar ali, se escutou um ensurdecedor grito de júbilo no momento em que se encontravam com um ato organizado pelos principais sindicatos de Nova York com organizações comunitárias. Depois dos inevitáveis discursos, ocorreu a marcha de regresso à rebatizada Praça Liberdade, movimento que levou umas duas horas pelo seu tamanho. Assim se celebrou a solidariedade entre Ocupa Wall Street, sindicatos e organizações comunitárias.

AFL-CIO: o movimento capturou a paixão de milhões nos EUA
Desde Washington, o presidente da central operária nacional AFL-CIO, Richard Trumka, fez uma declaração pública: o movimento conhecido como Ocupa Wall Street capturou a paixão de milhões de estadunidenses, que perderam a esperança nos políticos desta nação e, agora, com esses atos, falam diretamente a eles. Apoiamos os manifestantes em sua determinação de responsabilizar a Wall Street por suas ações e demandar a criação de empregos. Estamos orgulhosos que hoje em Wall Street, motoristas, pintores, enfermeiras e trabalhadores de serviços básicos unam-se a estudantes, proprietários de casas, desempregados e aos que não têm emprego fixo para fazer um chamado por mudanças fundamentais que precisam ser feitas.

Um pouco antes, os integrantes do comitê executivo – presidentes de sindicatos nacionais – tinham aprovado de maneira unânime dar apoio a Ocupa Wall Street.

Também ocorreram ações semelhantes em outras partes do país. Em Boston, centenas de estudantes e enfermeiras sindicalizadas fizeram um ato de protesto contra os altos custos da educação, as reduções orçamentárias na saúde e o que definem como controle do governo pelas corporações. Em Seattle, foram reportadas algumas prisões quando “ocupantes” se recusaram a acatar ordens de abandonar um espaço público.

Em Los Angeles, relata a agência Associated Press, houve um tratamento diferente do governo, depois que conselheiros municipais aprovaram uma resolução de apoio ao Ocupa Los Angeles, e o gabinete do prefeito Antonio Villaraigosa distribuiu 100 capas de plástico para os manifestantes se protegerem da chuva. Também ocorreram ações em Boise, Idaho e outras cidades.

Hoje esse movimento deu um giro que não só ampliou suas bases, mas que, caso essa nascente aliança entre estudantes e trabalhadores se consolide, pode transformar o panorama político dos Estados Unidos.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Back to Black: Depois de Troy Davis, quem?

Logo que Troy Davis foi executado, já se podia contar mais 27 execuções com data para ocorrer em alguns dos 34 estados norte-americanos onde a pena é aplicável. Cerca de 3.250 pessoas estão esperando na fila do corredor da morte nos EUA. Uma pesquisa Gallup, de 2010, mostrou que 64% dos norte-americanos são a favor da pena de morte, enquanto 29% se opõem – curiosamente, 34% dos que a apoiam acreditam que inocentes já foram executados injustamente.

Na noite de 16 de outubro de 1968, os velocistas norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, após terem conquistado, respectivamente, as medalhas de ouro e de bronze na prova de 200 metros rasos nos jogos olímpicos da Cidade do México, subiram ao pódio e ergueram seus punhos cerrados, em um protesto contra a situação dos afro-americanos em seu país. A imagem ficaria famosa em todo o mundo e se transformaria em marco na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Após o gesto polêmico, ambos foram expulsos da vila olímpica e banidos da delegação norte-americana. Suas trajetórias como atletas profissionais seriam interrompidas.

Exatamente uma semana antes, nascia em Savannah, no estado da Geórgia, Troy Anthony Davis, que viria a ser condenado à pena de morte, acusado de ter assassinado o policial Mark MacPhail em 1989. Davis, que havia conseguido adiar sua execução por três vezes, foi finalmente morto por injeção letal no presídio de segurança máxima de Jackson em 21 de setembro último, sob um clima de manifestações populares e pedidos de clemência, em função das várias dúvidas que pairavam sobre sua culpabilidade.

A defesa de Davis havia apresentado uma declaração em que sete das nove testemunhas originais reviam seus relatos e se retratavam da acusação de que ele era o assassino. No dia do crime, o policial MacPhail trabalhava como segurança particular em uma lanchonete do Burger King e, ao tentar socorrer um morador de rua que acabara de ser espancado, foi assassinado com dois tiros pelo agressor. As testemunhas, agora, declaravam ter sido vítimas de intimidação àquela época; algumas, inclusive, apontando uma das duas testemunhas que mantiveram seus depoimentos como o verdadeiro autor do crime.

Diante disso, muito se questionou se esse não seria mais um caso em que um cidadão negro seria injustamente condenado pela morte de um cidadão branco em solo dos EUA. O caso obteve uma repercussão sonora no país, talvez a maior desde a execução do casal Julius e Ethel Rosenberg, mortos em 1953 sob suspeita de espionagem em favor da União Soviética.

Diversas personalidades e organizações da sociedade civil clamaram por perdão, comutação da pena ou ao menos a chance de haver um novo julgamento para Davis. Nomes da política internacional e do mundo do entretenimento juntaram-se à lista dos apoiadores. Em um dos últimos atos antes de por fim à carreira da banda, o R.E.M. pediu aos fãs que assinassem a petição em favor de Troy Davis. O ex-presidente Jimmy Carter (que já foi governador da Geórgia) opôs-se frontalmente à execução; o ex-diretor do FBI William Sessions e até o político conservador Bob Barr reproduziram os argumentos de que havia muitas questões não esclarecidas a respeito da culpa de Davis.

Nos dias anteriores à execução, a Anistia Internacional lançou a campanha nas redes sociais pela publicação da hashtag “TooMuchDoubt”. Os Tweets vieram de todo o mundo, de lugares como Austrália, Venezuela e Iêmen, por exemplo. A NAACP, organização que luta pelos direitos civis dos afro-americanos desde 1909 (e que teve papel de destaque no combate as leis segregacionistas “Jim Crow”), conseguiu recolher quase 700 mil assinaturas em favor do perdão ao réu. Jovens vestindo camisetas com o slogan criado pela NAACP “I Am Troy Davis” podiam ser vistos em cidades como Londres e Madri. No dia da execução, despontaram mais de 300 manifestações de protesto ao redor do mundo.

Logo que Troy Davis foi executado, já se podia contar mais 27 execuções com data fixada para ocorrer em alguns dos 34 estados norte-americanos onde a pena de morte é aplicável. Ao todo, aproximandamente 3.250 pessoas estão esperando na fila do corredor da morte nos EUA. O estado da Geórgia, que condenou Davis, é um dos estados que mais aplica a pena de morte – não é a toa que o documentarista Michael Moore conclamou um boicote ao turismo e aos negócios com o estado do governador Nathan Deal. O governador do Texas, Rick Perry, pré-candidato à presidencia dos EUA pelo Partido Republicano, orgulhou-se em um recente debate televisivo do fato de sua gestão ter aplicado a pena capital 234 vezes. Em julho deste ano, a justiça texana mandou executar Mark Stroman, mesmo com a súplica de uma das vítimas do crime para que o réu fosse perdoado. Os estados sulistas são, de fato, os que mais aplicam a medida.

Uma pesquisa de 2010 do Instituto Gallup mostrou que 64% dos norte-americanos são a favor da pena de morte, enquanto 29% se opõem – curiosamente, 34% dos que a apoiam acreditam que inocentes já foram executados injustamente.

Avanços e recuos legais marcaram a trajetória dos movimentos contrários à pena de morte nos EUA. Na virada da década de 1970, os abolicionistas obtiveram êxitos no que se refere à interrupção da aplicação da pena. Em 1972, a Suprema Corte decidiu anular todas as disposições normativas que previssem esse tipo de punição. Contudo, já em 1976, ela reviu seu posicionamento e passou novamente a permitir que os estados a aplicassem. O ano de 2011, portanto, marca os 35 anos da volta da pena de morte dos EUA – e o caso de Troy Davis, em boa medida, reabriu o debate em torno de seus méritos.

Além disso, provocou novamente a discussão relativa à diferença no tratamento dado a negros e a brancos pela justiça criminal dos EUA. É importante lembrar que um estudo da Universidade de Iowa na década de 70, que ficaria conhecido como “estudo Baldus”, apontou mediante análise de mais de dois mil casos ocorridos à época na Geórgia que negros teriam 1,7 vez mais chances de serem condenados à pena de morte que brancos sob as mesmas circunstâncias; e concluiu que negros que cometessem crimes contra vítimas brancas eram 4,3 vezes mais propensos à pena do que nos casos em que a relação fosse inversa. Foi emblemático – porque demarcador de uma postura mais conservadora – o caso McCleskey vs. Kemp, no qual a Corte rejeitou a alegação, fundamentada por tal estudo, de que as sentenças do estado fossem discriminatórias, condenando o réu à morte. Uma pesquisa do Los Angeles Times revelou que juristas apontam o caso como a pior decisão da Suprema Corte no pós-guerra.

O filtro racial nos julgamentos persiste até hoje em boa parte dos EUA. Alguns relatórios recentes, produzidos em Stanford e em Yale, demonstram estatisticamente os padrões a partir dos quais os júris operam, ao olhar reús e vítimas, sistematicamente referenciados em termos de raças. Laura Moye, da Anistia Internacional, observa que o sistema criminal norte-americano tende a ser muito mais duro com a população negra. Um em cada três negros acaba tendo que se confrontar com a justiça criminal em algum momento da vida.

Pode-se lembrar de outro famoso caso de condenação à pena de morte cuja sentença, além da dimensão racial, parece apresentar contornos políticos. No final do ano de 1981, o cidadão norte-americano Wesley Cook, mais conhecido como Mumia Abu-Jamal (nome que adotou após sua conversão ao islamismo), foi preso, sob a acusação de ter assassinado o oficial de polícia Daniel Faulkner, e condenado à pena capital no estado da Pensilvânia. Segundo o relato de testemunhas, Abu-Jamal teria intervindo para socorrer seu irmão William Cook, que estaria sendo espancado pelo policial.

Mumia Abu-Jamal tinha uma trajetória de ativismo político, atuando dentro do movimento negro na cidade de Filadélfia. Jornalista – foi presidente da Associação dos Jornalistas Negros da Filadélfia – e ligado ao Partido dos Panteras Negras desde o início de sua adolescência, apresentava um programa em uma rádio local, conhecido como “The Voice of the Voiceless” (algo como “A Voz dos Sem-Voz”, em português), que servia como veículo para denunciar o cotidiano de opressão vivido pela população pobre e negra da cidade. No programa, chegou a entrevistar o cantor jamaicano Bob Marley, o jogador da NBA Julius Irving e o escritor norte-americano ligado à causa negra Alex Haley.

Nos anos 70, seu nome foi incluído em uma lista do FBI das pessoas que representariam uma “ameaça à segurança nacional dos EUA” e recebia intimidações frequentes por parte de autoridades, como o então prefeito Frank Rizzo. À época do julgamento, em 1982, o juiz Albert Sabo teria declarado publicamente seu repúdio ao Partido dos Panteras Negras fundado por Huey Newton e Bobby Seale.

Diante de uma série de aparentes irregularidades processuais, a batalha judicial de Mumia Abu-Jamal reverberou-se em mobilizações de militantes por todo o mundo e – assim como o caso Troy Davis – fez com que os olhos de várias personalidades se voltassem para a questão das condenações nos EUA. Apelos têm partido, desde então, de uma gama variada de figuras, como o Nobel da Paz Elie Wiesel, a ex-primeira-dama francesa Danielle Mitterand, o pastor Jesse Jackson e o porta-voz do movimento zapatista mexicano Subcomandante Marcos, apenas para citar alguns.

Abu-Jamal – que, em 2003, foi nomeado cidadão honorário de Paris (título que havia sido concedido pela última vez a Pablo Picasso, em 1971) e virou até nome de rua em Saint-Denis – está há quase 30 anos preso esperando o momento de sua execução. Jamal escreveu o livro de memórias Live From Death Row no mesmo ano em que foi para o presídio de segurança máxima SCI-Greene, em Waynesburg, Pensilvânia, em 1995.

Um outro caso interessante na mesma linha de sentenças judiciais sobre as quais se podem inferir motivações políticas – muito embora aqui não se tenha resultado em pena capital – é o de Leonard Peltier, condenado à prisão perpétua, cuja menção é bastante diminuta no Brasil. Peltier, de origem indígena Sioux, fazia parte do American Indian Movement (AIM), movimento fundado em 1968, que visava chamar a atenção do governo para as condições vividas pelos povos nativos. Durante o governo Nixon, o movimento foi gradativamente desestabilizado, no contexto de criminalização de organizações consideradas “subversivas”, e ocorreram uma série de confrontos entre agentes do governo – que atuavam por meio da milícia dos “Goon Squads” – e militantes do AIM. Estima-se que 80 membros do movimento foram mortos entre 1973 e 1975.

Foi justamente nesse último ano que houve o “tiroteio em Oglala”, episódio que selaria o destino de Peltier. Argumenta-se que ele teria se transformado em uma espécie de “bode expiatório” por parte das autoridades, na medida em que os outros acusados de homicídio contra dois oficiais do FBI, em Oglala, haviam sido absolvidos pelo júri popular, em função da inexistência de provas que concluissem sua culpa. Sua defesa apresentou novos documentos que apontavam para a insuficiência da tese que Peltier teria atirado nos oficiais e também, a partir daí, sua causa passou a ganhar apoio de vários nomes conhecidos.

O presidente Bill Clinton declarou que, em seu governo, “não se esqueceria de Leonard”, insinuando que poderia declarar indulto ao preso, porém acabou não o fazendo. Essa omissão final de Clinton foi determinante, inclusive, para que o bilionário da mídia David Geffen apoiasse Barack Obama em detrimento de Hillary Clinton nas prévias do Partido Democrata para a corrida presidencial de 2008. Sua imagem de injustiçado perante os procedimentos legais lhe rendeu homenagens da banda Rage Against the Machine, em 1992, ao ser tema da música “Freedom”, bem como da estilista Viviane Westwood, na semana de moda de Londres de 2010, por exemplo.

Peltier – que concorreu à presidência dos EUA pelo Peace and Freedom Party (Partido Paz e Liberdade) em 2004 – tem 67 anos e vem apresentando quadros graves de saúde, tendo sofrido, não raro, agressões de outros presidiários na cadeia. Pode morrer antes que um outro julgamento reveja sua condenação.

Independentemente das clivagens que determinadas sentenças possam apresentar (étnicas, políticas e/ou sociais), as mais de três mil pessoas na fila do corredor da morte nos EUA, culpadas ou não, estão atadas à natureza “hamurabiana” deste tipo de punição. Como afirma Guadalupe Marengo, da Anistia Internacional, a pena de morte é o sintoma de uma cultura de violência e não uma solução para ela.

O funeral de Troy Davis aconteceu na manhã deste 1º de outubro. O estado da Geórgia, que gastou 18 mil dólares com os custos da execução, não cobrirá um centavo das despesas fúnebres. A Anistia Internacional propôs que este fosse o dia da lembrança de que Davis não morreu em vão.

Em sua última carta, Davis pronunciou que “há muitos outros Troy Davis. Esta luta para acabar com a pena de morte não é ganha ou perdida através de mim, mas através da nossa força para seguir em frente e salvar todas as pessoas inocentes em cativeiro em todo o mundo. Precisamos desmantelar esse sistema injusto cidade por cidade, estado por estado e país por país”. De fato, no mesmo dia de sua morte, condenações ou execuções ocorreram no Irã, na China, na Bielorrússia.

Por outro lado, também no mesmo dia, aproximadamente 200 estudantes se concentraram na frente da Casa Branca, cantando hinos de protesto, mandando um recado de “no justice, no vote” ao presidente Barack Obama. E o faziam com os braços levantados e os punhos cerrados.

(*) Sean Purdy é professor de História dos Estados Unidos da Universidade de São Paulo (USP). Frederico Souza de Queiroz Assis é professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC).

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ato lembra 19 anos do Massacre


Até hoje nenhum dos envolvidos na morte dos 111 presos foi punido

30/09/2011

 

Da redação

Diversas organizações promoverão, no domingo (02), em São Paulo, um ato para lembrar os 19 anos do Massacre do Carandiru. A manifestação ocorrerá a partir das 15h no Parque da Juventude (onde se localizava a antiga Casa de Detenção, na zona norte da capital paulista).
O ato deste domingo também marca o início de uma agenda intensa de mobilizações que ocorrerão no próximo ano, quando se completarão duas décadas do massacre.
O massacre aconteceu em 2 de outubro de 1992. Acionada para controlar um conflito no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, a Polícia Militar invadiu o local com 360 soldados, que mataram 111 detentos. O episódio é considerado um dos mais violentos casos de repressão a rebelião em presídios.
A casa de detenção foi desativada em setembro de 2002 e já chegou a ser considerada, por anos, a maior prisão da América Latina.
O ato lembrará também a falta de punições para os responsáveis pelo massacre. Dos envolvidos, o único a receber condenação foi o coronel Ubiratan Guimarães (morto em 2006), que comandou a operação policial. No entanto, a sentença que o condenava a 632 anos de prisão foi anulada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), entre 1995 e 2005 a população carcerária no país cresceu 143,91%, passando de cerca de 148 mil presos para mais de 361 mil. Já entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, o número de detentos aumentou de 361.402 para 473.626, o equivalente a um crescimento, em quatro anos, de 31,05%.
Já no estado de São Paulo, segundo dados oficiais do governo, diariamente, cem pessoas deixam as prisões paulistas, enquanto outras 137 são encarceradas.

domingo, 2 de outubro de 2011

Trabalhadores e estudantes preparam grande marcha em NY

Sindicatos do setor siderúrgico, de professores, de transportes e serviços manifestam apoio ao movimento Ocupa Wall Street. Trabalhadores e estudantes preparam uma grande marcha em Nova York, para a próxima quarta-feira. Repressão da polícia fortalece caráter nacional do movimento que já estaria em 100 cidades dos EUA. “Conhecemos a devastação causada por uma economia onde os trabalhadores, suas famílias, o meio ambiente e nossos futuros são sacrificados para que uns poucos privilegiados possam ganhar mais dinheiro em cima do trabalho de todos, menos do deles”, diz presidente do maior sindicato industrial de trabalhadores da América do Norte.

O sindicato nacional dos trabalhadores do setor siderúrgico (USW), com 1,2 milhões de filiados, anunciou sábado (1°) sua solidariedade ao movimento Ocupa Wall Street, na mais recente expressão do crescente apoio de organizações e personalidades nacionais a este movimento. No mesmo dia, centenas de manifestantes foram detidos em uma marcha na maior repressão massiva dos 15 dias de manifestações no centro financeiro desta cidade contra a cobiça dos empresários do setor. Por outro lado, elevando o perfil nacional deste ainda incipiente movimento, ocorreu uma ação Ocupa Wall Street no centro de Los Angeles com centenas de pessoas pedindo justiça econômica e denunciando a cobiça dos banqueiros.

Na tarde de sábado, 700 manifestantes foram detidos, segundo números da polícia, na ponte Brooklyn, quando cerca de 1.500 pessoas faziam uma marcha desde a chamada Praça Liberdade, onde está localizada a sede do movimento há duas semanas, a apenas duas quadras de Wall Street. Os manifestantes acusaram a polícia de montar uma armadilha para eles ao permitir que ingressassem na ponte para só depois encurralá-los e começar a detê-los. Entre os detidos, estaria inclusive uma criança. A polícia negou que tenha preparado uma armadilha e assegurou que só deteve quem não obedeceu as ordens de não invadir a passagem para os automóveis.

Caminhões preparados
No entanto, algumas horas antes a polícia já havia despachado para a região uns 20 caminhões para o transporte de presos. Foi um movimento planejado contra os manifestantes, disse o New York Times, que também informou que uma de suas jornalistas freelancer enviou uma mensagem dizendo que estava sendo presa na ponte. Tudo isso seguramente terá um efeito adverso para as autoridades, já que a prisão de 80 manifestantes há apenas uma semana ajudou a elevar o caráter nacional do protesto e provocou maior apoio, além de denúncias formais contra a polícia.

Por outro lado, Leo Gerard, presidente internacional de maior sindicato industrial de trabalhadores da América do Norte, o United Steelworkers (USW), declarou apoio e solidariedade de seu sindicato ao movimento Ocupa Wall Street. “Os homens e mulheres valentes, muitos deles jovens sem emprego, que vem se manifestando por quase duas semanas em Nova York estão falando por muitos em nosso mundo. Estamos fartos da cobiça empresarial, da corrupção e da arrogância que tem provocado dor para muita gente por demasiado tempo”.

Gerarr acrescentou que seu sindicato está enfrentando os mesmos capitães das finanças. “Conhecemos diretamente a devastação causada por uma economia global onde os trabalhadores, suas famílias, o meio ambiente e nosso futuro são sacrificados para que uns poucos privilegiados possam ganhar mais dinheiro sobre o trabalho de todos, menos o deles”.

Ao mesmo tempo, outros sindicatos de Nova York, como o dos professores (UFT), dos trabalhadores do setor de serviços (SEIU), Workers United, e o de transporte (TWU) anunciaram que participarão de uma marcha em solidariedade ao movimento Ocupa Wall Street na próxima quarta-feira.

O presidente da seção sindical de Nova York do TWU, John Samuelson, explicou em um programa de televisão que apoiam os manifestantes porque “estão cantando a mesma canção e travando a mesma batalha que nosso sindicato tem lutado ao longo dos últimos 18 meses”.

Por sua vez, Richard Trumka, presidente da central operária nacional AFL-CIO, pela primeira vez também expressou sua simpatia pelos jovens do Ocupa Wall Street, ainda que não possa, por si mesmo, manifestar apoio público sem prévio acordo com os filiados nacionais da central. Ele disse a John Nichols, do The Nation, que “Wall Street está fora de controle” e que “chamar a atenção para isso e protestar pacificamente é uma forma muito legítima de ação”. E acrescentou: “creio que estar nas ruas e chamar a atenção sobre esses assuntos é, às vezes, o único recurso que se tem. Deus sabe, alguém pode ir ao Congresso e falar com muita gente, sem que nada jamais ocorra”.

Personalidades nacionalmente reconhecidas como Michael Moore, Noam Chomsky, a atriz Susan Sarandon, o humorista Stephen Colbert e o filósofo Cornel West, elevaram o perfil do protesto com suas visitas e/ou expressões de apoio nos últimos dias.

Do outro lado do país, centenas de pessoas marcharam sábado em uma ação chamada “Ocupa los Angeles”, em sintonia com o movimento Ocupa Wall Street, informou o jornal Los Angeles Times. Os manifestantes chegaram ao centro da cidade com faixas e cartazes denunciando a corrupção do sistema político e a avareza empresarial, ecos do acampamento montado perto de Wall Street.

Os ativistas informaram que ações semelhantes estão ocorrendo em Boston, Chicago, Austin e que em dezenas de cidades estão sendo planejadas outras manifestações. Segundo o último levantamento, já há mais de 100 cidades na lista do Ocupa que, supostamente, estão desenvolvendo algum tipo de ação (ver www.occupytogether.org/).

Aparentemente, alguns começam a acreditar no que afirmava uma consiga dos acampados de Ocupa Wall Street: “O poder do povo é maior que o dos que estão no poder”.

Tradução: Katarina Peixoto